03 junho 2006

justificando o injustificável

sobre o caso Suzane Hitchkoffen

Atire a primeira pedra quem nunca sentiu ódio. Não falo do ódio dissolvido pelo tempo, daqueles que duram meses, mas sim daquele que vem e dura momentos, segundos talvez, mas são tão fortes, tão profundos que rompem qualquer barreira da nossa racionalidade. Quem nunca bateu uma porta de raiva? Quem nunca quis socar a parede? Quem nunca arremessou um objeto qualquer? Não ouso dizer qualquer coisa sobre agressões físicas, mas nesse instante talvez você esteja pensando: "sim, eu já quis agredir alguém."

Existe uma idéia social, parte do senso comum, de que é ruim sentir raiva. Pior ainda, é inaceitável pensar em descarregar essa raiva, então o que fazemos é guardar, engavetar, fingir que não existem tais sentimentos dentro da gente. Gritar é barraco, chorar é fraqueza, fugir é covardia. Eis a virtude: fingir que não somos. Aí está o problema, temos uma sociedade de ovelhas sem sentimentos, que quase sempre são descarregados em formas singulares de prazer: festas, drogas, jogos, esportes. E assim, a sociedade vai bem, a máquina do mundo gira em perfeita harmonia.

Eis que um dia, uma menina mimada, criada para ser uma mistura de Barbie e Cinderela, cansa-se de todas as outras formas de extravasar, rompe com tudo que existe dentro dela, vê que não é de cera, não é bonita e não sabe sorrir de verdade, descobre que as drogas fazem ela não ser ela, e não ser dói. E no meio de tantos pensamentos descobre: "a culpa é dos meus pais".
Não sei se conheces o conflito da tragédia grega, mas ai está ele: homem x ordem. Não existe felicidade para a menina, enquanto seus algozes, travestidos de protetores continuarem sorrindo, a ordem foi comprometida, o prazer ou descanso familiar virou motivo de raiva. O mundo interno dela entra em rebuliço, pulsa, foge do equilíbrio, e as coisa começam a rumar para caminhos absolutamente desconhecidos. Totalmente fora de controle está a situação, não existe mais razão, o universo parece conspirar contra, a fim de se chegar a um equilíbrio. Enquanto isso, um amor recente, e forte, também domina a mente dela, que talvez, em certo momento, tenha dito a ele: "por favor, assuma para mim, decida para mim, salve-me." Ai, ela não é mais dona de si. A decisão de matar não é simplória, é uma mistura de pós-drogas, com amor, com noites mal dormidas, com ódio. Um ódio pulsando ao mesmo tempo em que a ordem precisava ser restabelecida. Nesse caso ou era a menina, ou eram os pais: a menina escolheu viver, na lei da sobrevivência.

E a imprensa cai em cima, crucifica ela, diz que o pai era bom porque fazia de tudo e que a mãe havia perdido noites de sono por ela. Dizem que ela é ingrata porque "tinha tudo que queria". Encaram o problema dela como loucura, como insanidade, vêem-na como bicho, como se seus instintos mais primitivos tivessem controle, e no caso, isso não é bom. Assim, ela passa de mão em mão, de boca em boca, e de notícia a notícia ela vai perdendo a vida, vai perdendo os impulsos, vai se tornando um objeto de exemplo, onde pensar é muito perigoso. Expo-la em praça pública talvez seja um bom negócio.

Se olharmos hoje em dia, não veremos mais uma pessoa, veremos apenas um instrumento da mídia de controle popular, com seus direitos confiscados, e que não paga apenas pelo seu erro, mas paga por Ter resolvido ir além e questionar o inquestionável, mudar o imutável, enquanto eu aqui, a muito custo, tento justificar o injustificável. Se não consigo, deixo assim, talvez seja mesmo melhor deixar incompleto.
Luiz Antonio Ribeiro
03/06/06

Um comentário:

Anônimo disse...

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