"Não há porque voltar
Não penso em te seguir
Não quero mais a tua insensatez..."
Renato Russo
...aos poucos, junto com os primeiros raios de sol, ela foi se libertando do casulo. Aos poucos, a lagarta, que já era borboleta, ia se desfazendo de todo seu passado para um novo e breve futuro que se apresentava. Devagar, as asas foram se desprendendo do casulo, depois foi todo o pequeno e frágil corpo. Agora ela já era borboleta, mas não se movia, pois ser borboleta bastava. Agora ela era. O sonho de toda lagarta chegara.
Num silêncio da natureza, quase que mortal de tão nada silencioso, ela pela primeira vez mexe as asas. Foi um movimento de autoconhecimento. Apenas um chacoalhar. Porém, já mostrava suas cores: era linda, amarela, vermelha, com tons de marrom, mas não se podia precisar qualquer dominância entre as cores.
Depois de alguns minutos de sentir-se borboleta, ela movimenta-se de novo. Faz de uma maneira desajeitada, atabalhoada, mas segura. E quando menos se espera levanta vôo. Começa a conhecer tudo aquilo que sua intuição dizia existir, ou que então, algum descendente havia passado. Passeia por bosques, florestas, jardins, parques e folhagens. Passa por lindos lugares, experimentando essa sensação de voar, de observar o mundo e pela primeira vez, não ser observado. Sentia-se só, porém. Vivera sua vida só e agora que era linda, voava e tinha nela toda a maravilha da natureza, não podia permanecer assim. Alimenta-se e descansa em alguns lírios de um parque a hora do sol mais forte, e pouco depois sai em busca de companhia.
Nos bosques, encontra muitas borboletas, porém todas pareciam auto-suficientes e ignoravam seus apelos. Uma delas foge só de ouvi-la dizer: "você..." Descobre então, que não podia competir com aquele bosque, e vai-se para um parque. Lá encontra muita gente, correndo, andando de bicicleta, falando, gastando e comendo. Assusta-se com o tamanho da pessoa. Num canto, perto de um banco, vê um menino de calças curtas e camisa vermelha, sentado num banco com cara de choro. Aproxima-se, o posta-se ao lado dele. O menino olha, estica o dedo e a borboleta sobe em seu dedo. Ele olha para ela por alguns instantes e sorri, ela devolve-lhe o sorriso que ele não entende. Em instantes, ele tira o dedo e sai correndo em direção de alguns meninos. E a borboleta alça vôo de novo.
Num jardim, ela encontra apenas um beija-flor, que parece mal humorado e toma conta do local, ela tenta lhe dizer algumas palavras, mas ele parece nada sociável. Ela afasta-se e encosta próximo a alguns outros insetos. Todos excluídos. Havia ali, mosquitos, moscas e algumas mariposas, e ela a única borboleta, linda, sentindo-se só. Porém, os insetos incomodam-se com sua presença, e um a um voam para outro lugar e ela, tentando segui-los desiste e não vê para onde eles dirigem-se.
Anoitece, e a borboleta não está feliz. Nem triste. Está cansada. Sente um peso de uma vida que se tem e reclama de ter ganhado a vida que ganhou. Pois no fundo, ainda era lagarta, ainda era um ser como outro, ainda estava confusa. Não podia compreender essa metamorfose de nada a tudo, de feio a belo, não entendia ter que mudar por fora, quando a essência permanecia a mesma. Sem poder entender como era a vida de borboleta, ela enche-se de esperanças de poder descobrir isso nos próximos dias, já que estava borboleta a apenas algumas horas. Resolve então voltar para o casulo de onde saíra e lá, descansa. Dorme profundamente e ali fica para sempre. Mal sabia ela que borboletas só vivem vinte e quatro horas.
Luiz Antonio Ribeiro
01/07/05
2 comentários:
Foi um dos textos mais perfeitos que eu já li em toda a minha vida! Nem acredito que eu conheço pessoalmente o autor...
Abraços
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