A sala da minha casa é de decoração absolutamente clean, sabe? Resolvi que teria o mínimo possível lá dentro, por isso pedi que botasse um janelão, o maior que pudesse, para aumentar a vista, aumentar a cortina, mas economizar em móveis e quadros. No chão um grande tapete bege, com muitos pelos pra ficar bem macio e também poder servir de refúgio, um sofá bege, um banco bege com rodinhas, na frente um rack, com a televisão e os aparelhos da época, uma mesa com tampão de vidro, umas revistas, uma parede roxa, só uma e um quadro nela, que preferi que fosse abstrato para que não tivesse nenhuma referência. De nada nem de ninguém.
Agora eles passaram pelo corredor, eu consigo ouvir os passos.
Escolhi praquele lugar de passagem tudo muito simples, um piso que fosse silencioso, uma pequena mesa para botar o telefone, sempre bom ter telefone no corredor, facilita os contatos. No teto um grande lustre caríssimo que consegui num antiquário que cobra tudo mais caro ainda, portanto esse caríssimo saiu baratíssimo, sabe como é, né? Num perco uma liquidação.
É um homem carregando um corpo de mulher.
Então, eu moro com um casal, sabe? Eles se amam muito, dormem no último quarto, o maior e mais bonito que eu mesma decorei. Ele é lindo, tem uma cama gigante com o melhor colchão da cidade, tem um tapete que eu gostaria de morar se fosse possível, tem uma balcão maravilhoso onde fica o computador dele, e na gaveta que ficam os segredos, as fotos escondidas que nunca poderiam aparecer. Tem também a arma dele. Isso só pude ver um dia, quando visitava minha amiga que mora em frente e da janela dela, vi a imensa janela daqui e ele estava com a arma apontada para seu próprio rosto. Ele parecia cego.
Tem sangue por todo o corredor.
Uma vez eles já brigaram, isso sempre acontece. Se não morrer ninguém para mim está bom, também porque não deveria estar? Eu moro aqui de favor, devo aceitar tudo que eles me dizem. Eu até aceito. O problema dessas brigas é que me tranco aqui, para não atrapalhar, para não virar testemunha nem cumplice de nada, porque é sempre assim, é só ouvir uma palavrinha que logo depois vem um de cada vez pedir conselhos, pedir que eu intervenha e dê pitacos. Deve ter sido uma queda, só isso. Ele não faria nada, e ela não teria se feito nada.
Ele bate na minha porta.
Muitas vezes, durante a noite ele bateu aqui. Queria alguma coisa, mas parecia perdido, depois de muito tempo descobri que ele era sonâmbulo e esse quarto era onde morava sua mãe, então ele quando pequeno corria até ele para se socorrer, era um espécie de abrigo, por isso ele tantas vezes bateu aqui, é por isso, claro, ela me explicou.
Abro a porta e ele está com a arma apontada para mim. Grito também, o que você fez com ela? O que você fez? Eu não tenho nada a ver com isso. Com a arma ele me empurra para a cama, eu paro de gritar.
Em alguns minutos ela foi estuprada, morta e jogada pela janela, a outra lá também. Ele disse que amava as duas antes de mata-las, acendeu um cigarro, cuspiu na pia, viu que saía sangue e se lembrou que era tuberculoso. Foi para a rua com a arma na mão e entregou ao primeiro mendigo que encontrou. Essa noite o mendigo compraria drogas e ficaria doidão, então chamou os amigos que viviam com ele na rua para uma festinha especial. Estava muito feliz, muito feliz.
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