20 agosto 2012

pequeno brasil


Estavam a direita e a esquerda conversando em um bar. Ambos reconheciam que tais termos eram por demais exagerados para os dias de hoje, mas evitavam falar disso para não cair em conceitualismos abstratos. Comentavam juntos sobre a participação do Brasil no encerramento das Olimpíadas, mas o assunto podia ser qualquer outro.


- Não é possível, cara! Não é possível que o Brasil se veja com olhos que são tão estrangeiros a si próprios. Que ele não consiga fazer uma tradução daquilo que lhe é mais importante, tanto economicamente, tanto politicamente. O Brasil precisa parar de se ver como um estado que concentra o pensamento de si baseado naquilo que o outro viu, vê e verá. Ele não pode se pensar pelo olho do outro.

- E mais do que isso! O Brasil não pode eternamente repetir a carta de Pero Vaz de Caminha em que a terra é boa e “onde tudo que planta dá” e o povo é dócil e as matas são infinitas e os rios mais limpos e mais coloridos e o céu é mais azul. Não dá pra gente ser o paraíso que os outros dizem que somos porque o paraíso é um lugar estático, que não pode se transformar, ele precisa ser eternamente estável para que seja paraíso. O paraíso que muda é o paraíso caído. E essa ideia de que o Brasil não pode mudar é exatamente a ideia de alguém que quer explorar o Brasil, mudando-o pra ser sempre o mesmo.

- Sempre o mesmo, mas nunca o mesmo. O dinheiro entra, o Brasil cresce, se desenvolve, se educa, se industrializa, mas o que se vê ainda é bunda, teta...quando se quer amenizar, se mostra bunda e teta em mulheres vestidas de índio e homens descamisados como se estivessem indo para a caça, mas a imagem a sempre é a mesma: pornografia disfarçada em alegria e gentileza. O Brasil não fica vendo bunda, fica vendendo bunda.

- Por fim, colocam a Marisa Monte. O ícone cool da zona sul carioca pra cantar Vila-Lobos, vestida de Iemanjá pra tentar dizer que tudo aquilo faz parte de nossa cultura, de nossa africanização simbiótica com o aportuguesamento. Nada disso é verdade. A Marisa Monte é branca e representa só a elite branca, assim como Vila-Lobos, e a imagem de Iemanjá, absolutamente esterilizada, serve apenas de contexto, de pano de fundo pra expor um exotismo que quer ser vendido.

- A Marisa Monte ali representou tudo que poderia haver de pior.

- E no Brasil, quem deveria tocar? Michel Teló.

- Talvez seja melhor do que repetir eternamente “Ela é carioca...ela é carioca...”
 
- Talvez.
 
- O Brasil é uma armadilha. É impossível pensar nele sem automaticamente cair em uma de suas armadilhas. O que há de melhor é instável e o que é estável nos parece tão europeu. 

- A antropofogia é uma saída?
 
- Não sei. Acho que precisamos supera-la.

Aí, como em todo bar o assunto se desvia para alguma coisa mais banal. E o Brasil ainda continua tentando e não conseguindo ser pensado de maneira apropriada. Mas algo avança...é o que parece.

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