Não tira da cabeça
a lembrança dos olhos dela, mas até quando? Não repara, e acha até
que já falou com ela na profundidade desse olhar. Não acha que olhares devem ser fundos e te buscarem pra dentro, prefere que o olhar seja exatamente como o dela: profundo, mas que
pulsa pro lado de fora, cheio de vida, graça e encanto. Aos poucos,
no entanto, a lembrança do olhar vai se esvaindo e ficando apenas
aquilo que lembra de ter visto e na semi-vontade de reve-lo mesmo que
agora já sem tantos motivos.
Não tem interesse
por encontros furtivos ou desencontros espetaculares porque baseou
toda sua vida na ideia da preguiça, da sinceridade, da paz e da
cumplicidade. O jogo do time num domingo a tarde é um dos anseios
mais altos, assim como as tardes dedilhando músicas repetidas, ou
lendo livros, brincando com o gato ou simplesmente vendo a vida
passar. As coisas que escreve nunca as faz pra conquistar ou comover
ninguém: usar um talento pra qualquer tipo de conquista é um ato
covarde de vandalismo com a possibilidade de sentimento do outro. A
arte deve ser a manifestação mais profunda (e cheia de vida, de
graça e encanto como o olhar dela, mas acho que isso já ficou
claro) de uma retidão de caráter, de uma gentileza para si e para o
outro e uma forma de reencantar mundo.
O mundo que parece
tão frágil e seco deve ser reencantado por aqueles que tenham
talento e possibilidade para tal. Quando vê alguém que usa da arte
para seduzir, como em uma banda, numa canção ou arte, uma
pose ou poesia percebe na hora a violência do gesto. Entristece e
quase desiste de escrever novamente. Não o faz.
Acontece que aos
poucos a lembrança do olhar dela vai de desfazendo como uma chuva de
verão, um pombo atropelado no asfalto quente, uma foto que amarela
na estante. Não lamenta. A vida é assim, a vida é doce e está
tudo bem. Seu time melhora, sua cerveja continua quietinha, a
preguiça lhe faz companhia e os livros ainda lhe fazem viajar.
Quando a vida expõe suas pequenas tragédias, dá um sorriso e
entende que é assim que tem que ser. O gosto de experimentar as
nuances da vida é sempre bom. Ele não pode fazer nada em relação
à nada e, no fundo, ele sabe...nem ela.
2 comentários:
Lindo lindo lindo... estou comentando, hihi! :)
o-bri-ga-do.
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