Estava deitado na cama e apesar da luz apagada, da madrugada e do quase silêncio só interrompido pelos grilos e sapos que passeavam janela a fora, não conseguia dormir. Olhava com insistência pra pequena luz vermelha da televisão, o que significava que com um toque no controle, ela de novo acenderia e me traria de volta pro ritual que é dormir: sentir sono, deitar e ver um pouco de televisão, até desliga-la e virar para o canto. Resisti.
Não sabia muito bem por quanto tempo havia ficado ali parado olhando pra luz, mas sabia que era tempo o suficiente pra que um mundo inteiro se construísse e se desabasse. Foi quando de súbito me veio a frase: “estou escrevendo um conto.” Foi assustador, percebi que no meu silêncio havia criado, elaborado, formulado e editado uma história inteira com detalhes, tramas, ápices, clímax, clima, personagens e vidas completas, ou fragmentos de vidas, ou então o suficiente para que um conto fosse criado. A partir de então, comecei a relembrar e reescrever o conto, como se aperfeiçoasse o rascunho que havia criado sem perceber.
O meu conto era o melhor conto do mundo naquele momento, porque ele não tinha tempo. Trechos chatos eram interrompidos com reticências e lá se dava um salto temporal de um ano, dois, até mais, para mais um trechinho da história aparecer e quando ela se completava, aparecia como mágica o fim daquele trecho chato, e aparecia um flashblack a cores e corrigia a chatisse anterior. Uma personagem que havia morrido deixou o conto muito pra baixo e me revoltei contra o autor, mudei tudo de novo e fiz renascer aquela moça linda e loura que passara na vida do nosso herói, e ela voltou numa cena linda: chorava numa praça, sentada ao chão com os braços junto ao corpo e o herói que ia para o enterro de seu pai, vira ela ali daquele jeito e gritara o seu nome alto, ela interrompia o choro e sorria também, e levantando-se,
davam-se as mãos, olhavam para o lado e se abraçavam. A próxima cena era deles num restaurante. O pai dele não precisava mais morrer.
Foi assim, que entre a insônia e a memória, criei uma história. Ela era grande demais pra mim, tinha tantos detalhes que minha própria mente não podia comportar, não assim, do jeito que eu estava, na cama, preso, porque deitar e não dormir é uma prisão, ao menos que se consiga abdicar da noite, o que é improvável. Por isso que essa minha história ficou sem fim, porque ela entrou nos sonhos e me acompanhou ao dormir. Minha história ficou sem mim.
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