29 julho 2008

ela, a colher, o feijão e eu

De frente para o fogão e de costas para mim a mulher cozinhava. O cabelo solto de tamanho médio recebia os respingos do óleo com simplicidade; enquanto que a blusa e a calça protegidas pelo avental lhe curvava as costas, dando-lhe um peso maior que poderia receber nessa idade. Era jovem e cozinhava para mim por prazer. Era ela e as panelas, três, uma de arroz, outra de feijão e uma frigideira que fritava um ovo. Com uma colher de pau ela mexia o feijão e lhe dedicava seu olhar, seu braço direito, sua paciência, sua atenção, mas não seu pensamento. Olhando para a panela e para o movimento do feijão começou imaginar, ainda intuitivamente, mas depois com quase certeza sobre como as coisas pareciam ter exatamente o tamanho que tinham. A colher de pau não entrava nem um milímetro onde devia estar o feijão e vice versa, mas mesmo assim os dois ainda estavam juntos.

Aquilo lhe veio como se houvesse descoberto um segredo, automaticamente se tornou inquieta, foi quando sentiu que seu corpo crescia, e se transbordava para fora dele, sentiu que ele estava já em outra direção, chegando quase na sala e sentando para ver televisão. Foi nesse momento que ela se esqueceu de mim.

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