31 março 2009

o outro.

Ele passava o dia olhando. Não importa o que se estivesse fazendo, lá estaria ele atento e com os olhos voltados para a ação. Não interrompia não, não gostava, ou não se sentia a vontade quando alguma coisa mudava por sua interferência. Simplesmente deixava que as coisas fluíssem por seu próprio caminho.
Quando estava num bar com alguém perguntava pouco, mas pensava muito antes de cada uma das perguntas, de modo a fazer a resposta ser a mais longa possível, e olhava, olhava, até se ter alguma coisa para olhar, depois ia embora. Quando falava dele, falava indo embora, ou falava só para deixar a pessoa mais a vontade de falar mais dela. O máximo que pudesse, como disse, quando não tinha mais o que olhar, ia embora.
Quando estava no cinema, olhava para a tela como se tivesse vendo o globo terrestre, via mais do que nunca. Quando via futebol, se mexia o mínimo, mas o rosto era expressivo, mais do que qualquer rosto que havia visto na vida, porque ele sabia olhar, sabia como olhar, e entendi como aquilo tudo podia mudar em segundos, dependendo do jeito que lá dentro os outros olhassem.
Quando às vezes, melancólico, queria fazer mais coisas na vida, percebia que não podia porque enquanto alguns aprenderam a sorrir, a interagir, a mentir, a comer, a beber e a viver, ele estivera todo o tempo fazendo a mais singela das coisas, talvez a mais generosa e a mais encantadora, ele perdera grande parte da sua vida aprendendo que para ele, viver não era estar por aí, viver era olhar.

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