04 abril 2012

sobre eu não existir (em grande parte do dia)

Entro no meu prédio e dou boa noite ao porteiro. Entro no elevador e vejo a câmera me vendo. Saio e no corredor tem outra câmera. Viro a chave, a fechadura range e eu entro em casa. Acabou.
A verdade é que dentro de casa eu não existo. Enquanto estou dentro de casa, no meu conjugado minúsculo, eu não existo para o mundo e ninguém simplesmente é capaz de lembrar de mim. Os que gostam de mim, nem sequer pensam; quem me ama, sente o amor como uma vertigem; meus pais me acham uma espécie de cazuza, um filho que morreu e vai longe longe; até meu gato esquece meu cheiro e só vai relembrar quando, em alguns dias, faze-lo me sentir de novo.
É que essa espécie de solidão é um portal para a dissolução da existência. É que nesse meu cantinho é assim que as coisas devem ser, fechadas, trancadas e inacessíveis. Se por um momento, apenas um, eu souber que pessoas pensam em mim enquanto eu estou aqui, esse aqui que me é tão caro vai se tornar insuportável. Tenho a impressão que é assim sempre e que é preciso se abandonar com frequência. Dormir seja talvez o momento em que até você mesmo resolve parar de pensar em si e os outros só acordam quando você dorme e viaja no etéreo do sonho.
Aqui eu não existo, não. E quando saio às vezes até demoro a voltar a existir. É que pesa existir o tempo todo. Por isso que decidi entrar aqui e desvanecer. Tchau mundo, entrei e fui embora. Inclusive, enquanto você lê isso, eu estou não existindo. Talvez nem respire.

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