20 maio 2008

sigismundo antes

Sentado de frente para um campo aberto, que culminaria num rio lá embaixo, estava o Clarim que vestia calça e camisa pretas, justas e gastas, que mais pareciam pijamas. Olhava Rosaura que atrás de uma grande árvore mudava de roupa: primeiro jogara a longa saia para o lado, depois a blusa e agora ao terminar de apertar a cinta, buscava numa sacola umas roupas. Eram pretas também. Uma calça e um casaco que contrastavam com a camisa branca que botara por baixo. Agora amarrou os sapatos, vestiu um cinto e saiu de trás da árvore dizendo a Clarim: “E por quê você não se vestiu?”

  • Porque eu só me visto quando me mandam me vestir, como minha senhora não mandou que eu me vestisse, eu não me vesti. Por acaso, o senhor a viu?

Rosaura riu largamente, dizendo a Clarim que era ela que ali estava, não havia homem nenhum e que ela assim se vestira porque tinha uma missão. O gracioso com cara curiosa disse dando de ombros: “ói, então eu sirvo um que é dois.”, levantando-se e indo ele para trás da árvore se arrumar.

Por cima da calça preta vestiu uma xadrez colorida de verde e vermelho que por estar curta e ele estar sem meias, tinha um toque cômico, pois o fazia andar curvado. O longo casaco que vestia e cobria a calça quase que até nos joelhos era também da mesma cor e tinha botões amarelos. Depois de tudo ainda vestiu um cinto vermelho, que ajustava a casaca na cintura e um chapéu bege com uma longa pena laranja. “Estou pronto”, disse empunhando uma espada de madeira, ao mesmo tempo que Rosaura, travestida, guardava na cintura uma espada dourada e brilhante.

Iam os dois a andar, sempre com um cantil de água na mão. Rosaura um pouco desajeitada por não saber andar tal qual homem levava constantemente a mão à barriga e à espada ajeitando-se dentro do paletó. Clarim possuía uma leveza no andar e no olhar que o faziam, apesar de ir sempre atrás de sua ama, parecer mais livre, mais dono de seu destino, o que era estranho, uma vez que seus rumos estavam subordinado ao de sua patroa. Ele ia à frente, apesar de ir atrás.

Ao chegar próxima ao rio já falado, Clarim ultrapassa sua dona e começa a correr até chegar a água, Num ímpeto de alegria, vira uma ou duas cambalhotas e pára justamente a alguns centímetros da água, rindo alto, feliz. Cata um graveto e começa a fazer uma redemoinho num canto logo à margem do lago, espantando os peixes que por ali passavam. Rosaura que chega poucos instantes depois não consegue deixar de sorrir, apesar de ter um fundo olhar de preocupação, olhar que Clarim não consegue deixar de reparar:

  • Oi. Se você tá assim, com essa roupa e com essa cara, é porque não deve estar nada bom, né?

  • Ruim não está, mas pode mudar também.

Nesse instante, aparece por cima deles um enorme trenó sendo carregado por dois cavalos brancos. Clarim segura Rosaura pela mão e a leva correndo atabalhoadamente para dentro do carro, não conseguindo evitar de reparar na beleza dourada dele. Com os dois bem acomodados e um pouco nervosos, os cavalos começam a andar pela relva e pouco depois o trenó começa a levantar vôo subindo e subindo. Cada vez mais alto, chega até uma nuvem, a única que tinha naquele céu da tarde da mais bela daquela primavera. Aos poucos bem aos poucos, ele vai se tornando menor e menor até desaparecer por completo no imenso azul claro do céu, que de imóvel nos traz somente um som: o de uma risada já longínqua de Clarim.

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