Estavam a direita e
a esquerda conversando em um bar. Ambos reconheciam que tais termos
eram por demais exagerados para os dias de hoje, mas evitavam falar
disso para não cair em conceitualismos abstratos. Comentavam juntos
sobre a participação do Brasil no encerramento das Olimpíadas, mas
o assunto podia ser qualquer outro.
- Não é possível,
cara! Não é possível que o Brasil se veja com olhos que são tão
estrangeiros a si próprios. Que ele não consiga fazer uma tradução
daquilo que lhe é mais importante, tanto economicamente, tanto
politicamente. O Brasil precisa parar de se ver como um estado que
concentra o pensamento de si baseado naquilo que o outro viu, vê e
verá. Ele não pode se pensar pelo olho do outro.
- E mais do que isso!
O Brasil não pode eternamente repetir a carta de Pero Vaz de Caminha
em que a terra é boa e “onde tudo que planta dá” e o povo é
dócil e as matas são infinitas e os rios mais limpos e mais
coloridos e o céu é mais azul. Não dá pra gente ser o paraíso
que os outros dizem que somos porque o paraíso é um lugar estático,
que não pode se transformar, ele precisa ser eternamente estável
para que seja paraíso. O paraíso que muda é o paraíso caído. E
essa ideia de que o Brasil não pode mudar é exatamente a ideia de
alguém que quer explorar o Brasil, mudando-o pra ser sempre o mesmo.
- Sempre o mesmo, mas
nunca o mesmo. O dinheiro entra, o Brasil cresce, se desenvolve, se
educa, se industrializa, mas o que se vê ainda é bunda,
teta...quando se quer amenizar, se mostra bunda e teta em mulheres
vestidas de índio e homens descamisados como se estivessem indo para
a caça, mas a imagem a sempre é a mesma: pornografia disfarçada em
alegria e gentileza. O Brasil não fica vendo bunda, fica vendendo
bunda.
- Por fim, colocam a
Marisa Monte. O ícone cool da zona sul carioca pra cantar
Vila-Lobos, vestida de Iemanjá pra tentar dizer que tudo aquilo faz
parte de nossa cultura, de nossa africanização simbiótica com o
aportuguesamento. Nada disso é verdade. A Marisa Monte é branca e
representa só a elite branca, assim como Vila-Lobos, e a imagem de
Iemanjá, absolutamente esterilizada, serve apenas de contexto, de
pano de fundo pra expor um exotismo que quer ser vendido.
- A Marisa Monte ali
representou tudo que poderia haver de pior.
- E no Brasil, quem
deveria tocar? Michel Teló.
- Talvez seja melhor
do que repetir eternamente “Ela é carioca...ela é carioca...”
- Talvez.
- O Brasil é uma
armadilha. É impossível pensar nele sem automaticamente cair em uma
de suas armadilhas. O que há de melhor é instável e o que é
estável nos parece tão europeu.
- A antropofogia é
uma saída?
- Não sei. Acho que
precisamos supera-la.
Aí, como em todo
bar o assunto se desvia para alguma coisa mais banal. E o Brasil
ainda continua tentando e não conseguindo ser pensado de maneira
apropriada. Mas algo avança...é o que parece.
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