23 outubro 2010

a invenção da fotografia




Jesus está na cruz. Está todo ensangüentado, uma parte por sangue novo que escorria e outra por sangue seco, coagulado das muitas horas que já estava lá. Ao contrário do que a Bíblia nos disse, ele não estava consciente. Depois de um tempo seus membros que doíam de uma forma nunca antes experimentada, que espetavam pelos pregos mal limpos cravados, começaram a formigar e ele, começou a ter a mente nebulosa.
Primeiro era só algo turvo, mas depois começou a ter visões, como se estivesse na experiência de alguma droga que muda sua percepção do espaço, do tempo, das pessoas e do mundo. Mais algum tempo depois, o formigamento chegou até as pernas, foi quando todo seu corpo parecia ter sido imerso numa banheira cheia de gelo. A partir desse momento, pouco ele sabia do que ali se passava, estava quase desmaiado, balbuciava palavras incongruentes e adentrara num estado de quase morte, meio desmaiado com uma respiração silenciosa.
Muitas pessoas assistiam. Maria e Madalena choravam, seus discípulos entristecidos oravam ao senhor na busca de alguma solução. Sentiam que seguiram seu rei por nada, que ele ali morreria e o mundo se mostraria outra vez injusto, matando os bons. Jesus havia dito que ele faria isso para salvar a todos na outra vida, mas alguns deles discordaram, disseram que vivo Jesus poderia salvar mais gente naquela vida também, porque quanto a outra tanto ele quanto Deus já estavam trabalhando. Judas não, este concordou com Jesus.
Acontece que dessa vez todos que assistiam, aproximadamente 2 mil pessoas, resolveram não ficar paradas olhando Jesus e os assaltantes morrerem para depois tira-los da cruz. Algum deles, talvez um verdadeiro Jesus, levantou e voz:
- Que tipo de gente somos nós que vemos nosso rei ser assassinado na cruz, julgado por nada e ficamos só olhando? Qual o direito que temos, depois de tudo que eles nos ensinou, de somente chorar? Qual o dever que temos por ele e por todos que ele pode salvar enquanto vivo? O livre arbítrio que ele mesmo nos deu deveria servir para que fizéssemos mudar os planos de Deus, porque ele não tem essa escolha: Deus segue os planos apenas dele mesmo sem poder mudar de idéia.
Assim convenceu duas ou três pessoas da sua idéia, mas que não se manifestaram de cara. Então ele correu até a cruz, postou-se de baixo dela e dizendo: “Viva, senhor, Viva!” começou a receber pingos de sangue em sua cara, enquanto tentava retirar algum dos pregos do pé de Jesus, depois achou que salvando os pés Jesus ficaria pendurado, então escalou a cruz abraçando ao Senhor para tentar livrar algum dos braços. O homem chorava, lá de cima bradou: “Como pode um homem fazer isso com outro?” Jesus balbuciou: “Madalena, você veio?”, mas nem o homem escutou, pois já ficava de pé por cima da cruz e fazia um discurso que pouca gente escutou, já que nesse momento o exército romano se aproximava para averiguar o rumor de levante popular. O homem já ia tirando algum dos pregos do braço direito de Jesus quando uma lança atingiu seu peito. Caiu morto em segundos, seu corpo ainda se prendeu junto ao de Jesus, mas foi retirado e jogado logo atrás dele, como exemplo para outro que tentasse a sorte.
Assim se deu. Um dos homens que assistia empolgado com o discurso daquele primeiro resolveu atacar um homem do exército, quando chegou próximo, o soldado tentou afasta-lo, mas ele correu e tocou o pé do Senhor, foi quando uma espada cortava sua cabeça que rolou morro abaixo. O corpo sem cabeça foi jogado junto ao do primeiro homem. Do povo, então, outro homem veio correndo e foi rapidamente abatido, e assim vieram em duplas, trios, até que um grupo de dez homens tentou salvar Jesus, que com a vista turva confundiu todo o movimento com uma alucinação. Atrás de Jesus havia uma pilha de corpos já. Não se podia mais aceitar aquilo e sucedeu que em meia hora uma pilha de corpos mutilados e ensangüentados acompanhava a crucificação de Jesus. Nem Maria nem Madalena se mexerem, permaneceram chorando e rezando, olhando para o céu e para Jesus, como vítimas de uma grande injustiça. Os discípulos haviam saído para almoçar e quando voltaram julgaram tarde demais para alguma coisa ser feita.
Passou o tempo e os guardas já se cansavam de matar homens que tentavam salvar o Senhor. Dois deles foram abatidos e seus corpos jogados junto da pilha. Jesus era acompanhado por mortos até sua canela e essa proporção só crescia. Assim que a rebelião acabou e quase mil e quinhentas pessoas havia sido morta pelo exército romano e jogada por detrás da cruz e depois que as outras quinhentas resolveu fugir, o exército se foi. Junto da cruz havia a mãe, a amiga de Jesus, dois soldados e cerca de cinco discípulos.
Jesus morreu sem silêncio. Julgaram ouvir alguma coisa, mas talvez fosse um lamento de algo dos corpos que talvez estivesse com vida. Era mais fácil que numa pilha de mil e quinhentos um houvesse sobrevivido do que imaginar que um homem por dias na cruz falasse.
As mulheres tiraram o Senhor da cruz e o limparam. Choraram por horas e o enterraram. Um dos soldados, que não era um muito feliz com essa profissão, lamentou não ter um aparelho que pudesse registrar a imagem de Jesus com a pilha de corpos no fundo. “Aposto que vão contar essa história diferente, aposto”, pensou. E foi assim que pela primeira vez alguém teve a idéia de inventar uma máquina fotográfica.

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