17 junho 2011

solidão

Faz muito tempo que aprendi a solidão. Acho que todos aprendemos mais ou menos na mesma época, ali por volta de seis, sete anos, quando nossa mãe nos esquece por um momento ou a professora da escola diz que você está errado. É uma sensação tão forte que marca e qualquer outra solidão, depois dessa, parece que repete-a.

Depois resolvi aprende sobre a solidão. Sabe quando dizem: “você tem que estar preparado para o que vem.”? Geralmente dizem isso pra coisas simples, tipo levar um guarda-chuva e casaco pra não pegar gripe, comer verduras pra estar com o organismo forte, arrumar as malas porque a carona pode chegar antes, no entanto, essa questão, pelo menos em mim, vai além. Estar preparado para o que vem é apontar do momento em que se está até o dia da nossa morte tudo aquilo que é passível de acontecer e, aos poucos, preparar-se para todas as ocasiões.

A primeira delas é simples, a morte de nossos avós. A ordem natural é que eles morram primeiro que a gente, então é preciso o mais cedo possível se preparar para esse acontecimento. Isso quer dizer, fazer todos os carinhos que estamos devendo, comprar um presente pra eles e perguntar toda a história de suas vidas e de nossa família, pra que no futuro possamos contar pros que vem aquilo que ouvimos. Isso também inclui comer muito feijão, bolinho de batata sem salsinha, sentir o cheiro da vó que faz crochê como ninguém apesar de não saber contar. Estar pronto é um pouco de sentir saudades antecipadamente e, justamente por isso e um pouco trágico, é preciso também um pouquinho de distância deles. Não é frieza, nunca. É distância, é preciso que não dependamos deles pra nada, que toda nossa relação seja simplesmente afetiva, sem qualquer dependência sua pra eles.

A segunda é, óbvio, se preparar pra morte de nossos pais. É a ordem natural e talvez a coisa mais difícil de se fazer. A lógica é complicada e até hoje tenho dificuldade de equilibrar, porque, em via de regra, é fazer o mesmo que fazemos com os avós, só que com muitas mais dificuldades, porque os pais são os seres do amor, da gênesis. Não somos igual deus que abandona Adão e Eva com facilidade, nós amamos. É até complicado tratar disso em um texto, acho que não tenho essa força ainda. Pulo.

Por fim, é estar pronto pra todas as vicitudes do mundo. Todas as porradas que você vai levar, todos os desagradados que vai ter de passar, todos as ofensas, falta de respeito, puxada de tapete, soco na cara, ressaca. É preciso estar preparado pra tudo isso.

Aliás, a ressaca é um belo exemplo. Preparar-se pra ressaca é preparar-se pra vida. Sabe-se que ela vem no dia seguinte, então o dia de beber é escolhido a dedo, todo o ritual pra amenizar é seguido e um certo controle mental antes e depois que permita o descontrole do momento. O fato é: o mundo é perigoso, vai ofender e é preciso estar pronto.

Depois vem a saúde. Ela é a primeira a cobrar. É engraçado ver como as nutricionistas falam em evitar gordura, hormônios, carboidratos, açúcar. O dia que uma não morrer e viver saudável pra sempre, eu juro que sigo as instruções, mas enquanto elas se forem com a mesma idade que minha vó da roça que comia fritura na banha de porco, nada feito. Preparar-se pra ter problemas de saúde é saber quais seus pontos fracos, onde que rebate os problemas no nosso organismo e, tudo que vier dali, não ser surpresa.

Acho que agora é o mais importante. A solidão pela solidão. Estar preparado para a solidão é aprender a estar sozinho. Dizia Baudelaire: Quem não aguenta a solidão do seu quarto, nunca vai aguentar uma grande cidade. A solidão é aprender a ler trechos de livros enquanto caminha pela casa, é não esperar que a TV complete o vazio dentro de você, é saber que por mais que você estude, trabalhe, é absolutamente inútil e serve apenas pra dar dinheiro pra você gastar com coisas que você não vai querer pra sempre. Aprender a ser solitário é se olhar nu, mas uma nudez suja, daquela que não toma banho ou que não arruma a casa. Uma nudez que você só permite a você mesmo e mesmo assim se envergonha. Quem fica sozinho em casa e toma banho, usa maquiagem e troca de roupa, nunca vai entender de solidão. Essa solidão nua é a mais difícil e muita gente tenta completar com amigos, amores, festas, mas eu prefiro não. Prefiro encarar a solidão de minha casa comigo mesmo e cada vez mais aperfeiçoar esse talento de não estar, de não ser presente. A saída é aprender a não-ser. A necessidade de ser o tempo todo, de estar limpo, inteligente, sagaz, engraçado, perspicaz e disponível acaba com qualquer individualidade e inteligência. O que é preciso é não-ser, deixar a ignorância passar, perceber as redes sociais como o lugar onde os outros caçam...peixes. Os amigos, em alguns momentos, completam esse buraco do não-ser, mas eles, e isso é um desejo meu, também vão conseguir não ser, justamente por isso, não posso depender deles, seria cruel demais.

A solidão nua, a solidão suja, a solidão da louça não lavada e da roupa jogada é o desafio. Essa solidão de que se abre mão de quase tudo que existe pra ficar ali, no cantinho da cama, pequeno, quase não existindo, controlando até a respiração e o movimento das pernas. É ouvir música em fone de ouvido mesmo estando sozinho. É pegar um papel pra escrever uma carta e deixar ali, na mesa, com o lápis do lado por horas e horas. É preparar um prato de comida sem esquenta-la, deixar esperando no micro-ondas, é abrir uma caixão de bombom e não comer. É olhar pra isso tudo com a maior complacência e sentir no fundo, não dizendo: “fica pra depois.”

A solidão não corta e não mata. Não existe nenhum sofrimento que vem da solidão. O maior sofrimento vem do outro lado, vem da porta pra fora. Aqui dentro, enquanto houver eu-não-sendo, vai ser o melhor lugar do mundo e o único que eu posso estar.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu acho que não entendi o que vc quis dizer mas de qualquer forma Luis, é lindo e as suas palavras me roubaram lágrimas. Já ouvi tantas versões e definições de solidão antes mas nenhuma se pareceu tanto comigo como essa.

Ferreira, Lai disse...

Luiz, não é você.