10 janeiro 2013
o silêncio do outro - a questão da cultura em Petrópolis
Demorei um pouco para escrever minha opinião sobre a questão da “ocupação da praça pela classe artística x direito ao silêncio dos moradores” porque queria entender melhor qual era o ponto central do problema. Para isso precisava olhar um lado, e como me ensinou Saramago, dar a volta. Olhei e olhei e olhei e só me veio uma resposta: todo o problema se resume a uma crise da nossa sociedade que mora na mais impessoal das figurações que é a noção de“outro”.
A cidade como nós construímos e conhecemos é aquela que nos coloca o tempo inteiro em confronto com o outro, ou seja, aquele que não é nós, mas que é obrigado a conviver no mesmo espaço que nós e por conta disso se chocam nossos interesses em uma batalha sem fim.
Na questão da cultura, vejo esse clamor pelo silêncio como um pedido estúpido: no mundo atual em que vivemos o silêncio não é um direito, nem mesmo um privilégio, é uma impossibilidade. É como pedir que os rios margeiem nossos sonhos com os sons da queda d'água ou que os seresteiros voltem a cantar para as donzelas. Escutar o silêncio, como ousava pedir Pitágoras, é demasiado para nossa sociedade, resolvi então recolocar a pergunta: “que tipo de som você quer que ocupe sua vida?”
Nada contra quem decide ocupar os sons de sua vida com a telenovela da Globo ou qualquer programa da TV ou até que resolva, sei lá, fazer a novena de não sei quem na Rede Vida, é um direito que cabe a qualquer indivíduo. A minha questão é: Por que esse sons são mais importantes que quaisquer outros? Qual a hierarquia imposta? Ora, eu sou praticamente obrigado a estar presente numa gama de sons que não escolhi, mas convivo bem e aprendo, com o outro, a saber que os sons do mundo não são só os meus.
Então, senhores donos do silêncio do universo, vocês deveriam saber que, caso o som que esbarra em seus ouvidos e em suas casas não sejam aquilo que vocês querem ouvir nem aquilo que sonharam para a vida aposentada de vocês, eu também tenho o direito de dizer que todo o seu discurso moralista-conservador também fere meus ouvidos, e mais, minha consciência, fere minha concepção de cidadão na realização de olhar o outro como parte integrante também de mim. E nesse caso, a discussão é ética, é de justiça, não de senso comum ou de direitos de papel. O Solstício do Som nada mais é o lugar de encontrar o outro de ser gentil e receptivo para aquilo que ele tem a nos mostrar, por isso é tão versátil, urbano, contemporâneo, jovem e por isso acontece numa praça, berço da liberdade. E como diria Raul: “Eu que não me sento / No trono de um apartamento / Com a boca escancarada / Cheia de dentes/ Esperando a morte chegar / Porque longe das cercas embandeiradas / Que separam quintais” tem muita gente olhando para frente, olhando para o outro e abrindo todos os tipos de janela para aquilo que é pequeno e fugidio e que ressoa como um som: a cultura.
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Um comentário:
Muito bom! Você consegue ser poético e escrever um belo texto até mesmo pra falar disso! ;)
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