Dois
caras em um foco no canto da cena.
1 –
Eu não vou falar isso!
2 –
E por que não?
1 –
Porque não. Porque só querem que eu fale o que a tradição manda,
mas sabe em que a tradição manda? Em quem deixa que a tradição
mande e eu não quero deixar que a tradição me mande, então não
vou falar o que a tradição manda.
1 –
Você anda com uns modos muito esquisitos de falar.
2 –
É o que estava escrito!
1 –
Então você assume que você fala o que está escrito.
2 –
Sim.
1 –
Tudo?
2 –
Tudo.
1 –
E isso agora estava escrito?
2 –
Estava sim.
1 –
Não estava não.
2 –
Estava sim.
1 –
Como você tem tanta certeza?
2 –
Porque eu só falo o que estava escrito. Você sim?
1 –
Eu também, falo exatamente o que estava escrito.
2 –
E se a gente...é...tentasse, uma só vez não falar o que estava
escrito?
1 –
Será que a gente consegue?
2 –
Não sei.
O
1 se afasta. Vai até a outra ponta do palco.
1 –
Sabe como poderíamos fazer?
2 –
Como?
1 –
Falar algo assim, repentino que vem a cabeça.
2 –
CHOQUE!
1 –
O que?
2 –
É o que me veio à cabeça: choque.
1 –
Estava no texto?
2 –
Não sei, acho que sim.
1 –
Precisamos enfrentar isso.
Agora
o 2 troca com o 1 e vai até a ponta do palco.
2 – Tenta você.
1 – O que?
2 – Falar a primeira coisa que...
1 – MOSTARDA.
2 – Oi?
1 – Falei.
2 – O que?
1 – A primeira coisa que vem a cabeça.
2 – E é mostarda?
1 – É.
2 – Por que?
1 – Não sei. Não posso dizer. Estava no texto?
2 – Acho que sim. Pelo que me lembro sim.
Os
dois caminham. Pensam.
1 –
Acho que sei o que a gente precisa.
2 –
O que?
1 –
Esquecer o texto decorado.
2 –
Mas como?
1 –
Sei lá. Perder a memória. Um bate na cabeça do outro e puf,
esquece.
2 –
Será que funciona?
1 –
Podemos tentar.
2 –
Mas calma...será que isso estava no texto?
1 –
Acho que sim, mas talvez dê certo.
Os
dois saem, cada um para um lado. Voltam cada um com um taco de
baseball. Batem um na cabeça do outro, ao mesmo tempo. Os dois caem.
Levantam. Se olham, estão zonzos, tentam falar alguma coisa. Não se
lembram. Escuridão.
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