Ontem assisti ao documentário “Juízo” com minha namorada que faz direito. ‘Juízo acompanha a trajetória de jovens com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e o do julgamento por roubo, tráfico, homicídio.’ É interessante assistir um filme desses com alguém de uma área diferente da sua e perceber que as visões não são tão diferentes assim. Fica naquele papo de que todo mundo sabe dos problemas, todo mundo sabe das soluções, mas a máquina do estado, do capital, de toda essa burocracia institucionalizada não torna possível que nada mude.
Destaco do filme o papel da juíza que funcionava como uma espécie de advogado do diabo, ou seja, apontava o lado bom das coisas, não para que tudo melhorasse, mas principalmente para humilhar o coitado do delinqüente. A perspectiva dela, de quem teve uma boa família, condições de estudar em lugares bacanas e pintar o cabelo de loiro em salões caros, dando a ela um aspecto de advogada de filme pornô, não permite perceber que aquele sujeito de 16 anos não tem nada na vida dele pra prezar. A relação dele com a família, com Deus, com a escola, com os amigos não é por afeto, é uma relação de dependência, de submissão e lutas de poder. Ele só conhece o mundo por micro-lutas de poder, e assim, num determinado momento usa isso contra aqueles que sempre lhe massacraram, claro, de maneira errada que merece punição. É ruim ver que um rapaz que nunca teve seus direitos preservados tenha que pagar pelos erros que cometeu: quem não conhece os direitos, não pode valorizar os deveres.
O documentário acaba por ser um “mais do mesmo”. Tudo que já se viu sendo repetido, torcendo para que na reiteração se veja o absurdo e assim sendo, alguma coisa possa acontecer. Ok, não acredito nisso, pouca gente ali na exibição estava com vontade de debater o assunto: a maioria estava atrás de horas complementares, outras, sei lá porquê. A verdade é que hoje em dia não há nada que nos motive realmente.
4 comentários:
Gosto muito desse filme, assisti algumas vezes. Essa juíza é a personagem mais controversa, parece que é de mentira.
Essa juíza é de verdade, e pelo que me conste foi escondida numa vara num desses municípios pequenos. É lamentável que juízes assim se formem somente pelo status, para exibir as bolsas louis vuitton e dar carteiradas, e não por amor à justiça. Há muita controvérsia do que seja justiça, e acho que ela não existe da prática, existem as convenções. Mas discordo de você quando você diz que as pessoas com pouco acesso à cultura pensam de maneira mais simples e são mais limitadas. Minha família por parte de mãe é bem humilde, lavradores numa micro cidade do interior do nordeste, mas muitos são infinitamente mais sábios que eu, em especial meu bisavô. As pessoas mais simples, me parece, apenas não articulam bem seus pensamentos, mas pensam/filosofam como todos nós, afinal, quantos colegas nossos que passaram pela nossa vida e tiveram a mesma educação que nós não se interessam por nada? Conheci pessoas brilhantes, com muito potencial, que foram estimuladas desde cedo no colégio e fizeram um mega faculdade pública de engenharia e utilizam tanto cérebro somente para ganhar bastante dinheiro em bancos suíços. Em "Teoria e estéticas da imagem" o professor recomendou um quadrinho chamado "Maus", o link está no site da turma, fiquei com a sensação de que a humana não tem jeito mesmo e de maus somos todos...independente de classe social ou cultural.
Mas eu não falei que as pessoas com poucoa cesso a cultura não articulam pensamentos.
Eu falei que elas não podem ser julgadas por uma coisa se os direitos básicos delas não foram respeitados. Se elas não tem acesso às leis, não podem ser julgadas por elas. Apesar de saber que matar é errado, roubar é errado, se elas não o fizessem seria por medo, talvez de deus, ou por respeito a uma familia que talvez tivessem, nunca porque fazem parte de uma sociedade que lhes é par e lhes compartilha experiencias.
Eu impliquei com essa frase, da continuação: "Então, uma pessoa com pouco vocabulário, há de ser uma pessoa mais simples, rústica e óbvia, enquanto que uma pessoa com vasto conhecimento pode ser mais complexa, cheia de nuances e subterfúgios."
Não me lembro mais o nome do princípio, mas sua namorada deve saber, no Direito existe isso de que ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la. Pode parecer paradoxal, mas tem toda uma explicação filosófica pra isso, que a essa hora da madrugada eu não lembro. Mas o fato é que as leis são feitas justamente para marginalizar, e não para incluir. Um juiz é alguém que serve ao sistema, são raros os casos de utilização da lei para incluir de fato. A lei não tem essa margem de olhar o outro, lei é lei, "dura lex, sede lex", a lei é dura, mas é a lei.
O textinho que te dei hoje foi uma notícia que recebi por email, falando da nova gestão da Corregedoria do CNJ, o texto fala de uma atuação mais humanista dos juízes, pelo menos estão partindo de um bom ponto. O CNJ é uma instituição bem interessante, mas como tudo que é humano, pode ser usada para o bem ou para o mal.
Melhor ler Kafka mesmo...
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