"Ele deve ter uma aparência completamente diferente quando vem á aldeia, outra quando a deixa, outra ainda antes de ter bebido cerveja, outra depois, outra acordado, outra dormindo, outra sozinho, outra durante uma conversa e, o que é compreensível, quase inteiramente outra lá em cima do castelo." Franz Kafka
Um homem corre por uma calçada. Tem pressa, usa uma mochila e está suado, só isso que se pode dizer. Passa por um muro coberto por uma relva rasteira e algumas flores como adorno. Faz sol e a corrida é extenuante, tanto que para o homem que está acima do peso parece não ter fim.
Alguns passos a frente, avista uma pequeno galho que cresceu mais que os outros e expôs uma flor em seu caminho. O homem passa por ela e dá-lhe um tapa. A flor cai e sua mão fica junto. Ele interrompe a corrida no ato afim de tentar recuperar sua mão, mas não é possível: ela está inseparavelmente colada à flor.
Ainda com pressa, pois não pode atrasar para seu compromisso, pega com a outra mão a flor e a mão do chão e carrega junto consigo. Estanca mais alguns passos e guarda ambas na mochila.
Do outro lado da rua, havia três testemunhas do ocorrido. Dois homens e uma mulher que não se furtaram de emitir opiniões a respeito do ocorrido. “Uma lástima”, disse um, “não se fazem mais mãos como antigamente. Hoje em dia tudo é descartável.” “Pobre homem”, emendou o outro, “porque aquela flor foi se meter justamente entre ele e seu caminho? Ele andava tão apressado, deveria estar indo resolver algo muito grave. Um caso de vida ou morte.” “É bem feito”, disse a mulher, “quem maltrata a natureza devia ser preso, perder a mão, o braço, para aprender. Foi um exemplo para nossas crianças.”
Acontece que os três se despediram e propagaram a história para mais pessoas. A mão que caiu parece significar agora tantas coisas e ter tantas possibilidades que o próprio ato da queda da mão com a flor em si parece ter se perdido. Ninguém atentou que o homem que perdeu a mão pode ter ganhado uma flor. Ninguém pensou que aquela flor podia ser útil porque ele estava atrasado para um encontro com sua namorada.
Não se pensou no homem, não se pensou na flor, muito menos na mão, mas somente que aquilo era alguma outra coisa. E era. O homem, logo ao dobrar a esquina, abriu a mochila pegou sua mão e colocou de volta no lugar. Com um sorriso no rosto teve todo cuidado para não expor as muitas cartas que estavam escondidas por detrás de sua manga e a pressa toda era que, infelizmente, uma criança provavelmente ia ficar sem mágicas em seu aniversário.
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