17 setembro 2008

Entrevista de emprego - exercício dramatúrgico - Ato I

(Um escritório. Uma mesa, um lustre. Outra mesa menor, um máquina de escrever. No fundo uma janela. A na mesa maior, C na menor. Entra Celso.)


A – Qual o nome do candidato?

CELSO – É Celso.

A – Celso de que?

CELSO – Meu nome... é Celso. Celso.

A – Mas Celso de que?

CELSO – De São Paulo.

A – Celso São Paulo?

CELSO – Não. É Celso Veira. Meu pai é que é o seu Paulo.

A – (pausa) Enfim, então é o senhor que está se candidatando para a vaga?

CELSO – Sim, senhor...senhor. Preciso, senhor.

A – Mas o senhor quer preencher qual vaga?

CELSO – Qualquer vaga, de faxineiro, de carro, tem vaga eu quero.

A – Mas aqui só tem vaga na área de advocacia. O senhor é advogado?

CELSO – Há 20 anos.

A – Mesmo?

CELSO – Muito. Muito advogado, sou advogado assim muito.

A – Então ok.

CELSO – Mas também sei fazer outras coisas.

C – (repetindo como quem copia) mas também sei fazer outras coisas...

CELSO – Sabe?

C – Eu não. Tu sabe.

CELSO – Ah.

A – Enfim, Celso...o que mais você sabe fazer?

CELSO – Do que o senhor precisa?

A de... (cacoando) um padre.

C (como copiando) Celso São Paulo.

CELSO – Viu? Ele sabe, sou padre já...

A – E...padeiro?

CELSO – Na minha terra eu era conhecido como o rei dos pães. Celso, O PADEIRO.

C – (copiando) São Paulo.

CELSO – Minha terra.

A – (ainda irônico, caçoando) Meu senhor, Celso, já vi que o senhor é muito capacitado para muitas coisas, o senhor poderia por acaso assim, subir ali naquela janela e buscar meu radinho que caiu no parapeito?

CELSO – Mas é evidente.

A – E fazer isso pulando num pé só?

C – Na minha terra eu era conhecido com Celso Saci, o saci mais famoso das festas, o mais conquistador. Era um ídolo.

CELSO – Ei, isso eu não disse.

C – Disse sim, eu anotei e tem mais, você disse outras coisas até.

A – Ora, disse ou não disse?

CELSO – Ter dito é bom?

A – É.

CELSO – Então eu disse sim, falei até mais de uma vez até, três vezes eu disse.

A – Pois então vá buscar o rádio.


(B começa a ir, quando A interrompe)


A – Calma, vamos fazer uma hipótese aqui. Ele ali...

C – Eu?

A – É...você!

C – Mas eu anoto só.

A – Mas agora vai fazer outra coisa.

C – O que? Ah, meu deus...

A – Você vai estar ali no parapeito, com o radinho na mão tentando se matar porque o Vasco perdeu.

C – Mas eu nem sou vasco.

A – Agora é...muito vasco.

C – Ah...droga.

A – Vai lá. ( C vai até o parapeito e começa a se lamentar.) Agora você, Celso, tem como função ir lá e convencer nosso amigo a não se matar.

CELSO – Está bem.


(CELSO se dirige até C que faz lamúrias do tipo: “Ah meu deus, minha vida num faz mais sentido, quero morrer, ó vida cruel.” Isso sem deixar que CELSO fale hora nenhuma.)


CELSO – Osh, mas esse sujeito num deixa eu falar...

A – Ora, meu amigo, seu tempo está passando.

CELSO – (para C, baixinho) Ei, amigo, teu dou 5 conto para tu descer daí!

A – Que disse?

CELSO – Nada, disse “é muito cedo pra partir...”

C – Não. 5 vezes infeliz é pouco, quero mais infelicidades, mais...

A – O que ele tá falando?

CELSO – Eu que sei?! (para C) Dez, dezinho tá bom, né?!

C – ò, só com dez infelicidades não há acerto com Deus...nada, nada...

CELSO – (alto) Vinte...Vinte...

C – Oh, você me salvou da morte, amigo.

A – Ora, vinte...vinte o que?

CELSO – Vinte...vim te resgatar, ainda bem que consegui. E aí, consegui o emprego?

A – Falta subir na mesa.

CELSO – (sobe) Só?

A – (improvisando) Subir no lustre...

CELSO – (vai fazendo) moleza.

A – E rodar.

CELSO – Ai...

A – E cantar.

(CELSO canta)

A – gritar, urrar, imitar um elefante.

(CELSO imita)

C – Tá fraco, hein!

A - Então pula pra cá.


(B pula. Escuridão.)

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