Um anão, por detrás da porta, tentava olhar para a fechadura. Imaginava o que haveria do outro lado, se era uma mulher que tomava banho, ou um homem que contava dinheiro, podia até ser um quarto vazio, chegava a pensar, entretanto continuava ali de pé, pois parecia ter ouvido um barulho vindo de lá poucos instantes atrás. Foi até a sala, adjacente ao quarto onde estava e pegou um banco para assim poder alcançar o bendito buraco. Quando postou ali o banco e subiu, foi que se deu conta que a porta estava aberta, pois algo tremera lá de dentro, mas já não havia tempo, um homem abriu-a com violência, tinha ódio nos olhos e uma veia saltava da testa. O anão, que por sinal era negro, tombou ao chão junto com o banco batendo com a nuca que no impacto fez um barulho oco. Já o homem enfurecido não quis saber da intromissão do pequeno, pelo contrário, saiu esbravejando porta à fora gritando nomes e palavrões e foi ouvido desde o bater de cada porta até o arrancar do carro, alguns minutos depois.
Com muitas dores o anão se levantou ainda tonto, desnorteado, com as pequenas mãos ajeitou o banco num canto, limpou a roupa que havia se sujado de poeira e com a cabeça baixa, meio de dor, meio de vergonha, entrou no recinto. Era um quarto comum, com uma cama, uma grande janela e uma cômoda. Junto à cômoda estava uma senhora de meia idade, loira e maquiada demais com as mãos dispostas no rosto. Chorava ruidosamente e com os calcanhares chutava os pés da cadeira que sentava. O anão esboçou falar: ‘A senhora...’ Mas foi quando ela aumentou mais o volume do choro, apagando o som que ele havia tentado proferir da garganta que só agora percebia que estava demasiado seca, por isso teve de pigarrear, chamando atenção da senhora que só agora lhe havia olhado. Baixou os olhos, pois ainda não havia pensado no que dizer, o que fez com que a senhora voltasse a chorar, agora se levantando e indo até a janela. Ele foi até junto da e mais ou menos da altura dos seus joelhos disse:
A senhora está bem?
Estou como estou, o senhor está vendo.
Lamento.
E ele está indo, veja! O carro já quase desaparece no horizonte.
Não posso ver, senhora. Não posso ver.
, disse baixando novamente os olhos. Ela balançou a cabeça, secou os olhos e dizendo ‘o que importa?!’ se virou de costas saindo da sala. Do banheiro, que provavelmente era ao lado desse quarto disse algo que o anão não conseguiu ouvir. Este então saiu do quarto, pegou o banco com as mãos para colocar onde tirara, quando foi interpelado pela senhora que dizia ‘vamos, estou saindo’, assim balançou a cabeça, largou o bancou e acompanhou-a pelas escadas que descia tropegamente, só agora percebendo que sentia pontadas na nuca e também no topo da cabeça. Impressionava-se com a velocidade com que a senhora fazia essa atividade, assim duplicou sua velocidade, tentando atingir o andar térreo antes dela ou junto dela, o que conseguiu não sem esforço, pois lá embaixo chegou ofegante e bastante molhado de suor fazendo-lhe a testa brilhar, enquanto que a senhora se mantinha religiosamente maquiada e bela. Antes de a senhora bater a porta, o anão ainda deu uma olhada para dentro e conseguiu ver uma menina jovem e uma empregada que saíam de um quarto de porta vermelha que não havia reparado quanto estivera lá dentro.
Dentro do carro tentou fazer algumas perguntas para a senhora, mas além da caixa de som do rádio que estava numa altura insuportável ficar logo ao lado de sua cabeça, o cinto de segurança lhe incomodava por demais, pois roçava em seu pescoço e começava a deixar uma grande vermelhidão que só ele reparava, pois a cor negra esconde dessas coisas. Foi quando já estava preste a num impulso chegar até o botão do volume do rádio, que viu a senhora dar a seta e entrar na garagem de uma igreja. Antes mesmo de sair do carro já foi recebida por um padre, branco de testa grande e pontuda, que lhe sorria com grande parte do rosto.
A que lhe devo a honra, senhora?
Meu marido, padre, de novo.
Os amores são assim, senhora, os casamentos também, muitas vezes são essas discussões que fazem a paixão.
Mas eu não sei, ele me tira do sério, me tira tudo, padre.
Foi só quando o padre chegava do lado dela que viu o anão tentando se desvencilhar do cinto de segurança, ainda dentro do carro.
Quem é esse...rapaz?
Ele me acompanhou até aqui, sozinha eu não teria conseguido.
Entendo.
O anão então saiu do carro, olhou para a senhora e para o padre. Não conseguiu muito bem ver o rosto dos dois, pois o sol vinha de cima e lhe ofuscava as cores fazendo-o lacrimejar.
Já que a senhora está entregue, acho que devo me retirar.
Mas já? O senhor foi tão prestativo, me ajudou tanto.
Foi um prazer, senhora. Além do mais, a senhora está acompanhada de um homem de Deus.
Tem razão, senhor, tem razão.
Pediu a benção ao padre, fez sinal com a cabeça para a mulher e se virou de costas, andando na direção da estrada. Ouviu ainda a senhora gritar ‘o que o senhor queria lá em casa, afinal?’, virou a cabeça disse que qualquer hora voltava e continuou seu caminho.
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