30 julho 2011

meu problema com clarice



Não posso dizer que não gosto de Clarice Lispector, mesmo porque “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres” é uma das obras mais sublimes que já li. Posso, entretanto, dizer que tenho um problema com ela, algo ideológico, filosófico, estrutural.
Primeiro de tudo, acho que o autor deve, ao escrever, tomar todo o cuidado para não ser mal lido. É preciso mão firme na escrita afim de que o leitor desavisado, romântico de final de semana, não apreenda sua obra para fins duvidáveis como afogar uma mágoa, dar recados semi-amorosos ou qualquer sentimentalismo do tipo.
Segundo, meu lado materialista me leva a pensar na relevância dessa viagem interior. Até que ponto ela gera independência ou até que ponto ela é alienante? De cara, uma viagem para o auto-conhecimento me parece apenas alienante e, por conta disso, não leva a nenhum tipo de consciência social, política, ou algo que contribua aos outros. Por outro, é possível que na mudança de um em efeito dominó mude-se todo.
Enfim, me debato. Por via das duas implico com a pobre Lispector, que pouco tem a ver com minhas elocubrações a seu respeito. A verdade é que o consumo transformou Clarice em uma conselheira amorosa, assim como transformou a frustração em motivo para se gastar dinheiro. É assim que funciona: enquanto houver consumo, haverá felicidade. E o que há além? O amor, ou ele é mais uma parte dessa ordem do consumo?
Sinto-me velho ainda com essas discussões, mas me reservo o direito de não recomentar Clarice Lispector a qualquer um...pode ser prejudicial.

28 julho 2011

O flamengo, o futebol.






No decorrer da minha breve-longa vida já fiz muitas homenagens ao Flamengo. Parece-me, no entanto, que é sempre pouco, sempre menos do que ele me dá. Talvez porque paixão não se explica e não se homenageia, talvez porque eu nada pedi dele e porque ele nunca me pediu pra ser gostado. Acontece o que acontece e nossa parceria é eterna e eu preciso falar disso.
Quando meu time entra em canto parece que estou numa batalha e os jogadores são gladiadores que entram em canto pra defender a honra de um país. Parece que ouço trombetas soar e escuto a marcha da companhia e eu, do meu lado, mesmo que longe, preciso apoiar, preciso apontar meu coração pra eles, a fim de que tudo corra bem e que saiamos vitoriosos.
Aí acontece às vezes, bem às vezes, do Flamengo tomar um gol. Olha, minha cara vai lá embaixo, quase me sinto derrotado. Tento não ver o gol, tento não falar. Parece que resumo minhas necessidades físicas ao básico pra que aquele sentimento passe rápido e volte a ser aquele anterior, da luta, da batalha, da raça...
Mas quando meu time faz um gol...aah, quando ele faz um gol é a maior alegria do mundo. Salto da cadeira, pulo grito, soco parede, abraço quem estiver por perto e grito gol como se fosse meu e louvo o artilheiro como se fosse um rei. Aquele momento pequeno, fugidio, etéreo fez as maiores alegrias da minha vida. Ouso dizer que o Flamengo nunca me abandonou, nunca me decepcionou. Uma vez, em um título, liguei pra casa chorando, falei com minha mãe e ela: “calma, meu filho, calma.” Ela entendeu, ela entendeu o que quase ninguém entende. O futebol é irracional, por isso, belo. O futebol é um espetáculo teatral, é o melhor teatro do mundo. É o que o teatro, o cinema e a literatura tentaram ser e não conseguiram e o Flamengo...o Flamengo é o maior gênio, o ídolo, a estrela dessa grande arte. A primeira no meu coração, a primeira no meu país Brasil. Alienante? Alienante é parar de falar e pensar, enquanto houver gente falando, gente pensando, o futebol vai ser uma paixão. E quem vai dizer que paixão acaba rápido?

27 julho 2011

teatro por crianças: a bolsa e a passarela




Cena sem Palavras I

Quatro meninas: duas modelos, uma fotógrafa e uma assaltante. O cenário é uma passarela, um corredor com um tapete vermelho. Menina um desfila na passarela com uma bolsa. Para em frente à fotógrafa, faz poses, sorri. Vai até ao outro canto da cena, olha para a platéia, faz poses, sorri. Vira-se, vai até o fundo da cena, entrega a bolsa para menina Dois. Menina Dois desfila na passarela com uma bolsa. Para em frente ao fotógrafo, faz poses, sorri. Vai até ao outro canto da cena, olha para a platéia, faz poses, sorri. Vira-se, vai até o fundo da cena, entrega a bolsa para Menina Um. Menina Um desfila na passarela com uma bolsa. Para em frente ao fotógrafo, faz poses, sorri. Vai até ao outro canto da cena, olha para a platéia, faz poses, sorri. Vira-se, vai até o fundo da cena, entrega a bolsa para Menina Dois.Vira-se, vai até o fundo da cena, mas muda de ideia, resolve dar um último aceno para a platéia. Escorrega e cai, deixando a bolsa cair no chão.
Menina Assaltante entra, sobe na passarela, pega a bolsa e ameaça sair. A fotógrafa, no entanto, tira uma foto sua que prontamente desiste do roubo, deixando a bolsa caída no chão e resolve desfilar também. Para em frente ao fotógrafo, faz poses, sorri. Vai até ao outro canto da cena, olha para a platéia, faz poses, sorri. Quando se vira, vê Menina Um e Menina Dois estão disputando a bolsa. Corre até elas e entra na disputa.

As três formam um triângulo, cada uma segurando uma ponta do objeto. A fotógrafa olha para a platéia, dá um sorriso, uma piscada e tira fotos das três que sorriem para a câmera. De súbito, caem. A fotógrafa rouba a bolsa e sai. As três, frustradas, ameaçam correr atrás da fotógrafa, mas desistem.

Saem, cada uma para o seu vértice do triângulo. A luz se apaga. Vê-se apenas a câmera fotográfica caída ao chão.

25 julho 2011

Da minha Janela



Da minha janela eu vejo o ocidente. O passado e o futuro em perspectiva renascentista, um à frente outro atrás, mesmo sem saber qual dos dois vem primeiro. Vejo sudokus e mangás: kamikazes sorridentes que dizem arigato. Da minha janela não vejo a rua, mas sei que ela é pálida, ríspida, melancólica e turbulenta. Eu vejo a rua como um cara, maneiro e sorridente, malhado e sexualizado. A rua é uma criança, tal como o ocidente. Da minha janela eu vejo muitas coisas: continentes e países. Vejo muitos oceanos não muito pacíficos, mas na maior parte do tempo voyerísticos - que nos olham sempre que os olhamos com fetiche. Da minha janela vejo muitas coisas que tenho preguiça de dizer, uma preguiça ocidental de dizer o que vejo da minha janela. Porque dela vejo um espelho, ou até mais, da minha janela vejo outra...

24 julho 2011

o turista

Algumas abstrações se concretizam. Pensei agora na noção de “turista”. O turista, na abstração, é um ser que se desloca de um espaço para outro apenas para visitar por um curto espaço de tempo e depois retornar para aquele que é seu espaço. Assim, seres de outros lugares visitam a casa do morador e o morador quando vai à casa dos outros, torna-se o turista. Logo, ninguém é turista, a noção é vaga e exprime uma certa noção de deslocamento no espaço.
Comecei a tentar enfraquecer o termo. Qual o papel do turista? Lazer, cultura, diversão? Os três? Então, um Museu com ampla visitação turística pode se dizer que é uma construção apenas para essa parte da população? Então a cultura que o Museu representa é construída para um outro? E porque nós vamos ao Louvre e tiramos foto e vemos o valor enquanto que o Museu da esquina não é visto?
O turista quer lazer, vai a restaurantes, mas será que vai aos mesmos que os moradores? Ou o turista tem points diferentes? Na diversão a mesma coisa acontece? Começo a pensar no turista como uma fanstamagoria, como um ser inexistente, invisível, que movimenta a economia sem que a população perceba que ele lá está, ou então, se percebe trata de ignora-lo, fingir que não percebeu. Aumento essa noção para as construções para turistas: uma praça longínqua, um restaurante pra turisa, uma loja de souvenirs nada mais são que sombras, fantasmagorias, espaços urbanos da cidade que inexistem, porque não é feito para uma pessoa ou para um público. Ele leva em conta a concretização da abstrata noção de turista para existir e sobrevive de um público que é absolutamente desconhecido e impossível de se capturar.
Passa-se pela noção de exótico. Aquilo que é diferente do nosso necessariamente deve chamar atenção. Portanto o mercado, e provavelmente a faculdade de turismo pensa muito isso, precisa se voltar para esse ser abstrato e acéfalo que é o turista afim de explora-lo o máximo possível. Alguém que mede os gastos em restaurantes na sua cidade, como turista perde a capacidade de percepção e se faz disposto a gastar mais. O mercado explora o turista que não existe.
É interessante como se criam categorias inexistentes e ainda assim o sistema dá um jeito de transformar isso em mercado. E o turista, esse fantasma de qualquer cidade, passa a ser um ser importante, mesmo que não seja ninguém.

argumento para um filme

Um jovem artista começa a fazer sucesso como ator. Em um evento de um canal de TV, ele vê uma moça e se apaixona por ela, no mesmo momento, seu pai e empresário sofre um acidente e é assassinado. Uma mulher um pouco mais velha que ele se aproxima, e o ajuda a superar esse momento. Eles se casam, mas o jovem nunca esquece a moça da juventude. Anos depois, perto dos quarenta, ele descobre uma doença rara em sua esposa e com isso começa a descobrir pequenas falhas no seu passado.

No momento da morte ela reconhece que foi paga para os dois ficarem juntos, que o assassinato de seu pai fora planejado pelo canal de TV. Ele pergunta sobre a moça, a esposa morre. O jovem, agora velho, vai ao canal de TV e, no momento que entra no ar, começa a fazer uma breve explicação sobre o que acontecera. O canal sai do ar, ele vai até a direção e explicam-nos que nada daquilo fora planejado por eles, mas por um diretor que já havia morrido e que ele nada poderia reclamar porque aquele canal lhe tornara famoso, rico, o homem mas bem sucedido e querido do país. Ele sai xingando a todos, pega tudo que é seu e sai da empresa. Na porta, encontra a moça de anos atrás. Os dois casam.

Corte de tempo evemos a moça sugerindo que ele volte ao canal. Ele diz que voltará e pergunta se ela também foi paga. Ela diz que sim, que foi paga, mas há 40 anos atrás.

22 julho 2011

pra ela três

cândice,
feliz e bela,
como na foto de criança
que eu tenho em minha estante;
e nem por um instante
eu faço jus a tua dança.

e quando chora
- se é que teu choro é choro -
penso que nada mais há:
a felicidade tranparente
sobrevive a custa de ti.

aí te vejo triste e não entendo
do que é que se fez o mundo.
Encerro qualquer contato com a realidade
e minha poesia se aproxima da prosa
sem a cor de uma estrofe anterior

Se está triste
é que alguma coisa deu errado
nos planos de Deus.
Se está triste
é que está faltando
um pouco de ti
nos braços meus.

21 julho 2011

o buraco

Já vinha eu falar de outra sensação por aqui. Agora é a sensação de terminar de ler uma obra-prima. Acontece que um outro pensamento me bateu: Por que escrevo tanto sobre sensações?
Não sei, escrevo pra pensar. Eu sou um materialista praticante e, justamente por conta disso, percebo que as sensações me escapam. São reações químicas que produzem resultados absolutamente indescritíveis, que estão no campo do sublime, coisas que nos tomam e quase ganham vida dentro de nós. Quando uso a palavra coisa, uso de propósito, a sensação é uma coisa, porque é uma matéria invisível que sentimos passar por dentro de nós e como vem, atravessa e sai, deixando um buraco.
O buraco que a sensação passa talvez seja o problema. Acho que escrevo sobre esse buraco. Ele fura nossa razão, nosso raciocínio lógico, mas não coloca nada no lugar. É como se ele tirasse uma viga de um prédio que permanecesse em pé, mesmo que cambaleante. Esse buraco precisa ser preenchido novamente. A maioria das pessoas se reveste de queijo suiço de pequenos buraquitos que viram quase caminhos de formigueiro. Outras pessoas escolhem uma pessoa pra fazer o buraco: o amor, e nisso se tornam superficiais. Quem ama demais, não pode sentir muito amor, as duas coisas se excluem.
Acho que descobri então, deixa-me resumir: sou materialista, mas com sensibilidade, então as sensações abrem buracos na minha existência e esses buracos desestabilizam aquilo que sou, portanto preciso preencher esse buraco para me manter em pé e dar sentido às coisas. Minha forma de dar sentido é escrevendo justamente sobre esse buraco que se torna algo como uma peça de cristal ou uma planta que cuido.
Saber que existo é bambear pelo buraco das sensações sem nunca me deixar ceder, pois ceder ao buraco é fraquejar. É entrar na armadilha e na mentira que as sensações montam: elas devem desestabilizar para criar ou um outro ser e esse outro ser tem responsabilidades e não pode ceder ao primeiro poço dos desejos que vê.
Poderia agora escrever sobre a sensação de um livro, mas não, acho que já disse o que tinha pra dizer.

18 julho 2011

casa nua

Conto-paródia baseado em "A calça secreta" de Machado de Assis

Aos seis, sete anos, eu vi um cavalo, um cavalo de corrida.Senti então que não há ninguém mais nu do que certos cavalos."
Toda Nudez será Castigada- Nelson Rodrigues


Estão Garcia, Fortunato e Maria Luísa imóveis na sala. O primeiro, desatento e quieto no sofá; o segundo de frente para a janela; a última contemplando os outros sem se dar conta da gravidade da situação. Sofre. A questão é: Garcia está pelado.

Voltemos para o início dessa complexa rede de relações a fim de tentar entender o que se passa naquela sala de um subúrbio carioca.

Garcia estava para se formar médico, quando um dia, embriago, tombou em frente a um ponto de ônibus e adormeceu. Acordou vomitado e no caminho de casa passou por uma estranha figura que ao sentir seu cheiro abriu os pulmões, sorriu e não se conteve. “Que belo dia!”, disse.
Alguns dias depois, na porta de um bar, viu passar a mesma estranha figura amparando um homem de muletas.

Ele caiu, dizia sorrindo.
Obrigado pela ajuda, dizia o manco.

Pouco tempo depois, a figura reapareceu com a roupa suja de sangue. Entrou no bar, pediu uma bebida e olhou inquieto e pesquisador para os lados.

Fortunato, disse se aproximando de Garcia.
Garcia, disse se apresentando à Fortunato.

Beberam juntos. Fortunato conversava desenvoltamente. Era um homem culto, citou até uma foto de Fernando Pessoa onde o poeta aparece em um bar e logo abaixo a dedicatória: “Fernando Pessoa em flagrante de litro.” Riram. Garcia perguntou do manco e Fortunato mal parecia se lembrar do caso.

Não lembrariam de mais nada. Acordaram na mesma cama, pelados e de banho tomado. Estavam na casa de Fortunato e só perceberam depois que entrou Maria Luísa no quarto.

Minha esposa, disse Fortunato.

Garcia, constrangido, se calou, pensando na estranheza daquela cena e na exposição de seu corpo perante a esposa de um semi-desconhecido: “Ela me viu pelado, o que será que achou?”
Maria Luísa trouxe o café da manhã. Os dois comeram, se vestiram e Garcia foi embora, prometendo voltar com um presente de desculpas. O casal agradeceu.

Na semana seguinte, Garcia voltou à casa trazendo consigo três entradas para o teatro, um ramo de flores e um whisky. Dirigiu-se até a porta dos fundos, por onde saíra no outro dia. Da janela viu Maria Luisa pelada. A moça se assustou, tampando-se, mas logo sorriu e mexeu a boca dizendo algo que ele não percebeu. “Estamos quites, deve ser”, imaginou Garcia.
Manso a manso, entrou-lhe o sexo no coração. Garcia correu até a cozinha e perguntou por Fortunato.

Está matando um rato no laboratório, disse Maria Luísa.
Então não demora.
Que nada, ele mata bem devagar.
Mas é um rato, não um elefante.
É que meu marido é milimétrico ao matar.
Que bom, eu não gosto de ratos.
Nem eu.

Fortunato entrou na cozinha à procura de um copo d´água. Viu um vulto passar em direção à sala. Seguiu. Encontrou Garcia completamente pelado e Maria Luisa normal, vestida, com uma bandeja de café na mão.

O que se passa aqui?, perguntou Fortunato.

Um silêncio se fez. Estamos de volta exatamente no início de nossa narrativa. Fortunato na janela, Garcia pelado no sofá e Maria Luísa, atônita, sem entender, de pé.

Hahaha! Você só entra na minha casa pelado?, disse Fortunato sem se virar.
Acontece, acontece.
Dessa vez qual a sua explicação?
Eu...eu..., Maria Luísa tenta se explicar.
Silêncio. Quero ouvir o que o quase Dr. Garcia tem a dizer.
Vinha trazendo esses presentes: as entradas para o teatro, um ramo de flores e um whisky quando...

Durante a narrativa de Garcia, Fortunato foi tirando uma a uma suas peças de roupa. Ouve atentamente, mas sem se importar com as palavras que por ali passam. “Ele não sente nada”, pensa Garcia, nervoso, suado. Quando o amigo termina, Fortunato completamente pelado se aproxima.

Levante-se.
Como?
Levante-se agora.

Com os dois em pé se pode ver como Fortunato é maior que o outro. Tem os ombros maiores, as costas mais largas, as pernas mais grossas. Em um gesto brusco, Fortunato levanta os braços, Garcia ameaça se defender, mas ganha um abraço do amigo.

A partir de agora, você só entra aqui em casa pelado. É uma ordem. E assim que eu o vir, também vou tirar a roupa. Não podemos mais nos ver de outra forma, combinado?
Garcia retribui o abraço, meio de lado, com medo de que seus membros se toquem. Está acuado pela grandeza do outro, mas também pela inusitada decisão que acabou de tomar. Não pode negar um trato sob tais circunstâncias.

Fortunato abre o whisky, serve dois copos e pede para Maria Luísa buscar gelo. Quando ficam sós, ele chama Garcia e tira de uma gaveta uma foto. É a de Fernando Pessoa no bar. Riram.
Imagina ele pelado, diz Fortunato.

Prefiro não, diz Garcia.

Embriagam-se. Dessa vez, Garcia não dorme lá. Vai por volta de duas da manhã bastante alterado. Sai pela porta dos fundos e na escuridão desaparece. Nunca mais voltaria àquela casa.
Assim que Fortunato dormiu, Maria Luísa voltou à cozinha, olhou em volta e sem qualquer fragmento de sentimento, saiu pela porta dos fundo. Na escuridão, sem levar absolutamente, desapareceu. Nunca mais voltaria àquela casa.

Na manhã seguinte, um pouco antes dos primeiros raios da aurora, Fortunato acordou e viu a cama vazia. Desceu e nem ao mesmo tentou entender. Saiu pela porta dos fundos e, aos primeiros raios de sol, desapareceu. Nunca mais voltaria àquela casa.

A casa, agora vazia, permanece lá e há um silêncio tão grande atravessando os cômodos, as portas, os objetos, que parece que nunca mais nenhuma palavra, nenhum som sairá daquele lugar.

28/04/2011

17 julho 2011

Domingo de manhã

Virou mania. Eu sei é chato, mas é mania, me desculpem. Preciso falar de algumas horas do dia pra poder entender esse cotidiano absolutamente descolorido. Domingo de manhã tem duas opções: ou você está de ressaca e acorda podre, com a cabeça explodindo, o estômago com um vulcão dentro, com a luz ofuscando qualquer rastro de entendimento e assim será parte do seu domingo, ou você acorda razoalmente cedo, mesmo que bem mais tarde que os outros dias e olha para a janela, as montanhas ou a praia, o céu azul ou branco, e se reiventa, pensando que hoje é um dia de descanso.
A sensação dura até o almoço ou até você ligar a televisão pra ver fórmula 1, volei de praia ou futebol de salão.
Domingo de manhã não é nada. Absolutamente irrelevante. Se possível, mantenham-se dormindo até o meio-dia.

16 julho 2011

as sensações racionais do dia 13

Esse texto é pretencioso, porque leva em conta o fato de que vou morrer bem velho. Resolvi escrever agora para que lá no futuro eu volte aqui e lembre do que senti ao receber a nota mais importante da minha vida.
É uma mistura de surpresa com certeza. Eu fiz por onde, eu corri atrás, passei dias lendo texto geniais de pessoas sofridas, às vezes suicidas, que pensaram a dor do mundo, ou mais, pensaram o porquê da dor do mundo. Fiz por onde e entendi, senti junto com esses caras, e fui pra aula sozinho, tentar entender como aquilo se desdobra na vida cotidiana das pessoas.
A emoção é bastante grande e não consigo traduzi-la e, logo depois, meu superego salta, dizendo: "como você vai ficar feliz sendo que você escreveu sobre um autor que sofre? Um autor que pensa o mundo dizendo que a infância é medonha e que não vamos encontrar maneira de nos relacionarmos e seremos adultos errantes e que vivemos em um grande teatro mal assombrado onde interpretamos uma má dramaturgia sem final feliz? É esse meu tema e como posso comemorar isso? Devo, mas não posso.
Aí vem uma coisa ruim. Me senti um nazista que não vê o sofrimento, que torna a vida uma estatística e, racionalmente, é cruel com os corpos. A verdade é que a sensação boa vem de redimir o autor que sofre o mundo, dizendo: "olha rapaz, te li, te entendi, compartilhei e quis saber mais desse teu mundo" e depois dizer: "o meu mundo é o teu e ninguém ou muito pouca gente vai chegar até ele" e depois: "pouca gente vai chegar até ele, mas todo mundo sofre esse teu mundo."
Uma voz agora me diz: "Existe deus pra isso, pra confortar". E sério, há algum conforto nisso tudo que eu disse? Apelar a deus depois disso tudo seria uma atitude covarde e de falta de caráter da minha parte: entender o problema, ir fundo e entregar pra deus.
É essa minha sensação, Luiz velho e chato. É essa. E no meio da confusão, te digo, é uma sensação muito boa, até quando ruim. Pode abrir uma cerveja aí, camarada, porque mesmo depois de tanta ressaca, eu sei que depois disso você vai precisar beber...

09 julho 2011

os cus de judas



Acabei de ler Os cus de Judas. Digo que não gosto de narrativas a partir de fluxos de consciência, nem da associação caótica de idéias. Sinto-me geralmente que se entrega ao acaso a criação artística, algo que, pra mim, precisa de uma mão forte e um alto investimento de controle da mão do autor.
Lobo Antunes é obviamente um homem que domina a linguagem poética, mas pra mim, esbarra às vezes nas imagens óbvias, na tentativa desesperada de poetizar tudo. O contraste entre linguagem poética e experiência seca é interessante, mas em alguns momentos resulta em palavrórios que não rumam a lugar nenhum.
A constante repetição de termos e imagens em determinado momento me cansou e, a partir daí, me tornei blindado às experiências que ele queria transmitir. Seu pênis ficava duro em cada capítulo e se pensava em mijar, cagar e em sangue, assim como em pedaços de feridos e copos de whisky. É o clichê da experiência poética da guerra. Há quem diga: "mas ele fala examente disso, da banalização da mutilação e da morte." Eu digo que a banalização só pode vir com a linguagem banal, que a linguagem poética eleva o acidente, dando-lhe tonalidades heróicas.
Enfim, é um livro interessante de ser lido, mas não é algo que me venha a encher os olhos...

sensível

O artista pra lá, o artista pra cá. Muito se fala do artista, muita gente se considera artista sem o ser e muita gente o é sem ao menos fazer arte. Não quero entrar nesses méritos nem analisar as sutilezas da questão. Meu ponto é pequeno, quase não cabe em um texto: o artista não pode ser sentimental.
A sentimentalidade sobrevoa a pessoa, passa por cima dela e fica por ali vagando, sem deixar que se olhe o mundo com a frieza necessária para se fazer arte. Há quem diga que arte é transbordamento, é deixar a mão fluir no que ela quiser fazer. Isso pra mim pode gerar grandes obras, mas nunca grandes artistas. O grande artista pensa sua arte. Pollock deixava a tinta cair, mas pensava sobre sua técnica e seu fazer, entendia que a performance era parte da pintura. Deixava-se ir no seu plano, no seu fazer artístico.
A diferença é que o artista tem que ter sensibilidade, ou seja, ser disponível à empatia entre ele e o mundo, entre ele e os outros. É ser afetado sem afetação, se deixar tocar sem se deixar mergulhar. Quando alguém te conta uma desgraça e você sente junto é um sentimental. O sensível é aquele que diz: "não me conta, o meu dia depende disso". A sensibilidade passa por algo de racional, por isso que o artista precisa estudar, pra ver o mundo de outras formas, de mais maneiras, ou seja, precisa enriquecer a experiência e tornar o cotidiano mais denso, assim a sensibilidade tem campo e o sentimentalismo é só escorreção de palavras que parecem profundas, mas são ocas.
Brecht era um sensível, não um sentimental. Assim vai a lista: Eça, Pessoa, Machado, Rosa, Calvino, Saramago, Kafka, Camus, entre outros. Quem mais?
Pense nisso, às vezes...

06 julho 2011

teus olhos

por que teus olhos escuros
castanhos escuros
ao chorar clareiam
como o céu
e despejam as águas
quase azuis
do mar?

03 julho 2011

se levar a sério

Uma das maiores virtudes que alguém pode ter é jamais se levar a sério. Quem se leva a sério está a um passo de ser tonto, porque o que a fluidez da vida impede que qualquer tipo de forma se estabeleça. Não se levar a sério, no entanto, não é não levar nada a sério, pelo contrário, é discutir até o fim qualquer questão pequena, boba que seja, lutar com todas as forças, mas saber que nada disso é realmente tão sério.
Por favor, que ninguém leia: "o caminho é importante, não o fim". Não digo isso, não vou até lá, porque os fins são tão importantes quanto os meios, mas não tanto quanto os inícios. O que seria da vida sem os inícios? Não se levar a sério, e isso é importante, é pensar: "nossa, a vida é uma merda", e isso não ser um grande dilema. É, talvez, um fato e com fatos não se discute e por isso não se deve levar a sério o fato. Isso deixa margem para se pensar que, não importa tanto o fim, mas o que se está fazendo e eu vou concordar, mas dando minha condição: o fim é a morte. Nela nada faz sentido mesmo, é puft, fim do mundo, tipo esse texto que eu estou escrevendo, agora você estou lendo e agora você não está mais porque...