Não é fevereiro, mas a porta-bandeira veste sua fantasia,
seu uniforme e se arruma da melhor maneira possível pra encantar os olhos dos
outros. Carrega-se com cuidado e esmero da mais humilde simpatia e simplória
humildade para nos olhos deles ser a fonte da futura felicidade.
Mal sabe a porta-bandeira que sua data passou, sua vida
passou, sua alegria e todo aquele samba que encantava a si primeiro e depois os
outros passou como uma torrente que primeiro trouxe a tempestade e depois a
bonança que não se quis e não se esperava.
A pobre moça, feia, pobre, preta, pele ruim corpo grande
demais pra ter gestos gentis, belos e ordenados, com uma completa abundância de
vida que transborda e transcende a lógica racional de qualquer um que a olhe,
ela, isso tudo, agora está na esquina, vestida com uma roupa tamanho padrão,
também feia, mas muito colorida, está com um adesivo no peito mal colado, um
olhar cabisbaixo e doído de humilhação, do papel ridiculamente necessário pra
sua sobrevivência.
Ela agora segura a bandeira de um candidato a prefeito: um
homem sorridente, branco, pele boa, gesto europeu, irritantemente feliz. Ela odeia
aquele sujeito, mas o ama. Ela segura
sua bandeira com um olhar pra lá, pro outro mundo, como se estivesse morta
naquele instante.
Ela e candidato formam uma simbiose do que impossível. Uma mistura
daquilo que há de mais violento na humanidade, naquilo que reatualiza a
escravidão, a servidão e tudo aquilo que a gente tenta vencer e se vê quase
sempre repetindo. O candidato se acha bom pra ela, se acha capaz. Ela sabe que
ele é um idiota, mas ela também sabe que o mundo é governado por idiotas e
aceita isso com complacência e um sorridente olhar triste de porta-bandeira.
A porta-bandeira continua sendo porta-bandeira. Mas seu
carnaval nunca mais vai voltar.
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