26 abril 2011

atravessar a rua

Por medo, atravessei a rua. Que fique claro que não atravessei a rua com medo. Estava austero, empinado, tal qual galo de briga, com o famoso peito de pombo ereto, mas atravessei...por medo.
Não si se faz diferença o “por medo” ou “com medo”, mas internamente, amigo, faz. Por exemplo, há um mendigo na esquina vindo em sua direção. Você não sente medo algum, mas atravessa a rua por medo. É quase como se o medo fosse conceitual, ao contrário do medo físico, iminente. O medo desvia da morte, mas também celebra a vida.
Atravessei a rua, então, por medo. Nesse momento havia somente eu, a rua e o medo, junto com minha ação de atravessar. Eu precisava acrescentar alguma coisa para fugir desse sentimento, então resolvi parar no meio da rua. Inteferir na vida, interromper o mundo. Não quis nem avisar aos outros o que faria. Odeio suicidas que escrevem cartas. O sujeito se mata e ainda deixa rabo, deixa rastro. Se mata e ainda chateia os outros, mais que o protocolo de enterros, velórios, funerais, missas, lágrimas. Se eu morresse agora, pensei, seria uma chateação, mas já não posso voltar atrás para a calçada por conta do medo e não posso ficar na rua para não ser chato. Resta-me o outro lado, então vou.
Agora que saí do trânsito, percebi que a rua estava deserta e interrompi apenas um carro que acabara de sair da garagem. O carro abre o vidro: “Tudo bem, vizinho?” “Tô bem, tô bem.”, e ele vai. A garagem ainda permanece aberta. Entrei.

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