20 agosto 2012

667

Não tira da cabeça a lembrança dos olhos dela, mas até quando? Não repara, e acha até que já falou com ela na profundidade desse olhar. Não acha que olhares devem ser fundos e te buscarem pra dentro, prefere que o olhar seja exatamente como o dela: profundo, mas que pulsa pro lado de fora, cheio de vida, graça e encanto. Aos poucos, no entanto, a lembrança do olhar vai se esvaindo e ficando apenas aquilo que lembra de ter visto e na semi-vontade de reve-lo mesmo que agora já sem tantos motivos.
Não tem interesse por encontros furtivos ou desencontros espetaculares porque baseou toda sua vida na ideia da preguiça, da sinceridade, da paz e da cumplicidade. O jogo do time num domingo a tarde é um dos anseios mais altos, assim como as tardes dedilhando músicas repetidas, ou lendo livros, brincando com o gato ou simplesmente vendo a vida passar. As coisas que escreve nunca as faz pra conquistar ou comover ninguém: usar um talento pra qualquer tipo de conquista é um ato covarde de vandalismo com a possibilidade de sentimento do outro. A arte deve ser a manifestação mais profunda (e cheia de vida, de graça e encanto como o olhar dela, mas acho que isso já ficou claro) de uma retidão de caráter, de uma gentileza para si e para o outro e uma forma de reencantar mundo.
O mundo que parece tão frágil e seco deve ser reencantado por aqueles que tenham talento e possibilidade para tal. Quando vê alguém que usa da arte para seduzir, como em uma banda, numa canção ou arte, uma pose ou poesia percebe na hora a violência do gesto. Entristece e quase desiste de escrever novamente. Não o faz.
Acontece que aos poucos a lembrança do olhar dela vai de desfazendo como uma chuva de verão, um pombo atropelado no asfalto quente, uma foto que amarela na estante. Não lamenta. A vida é assim, a vida é doce e está tudo bem. Seu time melhora, sua cerveja continua quietinha, a preguiça lhe faz companhia e os livros ainda lhe fazem viajar. Quando a vida expõe suas pequenas tragédias, dá um sorriso e entende que é assim que tem que ser. O gosto de experimentar as nuances da vida é sempre bom. Ele não pode fazer nada em relação à nada e, no fundo, ele sabe...nem ela.

2 comentários:

Luisa Bertrami disse...

Lindo lindo lindo... estou comentando, hihi! :)

Luiz Ribeiro disse...

o-bri-ga-do.