19 agosto 2010

a merda e eu

Não me lembro do primeiro cheiro que senti, mas não deve ter sido bom. Cheiro de merda provavelmente. Nada mais anti-humano que esse cheiro: seja na privada, no chão ou em imagens sempre o sentimos, está na memória mais que lembranças ou histórias. Nasci ao lado de um chiqueiro, via sempre os porcos chafurdando na lama, rodando pra lá e pra cá e aquela imagem sempre me lembrou merda, como se eu fosse também criado por ela. Depois fiquei sabendo que os avós do Saramago criavam porcos e de dentro da merda foi que ele se fez. Pouco mudou, ainda assim havia crescido na merda.
Eu era fresco pra comer e minha mãe dizia que comida era questão de costume, que comendo três ou quatro vezes a gente acostumava com o cheiro, com o gosto, com tudo. Nunca me acostumei com merda nenhuma na vida. Nunca quis chafurdar, apesar de muitos me recomendarem desde políticos, médicos, nutricionistas e até padres. São os genocidas da merda.
Tenho muitos vizinhos e meus vizinhos têm muitos cachorros. Todos cagam muito e o cheiro se espalha. Cada latido deles me traz o cheiro de merda. Passo quase de olhos fechados, por não poder fechar as narinas. Prendo a respiração, mas aí me forço a olhar. Tem algum imã na merda que chama mais atenção que qualquer outra coisa. É tão repugnante a visão que não consigo me afastar. Às vezes passo e tem três cocos, às vezes quatro. O máximo que contei foram nove, o que me fez pensar que meus vizinhos colecionam merda, juntam e as exibem como troféu, enquanto outros resolvem esconder e fingir que elas não existem. A merda é o preço da vida.
É esquisito, mas em alguns casos assim como no sucesso, a merda também sobe à cabeça.

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