19 setembro 2005

Amor em prosa moderna

"Dos nossos planos é que tenho mais saudade,
Quando olhávamos juntos na mesma direção.
Aonde está você agora
Além de aqui, dentro de mim?"
Vento no Litoral – Renato Russo



Ele gostou dela desde que passou a gostar. Ela gostou dele desde quando passou a ser gostada. Assim, foram se gostando como se gosta quando criança: correndo juntos no parque, escrevendo nomes ainda tortos em árvores, contando segredos aos amigos mais velhos e ao vendedor de pipoca, ajudando nas provas bimestrais, dando cola quando necessário, ficando junto sempre que possível. E desse modo, ele foi gostando e sendo gostado por toda a infância e pré-adolescencia.

O tempo que passa fez ele repetir de ano e mudar de colégio. O tempo que passa fez os telefonemas rarearem. O tempo que passa fez os encontros extinguirem-se. O tempo que passa fez as árvores com nomes serem cortadas e virarem mesas de bilhar. O tempo que passa fez ela mudar de cidade e não deixar contato. O tempo que passa fez ela deixar de gostar dele. O tempo que passa fez ele também esquecer dela.

Ficaram as referências. Ele para sempre teve como referência de mulher bonita todas as baixinhas branquelas de cabelos pretos e com algumas sardas, se possível. Tímidas, silenciosas, sarcásticas, de uma sabedoria calma. Mulheres que rissem, muito, mas nunca escandalosamente.

Pouco mais velho, chegando no Ensino Médio, ele gosta sem ser gostado de uma roqueira inteligente, rebelde, engraçada, tímida, maluca, quase sem rumo na vida, ou um rumo ainda desses que a gente se perde. Uma menina sem regras e com muito sono. Uma menina fraca e frágil. Ele gosta até o limite de poder gostar sem gostado e a mulher que nunca ia lhe amar era insistentemente seduzida.

O tempo que passa fez ela sair da vida dele. O tempo que passa fez ela voltar. O tempo que passa fez ele fugir dela. O tempo que passa fez ela mandar cartas ignoradas. O tempo que passa fez ele aprender a viver só. O tempo que passa fez ela desistir e encontrar alguém. O tempo que passa fez ele esquecer dela e depois lembrar. O tempo que passa fez ele voltar. O tempo que passa fez ela perdoar. O tempo que passa fez ela desistir de tudo isso. O tempo que passa fez ela fugir dele. O tempo que passa fez ele obrigar-se a esquecer.

Ficaram as referências. Ele passou, então, além de gostar das baixinhas branquelas tímidas, silenciosas e sarcásticas com cabelos pretos e com algumas sardas, também gostar das roqueiras inteligentes, rebeldes, engraçadas, tímidas, malucas, sem regras e com muito sono.

O tempo que ainda estar por vir há de passar, há de marcar, há de ficar, há de doer e há de passar. O que fica são as referências, as saudades, as memórias e as lembranças. O que dói são as feridas, as derrotas, as tentativas e os prazeres. E para frente é viver e somar referências, até que um dia, sem Ter mais para onde se procurar, resolva-se a amar e ser amado. Só.

Luiz Antonio Ribeiro
20/09/05

08 setembro 2005

Juro...

"Fique magoado, não por me teres mentido, mas porque eu não posso mais acreditar em ti"

Friedrich Nietzsche

Confiança. Palavra dura, bela, simples, equivalente ao mais puro sentimento. Sinto-a como uma força que nos empurra a entregar o nosso lado mais fraco a outros, na esperança de que esses me entendam e me confortem . Espero sempre que ao contar um segredo, eu estico uma corda, que amarrada a meu braço, amarra-se também ao braço do outro, e faz-me um pouco a parte dele. Por isso, tenho prazer especial em ouvir os segredos alheios, pois essa impressão elo, acalenta-me o sentimento de solidão. Confiar/ser confiável, tem pra mim a força encontro, de um abraço, de um beijo, de alguma coisa que fica guardada pra sempre, ou por tempo indeterminado, até que esse elo venha a ser cortado.

Acontece que muitas vezes, Ter um aliado, uma pessoa que se confia, enfim, Ter uma corda amarrada junto a si, na forma de amigo/irmão/namorado, seja o que for, gera um desconforto de perda de liberdade, quiçá uma sensação de ser perseguido, ou ser responsável pela vida de outro. Num dado momento, você se sentindo preso, faz por um ato simples de libertação a ação mais repudiável da sociedade desse tempo: a mentira, a traição, ou a quebra da confiança. Esse ato, funciona como quebra da corda, como libertação e voltar a ser um ser novamente livre, passível de erro e independente. É uma ato quase desesperado de tentar tirar de você o outro, que insiste em ficar a seu lado sorrindo, chorando e, principalmente acreditando.

Aí, vem a complicação da história, as confusões e o desfecho, mas aí, já não é interessante e muito menos confiável.

Luiz Antonio Ribeiro
09/09/05

05 setembro 2005

Criado mudo da casa da Luz

A: O que é um criado mudo?

B: É tipo uma mesinha de cabeceira.

A: Ah, pensei que fosse seu amigo mudinho contratado como empregado...

B: É...podia ser.

A: Ou então uma pessoa que é muda que foi criada por alguém.

B: É...podia ser também.

A: Ou então, uma neném que é criado sem poder falar...criado só na linguagem dos gestos, daí é um criado mudo.

E eu não parava de rir.