Michael Haneke é, sem sombra de dúvida, um dos principais
cineastas da atualidade. Seu cinema frio, silencioso, sobre um mundo quase
sempre esbranquiçado e hostil aos sentimentos, mas, no entanto, profundamente
afetivo, principalmente na relação entre os corpos, traz-nos sempre uma
experiência estética que ultrapassa o limite da arte e entra no campo da
sociedade e da existência humana.
Só pra dar alguns exemplos para quem não o conhece, o filme “O
Castelo” (1997), baseado na obra homônima de Kafka e “O Tempo do Lobo” (2003)
fazem parte desse cinema que chamo atenção:
o primeiro branco e frio, o segundo violento e hostil, sem no entanto o
primeiro deixar de ser hostil e o segundo deixar de ser branco. Gostaria de
ressaltar isso que configurei chamar de afetividade dos corpos. Dou esse nome
pelo fato das personagens não estarem muito ligadas à historicidade da outra,
ao seu passado, nem tampouco com a situação atual da trama narrativa, mas sim
uma ligação que se dá entre corpos, com suas vicitudes e prazeres, necessidades
do instinto e do fisiológico. Esse tipo de afeto desloca a noção das relações
humanas para um campo interessante de se pesquisar e que, me parece, se reflete
também um bocado em “Amor” (2012) que concorre ao Oscar de melhor filme em
2013. Destaque também para a excelente interpretação também candidata ao Oscar de Emanuelle Riva.
“Amor” é a história de um casal de idosos apaixonados por
músicas e pela presença um do outro quando, um dia, um lapso de tempo da mulher
se releva em uma sequência de doenças que degeneram seu corpo, enquanto que o
marido, frágil, faz de tudo para a manutenção da vida e da dignidade da esposa.
Até certo ponto ou...até o limite.
De alguma forma, dentre os filmes que falei, esse talvez
seja o menos radical de todos (e talvez por isso é que esteja entre os
indicados ao Oscar), mas mesmo assim acaba sendo uma excelente forma de conhecer um
pouco do que seria o trabalho de Haneke. “Amor“ mexe com nosso horizonte de
expectativa, na medida em que monta um amor que não se firma, que parece ser
mais moral e ético que afetivo, mas nem por isso menos profundo, e que só
consegue afetar-se nos cuidados do corpo e na relação que se dá pelo encontro
com a música: as canções, o piano, os cds.
Espantou-me a indicação de Haneke ao Oscar, mas também me
deixou contente. Entretanto, creio que “Amor” não tem força suficiente para
combater todo o aparato hollywoodiano de promover comoções. As sutilezas do filme,
os silêncios, a brancura e as câmeras estáticas, resultado de um diretor que
sabe exatamente o que quer e o que não precisa fazer, resulta em uma belíssima
obra, mas que perde em energia frente a infinita felicidade de energético dos
estado-unidenses.
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