- Esses velhos não são apenas pessoas.
-São o quê, então?
- São guardiões de um tempo. É todo esse mundo que está sendo morto. - Desculpe, mas isso, para mim, é filosofia. Eu sou um simples polícia.
- O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente...
- Continuo sem entender.
- Estão a matar as últimas raízes que poderão impedir que fiquemos como o senhor...
- Como eu?
- Sim, snehor inspector. Gente sem história, gente que existe por imitação.
A varanda do Frangipani - Mia couto
Era disso que eu falava ontem e não sabia como dizer. Quando lamentava a morte do Saramago, um antigo-novo, lamentava a morte de alguém que era um contador de história. Alguem que sabia olhar o passado e o presente e conta-lo, não apenas cita-lo, porque quem conta está presente, quem cita se faz ausência. Abandonando o tema de ontem e continuando a falar do assunto, acabo por lamentar que cada vez menos exista quem queira contar histórias. O que mais vejo são pessoas que vestem máscaras de escritores e começam a falar como se assim já o fossem, sem nenhuma centelha do que é ter uma vida.
As histórias para os velhos tem dois movimentos: o primeiro é de vida, contam porque muito já viram, viveram e pensaram da vida. Muito se cansam dela e alguns acham beleza, outros esperam a morte, mas todos sabem do quanto é interessante viver apesar de todo esforço que é conviver anos e anos a fio com o tempo. O segundo é de morte, contam suas histórias por medo de serem esquecidos, de que todo aquele esforço tenha sido em vão, contam e inventam, transformam sua vida em ilusões de vida, em pequenas noveletas para serem contadas. É por isso que há nos velhos uma fascinação quase mítica, os ouvimos como ouvimos um pajé, um padre, talvez nos aproximemos de deus, talvez, bem talvez.
Dizem que a distância aumenta a inverossimilhança dos fatos, então os velhos são os verdadeiros narradores de nós. Enquanto que os jovens vivem e os adultos se imitam a si mesmos e a imagem que têm de si, os velhos nos contam, nos guardam e com distância sabem nos ver.
É dessa sabedoria que sinto falta. E está de novo Saramago em minha vida.
ps: Mia Couto é um escritor moçambicano, todos deviam ler, principalmente "Terra Sonâmbula". Talvez em breve eu poste uma análise que fiz do livro, mas só talvez.
As histórias para os velhos tem dois movimentos: o primeiro é de vida, contam porque muito já viram, viveram e pensaram da vida. Muito se cansam dela e alguns acham beleza, outros esperam a morte, mas todos sabem do quanto é interessante viver apesar de todo esforço que é conviver anos e anos a fio com o tempo. O segundo é de morte, contam suas histórias por medo de serem esquecidos, de que todo aquele esforço tenha sido em vão, contam e inventam, transformam sua vida em ilusões de vida, em pequenas noveletas para serem contadas. É por isso que há nos velhos uma fascinação quase mítica, os ouvimos como ouvimos um pajé, um padre, talvez nos aproximemos de deus, talvez, bem talvez.
Dizem que a distância aumenta a inverossimilhança dos fatos, então os velhos são os verdadeiros narradores de nós. Enquanto que os jovens vivem e os adultos se imitam a si mesmos e a imagem que têm de si, os velhos nos contam, nos guardam e com distância sabem nos ver.
É dessa sabedoria que sinto falta. E está de novo Saramago em minha vida.
ps: Mia Couto é um escritor moçambicano, todos deviam ler, principalmente "Terra Sonâmbula". Talvez em breve eu poste uma análise que fiz do livro, mas só talvez.
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