Às vezes eu fico procurando objetos para descrever um sentimento, como se, na sua forma, a metáfora conseguisse esconder aquilo que sinto amorficamente. Por isso escrevo um conto cujo personagem principal é um anão, onde mostro uma sensação de fragilidade que me cerca; um outro sobre um homem q despenca na máquina de um matadouro, onde penso que, no fundo, quanto mais tempo sobreviver mais vou me aniquilando, ou seja, quanto mais me protejo, mais me afasto de mim; um outro num espaço quase todo em branco, onde eu valorizo cada pequeno gesto que recebo das pessoas, e os analiso e repasso na cabeça, tentando achar um valor ou uma verdade que nunca existe; e por fim, um onde as luzes da cidade se apagam todos os dias na mesma hora, onde peço ao mundo que participe da minha solidão.
É com essa conclusão que tento escrever agora e o problema disso é que perco um pouco da ingenuidade. Mas o sentimento que tenho para falar é tão bonito que vou ignorar o que eu acho do mundo, dos outros e da política, vou ignorar tudo o que existe, porque tudo que existe, existe para não existir, existe para que não existam.
O sentimento é sutil. É como um lençol: fino, aconchegante, acalentador, essencial. É como um sorriso: foge, escapa, vem e traz com ele uma coisa que nos faz esquecer que resto existe. É um sentimento cúmplice, como se ele tivesse assistido comigo um assassinado e fique de vigília, a noite inteira, deitado a beira da cama, esperando que algo aconteça. Ele me proteje. É como uma vela, um fósforo, um gol, a lembrança de um beijo, um curativo no joelho, uma flecha atirada, uma paixão por uma música, um pedaço de pizza, um telefonema de madrugada, um desencontro. Ele é como um amor, mas sem forma, um amor amorfo. Um amor-fo. É um sentimento tão caro e tão raro que ainda não encontrou matéria, mas resiste à tudo e vive tão escondido (e tão à mostra) que é bonito e patético, sem sentido mas cheio de histórias. É a história de um sentimento que resistiu á todas as metáforas, um sentimento que ainda não virou conto, não virou memória, não virou nada. Um sentimento que a gente preserva para sempre poder sentir.
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