04 fevereiro 2013

O Lado Bom da Vida (2012)


Uma coisa que sempre me fascinou, e acho que sempre fascinará, é uma tendência natural que algumas pessoas tem de serem hereges. A heresia é interessante porque dessacraliza os conceitos, assim como Nietzsche propõe que deveria acontecer com as metáforas criativas que se cristalizam em verdades. A arte pra ele é o lugar da potência desse desarranjo conceitual, pra mim é o lugar da heresia.
O que se tem visto em arte, principalmente no cinema comercial, é a incapacidade de desvinculação das formas estabelecidas e da violentíssima máquina publicitária das grandes empresas de venda de ideais de consumo. Ao mesmo tempo, aqueles que não querem se integrar a essa máquina ou se afastam da arte pela completa incapacidade de realizar suas obras ou então passam a vida batendo cabeça na parede em busca de um lugar, pequeno que seja, nos meios de produção artística.
Algumas obras, no entanto, pegam uma tangente e de dentro do sistema fazem um filme à lá sistema, com uma eficácia tremenda, mas que, se olharmos atentamente, vamos perceber que por dentro da obra percorre um espírito crítico, irônico, debochado, desviante e, por fim, herético. É o que se pode ver em “O Lado Bom da Vida” de David O. Russell, candidato ao Oscar de Melhor Filme em 2013. A trama gira em torno de Pat (Bradley Cooper) , um rapaz que acaba de sair de um manicômio e quer retomar seu casamento, e Tiffany (Jennifer Lawrence), uma ninfomaníaca que acaba de perder o marido. O filme parece compor um pano de fundo violentamente dramático, de um rapaz que não controla os ímpetos destrutivos e, por isso, entra em embates com seu pai (Robert De Niro) , também violento e viciado em aposta em jogos. Entretanto, aos poucos, pela composição do desenrolar da história e da localização dos fatos, toda a tensão vai se desfazendo em uma divertida comédia de costumes, com eventos de situações confusas, de transformações repentinas dos estados das personagens, mostrando como a tensão se desfaz na medida em que se olha um bocado mais para dentro de cada um, ou seja, conhecer cada figura é criar empatia, afeto, carinho por cada uma delas.
O desfecho que nos remete ao também excelente filme de 2006 “Pequena Miss Sunshine” (Jonathan Dayton e Valerie Faris) é o ponto alto que garante ao filme um fresco, fazendo-o merecedor estar entre os concorrentes ao Oscar. “O Lado Bom da Vida” talvez não seja o melhor filme dentro os candidatos, nem o mais celebrado, mas se eu fosse recomendar algum, pensando em qual seria o melhor custo benefício entre entretenimento, reflexão e afeto, seria ele.

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