30 setembro 2009

dia de semana

Os dias em Petrópolis são sempre frios, mesmo quando quentes. Aqui tem tantas lembranças que às vezes mer perco entre o que sou e o meu passado, confundo o que faço com o que fiz e o que quero com o que quis. As ruas parecem saber minhas histórias, por isso, muitas vezes, por aqui ando acuado. A sorte é que aqui tem meus pais, que quando me veem num canto, na minha, sempre forçam um abraço que finjo que não quero. Dois dias sufocado aqui, feliz ao lado deles, e já me volta a vontade de me aventurar de novo pelo mundo. Vontade de fazer história.

24 setembro 2009

A decadência

Fosco. O espelho do banheiro embaçado do banho escondia a cara dele. Isso porque ainda tinha espelhos em casa. A mobília, outrora, confortável, agora era só digna. Não há meios, por mais que se tente, de se falar da decadência. O espelho embaçado do banheiro mostra um rosto desfigurado e cansado e mesmo a ausência dos espelhos deflagra a ausência de olhar para si e a mobília é, e sempre sá, a representação de um estado de alma, não uma alma metafísica, mas uma alma social, uma alma prática e objetiva.
Se cada um de nós é o que aparece e, como diria Wilde “só um tolo não julga pela aparência”, diria que a decadência é tudo aquilo que se vê como um eco do passado. É como se tudo que não se é mais, fosse...

21 setembro 2009

sem mim

Estava deitado na cama e apesar da luz apagada, da madrugada e do quase silêncio só interrompido pelos grilos e sapos que passeavam janela a fora, não conseguia dormir. Olhava com insistência pra pequena luz vermelha da televisão, o que significava que com um toque no controle, ela de novo acenderia e me traria de volta pro ritual que é dormir: sentir sono, deitar e ver um pouco de televisão, até desliga-la e virar para o canto. Resisti.
Não sabia muito bem por quanto tempo havia ficado ali parado olhando pra luz, mas sabia que era tempo o suficiente pra que um mundo inteiro se construísse e se desabasse. Foi quando de súbito me veio a frase: “estou escrevendo um conto.” Foi assustador, percebi que no meu silêncio havia criado, elaborado, formulado e editado uma história inteira com detalhes, tramas, ápices, clímax, clima, personagens e vidas completas, ou fragmentos de vidas, ou então o suficiente para que um conto fosse criado. A partir de então, comecei a relembrar e reescrever o conto, como se aperfeiçoasse o rascunho que havia criado sem perceber.
O meu conto era o melhor conto do mundo naquele momento, porque ele não tinha tempo. Trechos chatos eram interrompidos com reticências e lá se dava um salto temporal de um ano, dois, até mais, para mais um trechinho da história aparecer e quando ela se completava, aparecia como mágica o fim daquele trecho chato, e aparecia um flashblack a cores e corrigia a chatisse anterior. Uma personagem que havia morrido deixou o conto muito pra baixo e me revoltei contra o autor, mudei tudo de novo e fiz renascer aquela moça linda e loura que passara na vida do nosso herói, e ela voltou numa cena linda: chorava numa praça, sentada ao chão com os braços junto ao corpo e o herói que ia para o enterro de seu pai, vira ela ali daquele jeito e gritara o seu nome alto, ela interrompia o choro e sorria também, e levantando-se,
davam-se as mãos, olhavam para o lado e se abraçavam. A próxima cena era deles num restaurante. O pai dele não precisava mais morrer.
Foi assim, que entre a insônia e a memória, criei uma história. Ela era grande demais pra mim, tinha tantos detalhes que minha própria mente não podia comportar, não assim, do jeito que eu estava, na cama, preso, porque deitar e não dormir é uma prisão, ao menos que se consiga abdicar da noite, o que é improvável. Por isso que essa minha história ficou sem fim, porque ela entrou nos sonhos e me acompanhou ao dormir. Minha história ficou sem mim.

15 setembro 2009

menino

Muitas vezes tenho vontade de escrever como menino. Escrever a lápis e reclamar do meu pai que não quis me levar à praça ou da minha mãe que atrasou o almoço. Falar até daquela queda correndo pelo pátio do werneck que machucou meu joelho. Escrever como menino não pra relembrar coisas do passado, nem pra falar de memórias ou de saudades, mas pra falar do tempo. Aprofundar-me nele e expandi-lo em pequenos pedaços estilhaçados entre o que eu sou capaz de lembrar, o que eu vivi ou o que acabei por inventar no caminho. Falta meninisse, falta pipoca, falta recreio, mas escrevo pensando nisso que talvez seja amor. Não consigo escrever e penso que talvez não consiga porque seja meia noite e meia e que amanhã, num dia de sol, após ver uma amigo, eu chegue aqui e escreva como menino e sorria como menino e viva como ele e que seja tudo sempre um dia bonito, uma praça, um sorvete e um amor.

14 setembro 2009

qualquer coisa

qualquer coisa, qualquer coisa
que se apanhe, se arranhe, se agache
se encaixe, se dilate e desamarre
e se espalhe de fora, de dentro
de dentro fora, embora, na hora
no canto cheirando cola,
pedindo esmola, embaixo na sola
da sola, na cola e na poltrona
mandona, matrona, furona
que não saiba do segredo e do medo
e do recalque, do desfalque
do embarque, encaixe, desarme
alarme, empada, enxada, trabalha
sabado é domingo, sem dengo
sem feira, na beira do mundo
um tanto imundo, mas quarta-feira
já volta pra casa, embassa
mas volta embora poeira caseira
se assemelha vou dizendo
tá frouxa, tá frouxa, na moita

qualquer coisa, qualquer coisa
qualquer coisa que se diga...

13 setembro 2009

foda-se

As pessoas usam demais a palavra foder. Foda-se isso, foda-se aquilo. Fodi a noite inteira, to muito fodido, me foderam, tá a maior fodeção, não fode, e vão usando indiscriminadamente como se foder fosse palavra que subsituísse todo o resto numa atitude radical de não se importar, de cagar e até de rebeldia, talvez porque leiam kerouac demais ou talvez porque nunca tenham lido porra nenhuma. A questão é que sempre que se fala foder ou foda-se, pega-se um atalho, acha-se que está economizando tempo ou cabeça ou cansaço ou pelo menos alguma coisa que ainda não se sabe o que é, já eu acho isso bobagem, qualquer que seja o fato da vida é sempre bom perder um tempinho olhando, pensando e contemplando. A vida é mais contemplação do que a gente imagina, a coadjuvância é constante, a protagonisse não, por isso em matéria de foder e foda-se, prefiro ser casto.

06 setembro 2009

sutilezas e circunstâncias

É sútil, mas é sempre diferente escrever quando acorda ou quando dorme, depois de um jogo do flamengo com vitória ou derrota, com a mãe passando mal ou fazendo sua comida preferida, com sol e com chuva, sábado ou domingo, triste ou feliz, namorando ou solteiro, mais magro ou mais gordo, com dor de estômago ou saudável. É sútil, mas relevante, deve ser sempre levado em conta que enquanto eu escrevo numa circunstância, quem lê vive sob outra, assim sendo posso lhe manipular e você lendo pode me subverter. Vamos então dizer que estão o que eu escrevo e o que você lê em um abismo, sendo direcionado por milhões de flechas, vértices que empurram pra lá e pra cá.
Como já disse, tudo é metáfora pra tudo e não há por onde fugir, só fica mesmo esse exercício de tentar dizer o que sente em palavras e na certeza de não conseguir, chegar a duvidar até do que se sente. É isso.

05 setembro 2009

cerveja

chego em casa bêbado
e tá tudo maneiro
se eu tivesse trêbado
tava vomitando no banheiro

se eu tivesse quadrêbado
nem lembrava que tinha blog...

02 setembro 2009

polêmica, o fim

Voltando ao assunto anterior, aliás, falando do que eu queria ter falado mas me desviei. O cara foi perguntado na entrevista se, por ser ateu, ele tinha medo da morte. A resposta dele foi: “não tenho medo da morte, tenho medo de morrer” e começou uma longa explicação sobre o porquê. Ouvi e concordei. Disse ele que tem medo de morrer porque o homem é o único animal que é intimado a morrer sofrendo. Quando um cachorro tá muito doente, terminal, sofrendo, dá-se uma injeção e ele morre anestesiado, sem dor, sem sofrimento, sem pesares e melhor, sem a consciência do que é morrer. Já o ser humano não, além de tudo que ele vá sentir fisicamente e apesar de ser o único que sabe que vai morrer, ele é intimado a tentar sobreviver e aguentar até o último segundo de vida, porque seria errado. Ele é feito vegetal e observa-se o apodrecimento dele, o enfraquecimento, numa despedida fúnebre, grotesca, cruel e desumana, lenta e mordaz. Pensei que eu adoraria tomar uma injeção e morrer, como numa anestesia geral.
Depois pensei então em quantos sentimentos somos obrigados a sentir e que na verdade não nos são tão importantes assim: sentimentos de culpa, de pecado, de ter errado, de ter falado, de ter amado, de ter fudido. E vamos sendo obrigados a isso, sendo que estar com um amigo e rir de qualquer coisa é tão fácil, então porque desperdiçar tempo com esse tipo de coisa? A verdade é que vivemos numa sequência eterna daquilo que gostaríamos de fazer e não fazemos e a culpa por termos feito o pouco do que queríamos ter feito.
O que eu queria dizer, reduzi e não disse, mas foi que resolvi não sofrer agora...

01 setembro 2009

polêmicas

Assisti uma entrevista algum tempo, antropofagizei o assunto e agora resolvi falar sobre. Falava aquele cientísta-ateu que veio na FLIP, cujo nome não lembro, mas estou com preguiça de procurar o nome dele no google, além do mais, o que importa, vamos aos fatos.
Gosto de ateus, eles me parecem sempre engajados nas suas idéias, mas gosto principalmente pelo bom humor e ironia deles. Na verdade, eles têm certo prazer em fazer os que crêem parecerem ridículos e não sei porque isso me agrada. Talvez porque ache sacal essa pasmaceira geral, onde cada um “acredita no seu próprio deus”, ou melhor, “numa energia superior q não tem nome”. A religião conforta, mas estraga mais do que conserta, ela pega um problema novo e pelas proibições, conselhos ou regras transforma em estrutural mantendo-o e alimentando-o.
Há também os agnósticos que no fundo professam o “estou cagando”. Cagar é bom, também elogio os que cagam, por isso uma ou duas vezes no dia faço minha contribuição à essa gangue que caga. É até um certo problema, os tropicalistas por exemplo, estavam acima da esquerda e longe da direita na época da ditadura, eram tipo agnósticos, estavam fora do problema com outras soluções, acho que os admiro, porque não sei ser assim.
Quanto a ciência tenho pouco a dizer. Não tenho fé nela, na verdade não tenho fé nenhuma. A ciência não é para se ter fé, é pra ser usada pra coisas práticas, pra melhorar nossas situações de vida, nossa saúde, mas cada vez mais percebo que tudo isso é tão relativo. Relativizar também é ruim, só não creio ser muito inteligente crer em algo que é a prova concreta e máxima de que daqui a pouco haverá uma outra prova concreta e máxima que contrarie a primeira, embora venham me dizer que há regras absolutas, o que eu posso responder com “até agora”, daí vão dar o exemplo da lei da gravidade e eu vou dizer: “nada me diz que amanhã acordarei e ela aqui estará.”, vou parecer estúpido, burro, mas pra mim faz todo sentido. A questão pra mim é que vendem-se produtos e tiram-se direitos em nome da saúde, em nome do bem-estar, em nome da longevidade, em suma, a ciência nos serve mas também nos presta um deserviço, logo não dá pra confiar muito nela, apenas para utiliza-la, como uma pá ou um martelo. Creio que no fundo os cientistas são os pedreiros da intelectualidade.
O post ficou grande, continuará outro dia.