10 setembro 2012

porta-bandeira



Não é fevereiro, mas a porta-bandeira veste sua fantasia, seu uniforme e se arruma da melhor maneira possível pra encantar os olhos dos outros. Carrega-se com cuidado e esmero da mais humilde simpatia e simplória humildade para nos olhos deles ser a fonte da futura felicidade.
Mal sabe a porta-bandeira que sua data passou, sua vida passou, sua alegria e todo aquele samba que encantava a si primeiro e depois os outros passou como uma torrente que primeiro trouxe a tempestade e depois a bonança que não se quis e não se esperava.
A pobre moça, feia, pobre, preta, pele ruim corpo grande demais pra ter gestos gentis, belos e ordenados, com uma completa abundância de vida que transborda e transcende a lógica racional de qualquer um que a olhe, ela, isso tudo, agora está na esquina, vestida com uma roupa tamanho padrão, também feia, mas muito colorida, está com um adesivo no peito mal colado, um olhar cabisbaixo e doído de humilhação, do papel ridiculamente necessário pra sua sobrevivência.
Ela agora segura a bandeira de um candidato a prefeito: um homem sorridente, branco, pele boa, gesto europeu, irritantemente feliz. Ela odeia aquele sujeito, mas o ama.  Ela segura sua bandeira com um olhar pra lá, pro outro mundo, como se estivesse morta naquele instante.
Ela e candidato formam uma simbiose do que impossível. Uma mistura daquilo que há de mais violento na humanidade, naquilo que reatualiza a escravidão, a servidão e tudo aquilo que a gente tenta vencer e se vê quase sempre repetindo. O candidato se acha bom pra ela, se acha capaz. Ela sabe que ele é um idiota, mas ela também sabe que o mundo é governado por idiotas e aceita isso com complacência e um sorridente olhar triste de porta-bandeira.
A porta-bandeira continua sendo porta-bandeira. Mas seu carnaval nunca mais vai voltar.

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