Por cima da cabeça das pessoas que seguiam caminho consegui ver melhor tudo que se passava. Era dia comum, evidente que se devia comemorar alguma coisa nele, pois sempre se faz, como o dia do padeiro, ou o dia da empregada doméstica, ou até do contabilista, mas não importa porque apesar de dia comum parecia ser dia de procissão. Chovia e todos desciam à praça. Parecia o melhor caminho já que era uma íngreme descida que levava até o círculo onde havia uma fonte que ligada lutava contra a ordem dos céus e jorrava água para o alto. Era por volta de 8 da manhã, creio eu, havia acabado de sair da casa dela e ao descer via as pessoas irem ao trabalho e seguirem seus caminhos, embora estivesse apenas indo para casa, para ter a noite de sono que havia perdido com ela. Marcella, com dois ll. Em algum momento da noite despido ao seu lado, gostaria de dizer pelado, mas estava despido, pois estar pelado é estar desprotegido e com ela estava mais em casa que o normal, resolvi dizer algumas das coisas que sentia, alguma coisa brega que acompanhava a música que tocava do computador ligado. Impressionei-me com minha capacidade de juntar letras aqui e ali, disse-lhe coisas tão bonitas que gostaria de ter decorado, achei-me inteligente, mas ela não, foi muito mais do que eu esperava, levantou-se, sentou no computador aumentou a música e voltou correndo, pulou ao meu lado na cama, deu-me um beijo e sorriu dizendo: “eu sei.”, e levantou de novo e foi correndo até a cozinha de onde trouxe uma bandeja com coca-cola, pães e requeijão. Ficamos ali a comer, a falar das coisas engraçadas da vida, percebi que não era para se falar de sentimentos, não precisava. Ali eu soube que poderia estar apaixonado.
Agora, enquanto descia até à praça percebi que havia vivido um dos melhores momentos de minha vida e agora já tinha que encarar a vida normal, pessoas a andar com o olhar triste, o cansaço habitual do cotidiano, o desviar de meninos de rua, ou moleques, ou até adultos de rua, cada vez mais raivosos, pois não conheciam Marcella, seriam incapazes de amar. Cheguei até o chafariz, molhado, e fiquei observando como a água que caía empurrava a que deveria subir mais para baixo, foi a última coisa que pensei naquele dia, o resto dele foi só saudade. Aquele dia já passou, mas até hoje é assim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário