17 outubro 2012

o sapo




Quando deu por si estava segurando um imenso sapo nas mãos. Olhou para os lados e não sabia onde estava, não reconhecia nada nem ninguém, via apenas o concreto armado das construções e as pilastras de um galpão aberto logo a frente. Olhou para o céu para reconhecer se ele existia ainda e sim estava mesmo ali, mas só podia ver um imenso nublado cinza escuro, cara de que vai chover, e uma pequena parte mais clara que deve ter sido em algum momento o sol.  Olhou então para o chão para reconhecer o asfalto, também cinza, fato que lhe acalmou, pois dos três lugares que havia olhado reconhecia dois, o céu e o chão.
Agora era tentar descobrir o que fazia com esse sapo nas mãos. Resolveu olhar mais atentamente. Estava morto, de barriga pra cima, inchada, mais branca que o resto verde. Não tinha qualquer movimento ou espasmo, nem parecia ter sofrido qualquer violência física. Mantinha a boca aberta como uma modelo fotográfica, o que podia significar que talvez tenha morrido sem ar, por asfixia, quem sabe.
Isso que parecia agora sem solução, pensou, devia ser o mote de seus passos daqui pra frente. Apertou ligeiramente o sapo, que gosmento, emitiu alguns barulhos e resolveu entrar no galpão.
Estava vazio, era imenso e não possuía qualquer rastro de vida, muito menos vestígios de sapo. Tentou puxar na memória algum retrato daquele lugar, mas tudo que conseguiu foi uma imagem de filmes em galpão, Cães de Aluguel, talvez, não se lembrava bem. Suspirou alto e percebeu o eco que aquele ambiente fazia. Resolveu, como em uma igreja, falar consigo mesmo na esperança que alguém ouvisse.
“Você que não está aqui e não me ouve, que me poderia servir de memória e me lembrar dos passos que tive e não lembro. Você que poderia tirar de minha mente a dúvida de ter matado esse animal ou não. Você que não sabe se tentei salva-lo ou se fui seu algoz e, principalmente, você que não sabe do meu destino, dos meus pensamentos, dos meus gestos e de tudo que faço sem nem saber que faço, devia tentar pensar em mim como alguém que é incapaz de estar onde está. Por que, dentro da lógica, estaria eu aqui nesse galpão segurando um sapo, olhando pro alto e girando falando com o nada ou com ninguém? Por quê? E o som que eu ouço é seu, repetindo minhas perguntas e jogando-as todas diretamente na minha cara, com um deboche silencioso de dia nublado. Até esse sapo, que não sei de onde vem é um verdadeiro deboche pra cima de mim, mas já sei, é ordem minha, ou sua, devo acatar aquilo que se coloca na minha frente, devo pensar que tudo que vem, vem por uma mentira. É mentira, eu sei, mas é a regra do jogo no lugar em que vivo. Sem mais palavras pra você, que sempre se cala, me calo.”
No mesmo instante, quase de alma lavada, sai do galpão por uma porta que até então não havia visto e anda pela rua, uma rua qualquer por onde as pessoas observam o sapo em sua mão. Algumas crianças pedem pra olhar mais de perto e até tocar, se possível. Alguns mais velhos dizem que ele devia jogar isso fora porque isso é mau sinal, outros, mais educados dizem que um sapo morto assim essa época do ano é problema climático, tem que ser, essas estações do ano todas trocadas. A verdade é que ele anda e algumas pessoas o acompanham com o olhar, meio que de longe, como que tentando entender pra onde vai o sapo e pra onde vai o sujeito e aonde um vai se encontrar com o outro. Ambos não sabem, ambos não se guiam. Está tudo em silêncio entre os dois.
Senta em um banco de praça, agora sozinho, sem os olhares das pessoas e coloca o sapo junto a seus pés, no chão. É quando repara em suas mãos, esverdeadas, gosmentas, com uma pasta pegajosa espalhada por todo lado. Sem tempo pra pensar, lambe aquela gosma, e o verde sai de sua mão se depositando diretamente em sua língua.
Na mesma hora, sua memória volta ao lugar. Lembra-se de tudo, do que fazia com o sapo, daquele galpão e porque o bicho havia morrido, assim de boca aberta e barriga pra cima. Precisa contar pra alguém, lembra até de uma pessoa pra contar. É urgente, procura seu celular, não acha. Levanta, sai correndo, vai. O sapo fica.


2 comentários:

Mariana Burgos disse...

curti bastante! ;)

Luiz Ribeiro disse...

obrigado. espero que não seja mentiras de mulher. hahah