17 dezembro 2009

a fila

tive com uma senhora na fila do ônibus. Era uma dessas velhinhas simpáticas e carentes que o filho mudou de cidade pra só visita-la uma vez por mês. Disse ela:
- o problema são as filas.
Achei que ela estava puxando assunto igual as velhinhas fazem e ignorei.
- São as filas, eles conseguiram.
Fiquei curioso e perguntei:
- Eles? Eles quem?
- Meu filho, é isso. São as filas a forma que eles usam pra controlar a gente.
- Como assim? Filas? Eles?
- É, exatamente. É uma maneira de nos fazer presos aos desejos, de fazer com que conquistemos nossas vontades, anseios, mas que percamos nossa força de lutar, de ver o que é justo. Por exemplo, como chego em casa se eu sair dessa fila?
- A senhora poderia ir a pé.
- E seria justo que eu fosse a pé com a minha idade? E mesmo que eu fosse nova, o certo não seria termos a liberdade de escolher como vamos?
- Mas temos, temos sim. Eu posso ir a pé.
- Que nada, você escolhe entre pegar fila ou não, não entre ir de ônibus ou a pé. O meio fica secundário.
- Mas é que é muito difícil, é muita gente nas cidades. Por mais que eles façam...
- Nada disso, meu filho. Isso é o discurso deles, claro que os problemas são grandes, mas todos nós pagamos pra que os problemas sejam resolvidos. Quem paga assinatura de jornal, recebe o jornal, quem paga as contas deveria ter os benefícios.
- Entendo, mas isso me parece distante.
- Distante nada, eles fazem isso pra que só possamos reclamar no máximo ali com o fiscal. E reclamar da fila, não do problema em si. Já o fiscal nada pode fazer e a gente fica com a sensação de que nós também não.
- E como mudar isso?
- Não tem mais jeito. Ou abandonamos a fila ou permanecemos nela.
- A gente pode criar um problema, sei lá, tipo uma rebelião.
- Claro, e quem sairia perdendo? Quem está aqui. Levariamos mais tempo em nossos destinos, nossas casas, nossas famílias.
- Então estamos presos a essas filas?
- Isso. Estamos presos a todas as filas. A vida, no fundo, é um intervalo entre filas.
- Vou a pé, só hoje! Adeus.
- Vá meu filho...

Saí pensando em como poderia ter andado menos, daí me senti injustiçado, meio sem forças, meio corajoso, mas nada fiz. Cheguei em casa e só.

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