09 setembro 2010

metamorfoses

A releitura de “A metamorfose” que acabei de fazer me pediu que pensasse algumas coisas sobre o tema. Sofrer metamorfose é mudar fisicamente, ou de alguma maneira tornar-se outro. É possível que se pense em duas possibilidades: Ao sofrer metamorfose a gente se torna outro, ou melhor, mudando a forma muda alguma outra coisa? Não há, nesse caso, essa dialética entre forma e conteúdo, teoricamente nada muda internamente, somente algumas funções que se readaptam.
O primeiro que se torna o segundo, ao mesmo tempo que deixa de ser um tem a marca dele. Algo como um carimbo de alteridade, ele se relaciona e é analisado também a partir disso. É uma espécie de memória antiga, que quanto mais antiga se torna mais se distancia. Chega um ponto em que o primeiro se torna uma breve lembrança apenas e o segundo passa a ser e viver aquilo que é agora. No entanto, restos ficam, sequelas, marcas, rastros.
O próprio espaço se modifica. Uma vez acontecendo a metamorfose do corpo, todo o espaço também precisa se redefinir. Isso se dá gradativamente, a partir do ponto em que o outro começa a ser realmente o outro, quando a mudança física começa a se instalar em outras instâncias internas, até na constituição global, porque evito e não gostaria de dizer “na mente”, no psicológico desse segundo, mas é algo do tipo: assim que o outro se reconhece como tal, e assim que todo o resto também o reconhece, esse seu espaço também começa a se redefinir, a criar outras referências que outra vez deixam seus rastros e destroços.

Em “A metamorfose” há tudo isso. Gregor, no entanto, já era um distante da família, o único que trabalhava, que estava muito tempo fora, que sustentava todos e até acomodava uma rotina que dependia dele, mas que ele não compartilhava. A própria profissão de caixeiro-viajante exprime esse fato, ou seja, um homem que vai a lugarejos, cidades distantes levando produtos da cidade grande que lá não chegariam. Faz uma espécie de ligação de lugares díspares, coabitando os dois, vendo suas diferenças e, em algum nível, sem habitar nenhum daqueles mundos. Benjamin diz em “O narrador” (pg. 198) que narrador é alguém que vem de longe, alguém que transita pelos espaços e Gregor se torna esse homem em casa: ele traz o mundo externo, o dinheiro, as promessas de futuro, os trabalhos, para dentro da residência onde o pai já não trabalha, a irmã cultiva sonhos e a mãe mantém aquela falsa harmonia. Gregor já é um estranho nessa família e se tornar inseto é levar esse fato às últimas consequências. Ele conta o tempo, o avanço e a modernidade daquela casa. De certa forma, ele se torna aquela casa e o que ela é, fato que começa a mudar com a metamorfose, gerando uma espécie de caos íntimo e mais radicalmente após sua morte quando todos saem para um passeio, único momento externo do livro, única luz em uma obra soturna. Luz que repensa uma vida e depois de uma tragédia quase aponta uma esperança.
A metamorfose tem algo de material, externo, coletivo, social. Ela dramatiza, ou melhor, reencena de outro ponto as características quase estáticas de um mundo apocalíptico.

Um comentário:

Unknown disse...

A propósito terminei de ler este livro esta semana , me decepcionei , queria que ele voltasse a ser como antes, que voltasse a si e não que morresse em forma de barata.
Acho que preciso reler a obra novamente, com certeza.

Minha professora de português instrumental disse uma vez :
" o mal de vocês é que lêem sempre pensando no final da história, idealizando... perdem o melhor do autor."

Boa semana.
bjus