26 abril 2011

atravessar a rua

Por medo, atravessei a rua. Que fique claro que não atravessei a rua com medo. Estava austero, empinado, tal qual galo de briga, com o famoso peito de pombo ereto, mas atravessei...por medo.
Não si se faz diferença o “por medo” ou “com medo”, mas internamente, amigo, faz. Por exemplo, há um mendigo na esquina vindo em sua direção. Você não sente medo algum, mas atravessa a rua por medo. É quase como se o medo fosse conceitual, ao contrário do medo físico, iminente. O medo desvia da morte, mas também celebra a vida.
Atravessei a rua, então, por medo. Nesse momento havia somente eu, a rua e o medo, junto com minha ação de atravessar. Eu precisava acrescentar alguma coisa para fugir desse sentimento, então resolvi parar no meio da rua. Inteferir na vida, interromper o mundo. Não quis nem avisar aos outros o que faria. Odeio suicidas que escrevem cartas. O sujeito se mata e ainda deixa rabo, deixa rastro. Se mata e ainda chateia os outros, mais que o protocolo de enterros, velórios, funerais, missas, lágrimas. Se eu morresse agora, pensei, seria uma chateação, mas já não posso voltar atrás para a calçada por conta do medo e não posso ficar na rua para não ser chato. Resta-me o outro lado, então vou.
Agora que saí do trânsito, percebi que a rua estava deserta e interrompi apenas um carro que acabara de sair da garagem. O carro abre o vidro: “Tudo bem, vizinho?” “Tô bem, tô bem.”, e ele vai. A garagem ainda permanece aberta. Entrei.

17 abril 2011

Não-Ágape



Encontrei o livro Ágape do Padre Marcelo Rossi na estante e resolvi dar uma folheada. Li um capítulo do livro apenas e foi suficiente para que muitas ideias saltassem do livro e, na vã tentativa de organizá-las, escrevo agora.
Ágape significa “amor incondicional”. Isso está na orelha do livro, na última página, na primeira linha do prefácio e em todo o capítulo que li. No caso é o amor que Jesus tem pelos homens. Incondicional. IN-CON-DI-CIO-NAL. Isso quer dizer que não há um instante, uma lugar, uma situação em que Jesus não esteja ao nosso lado nos amando. É como se tivéssemos um peixinho e passássemos o dia inteiro ao lado do aquário observando cada gesto, cada passo, dando comida, afastando os males, trocando a água e, amando. Seríamos um ser feito de amor e que nunca se fartaria de amar. Por um lado, isso é extremamente bonito e poético. A ideia de que um ser afasta sua individualidade e entrega sua vida para cuidar das outras é o exemplo máximo de altruísmo e bondade. Por outro lado, há uma falta de respeito com o seu próprio ser. Se cada vida é feita para ser vivida e aproveitada, não é justo que se abra mão da sua que é única em prol dos outros. Ainda mais que, se somos imagem e semelhança de Deus, abrir mão de nossas vidas, é também abrir mão da nossa semelhança com Deus, e por conseguinte, dele próprio.
Um último ponto e talvez seja o mais importante. Estar todo o tempo amando incondicionalmente outro ser, ou no nosso caso, o peixinho, é dizer que esse peixe precisa ser cuidado. É dizer que nós somos muito importantes e que, sem mim, o pobre peixe vai para a ruína, para a morte e para o sofrimento. Nesse caso, amar é precisar e a incondicionalidade é uma violência. Amar incondicionalmente dessa forma, definitivamente não é um belo amor.
O segundo ponto do livro que se destacou pra mim é a completa falta de respeito de Marcelo Rossi. O livro foi escrito com absoluta displicência, preguiça, falta de cuidado. Escrito sem pensar hora nenhuma na melhoria do rebanho. Ele somente repete qualquer sermão, qualquer opinião óbvia, sem nenhum trato especial, sem nenhum ponto. Comenta os evangelhos como quem fala de notícias de jornal e trata com falta de respeito a instituição da igreja e seus fiéis. Incrível é ainda ninguém ter percebido isso, parece que algumas coisas todo mundo sabe, mas pouca gente tem coragem de dizer.
Eu deixaria meu texto assim, como foi escrito, mas ao contrário do Pr. Rossi, eu pretendo ter cuidado de quem lê comigo, portanto vamos às correções.

06 abril 2011

os ossos por dentro

Entro no ônibus. Venho da academia, acho que ganhei 3, 4 centímetros de bíceps só hoje. Eu tô feliz, meu corpo desenvolve bem, tá relaxado, acho que meu trabalho todo tá fazendo efeito. Entro e vejo uma menino franzino, pequeno, cabelo enrolado, barbado e com cara de quem tá se achando. Sinto vontade de dar um soco na cara dele. Enfiar a porrada sem deixar uma gota de sangue cair. Quebrar os ossos dele por dentro, estraçalhar o nariz, o maxilar e quantos mais ossos estão naquela cara frágil. Isso tudo sem sangrar e, se possível, sem deixar hematoma e se for pra deixar que ele no máximo fique só com uma vermelhidão. Nada de roxo, uma leve vermelhidão como se ele tivesse se maquiado ou como se eu tivesse roçado minha barba na cara dele. É um viadinho.
Pena que não posso socar aquela cara agora. Pena que não posso. Tô cheio de energia acumulada nos braços pra soltar em cima de alguém. Olha a veia, cara, tá até saltando do braço. Agora eu já to sentado e ele abre um livro. Não lê, fica só folheando pra aparecer. Quer humilhar todo mundo que não gosta de livro, tipo aquela empregada ali que nem tempo pra isso tem. Ele levanta, puxa a cordinha, vai saltar agora. O filho da puta mora bem, filhinho de papai. Se bem que, po...tá indo de ônibus, não deve ter tanta grana assim.
Eu tô perto da porta e ele tá vindo na minha direção. Ele é pequeno, mas cresceu muito agora que tá perto de mim. Ele tem todo um estilo e tal. Sem querer ele pisa no meu pé. Vira pra mim, sorri e pede desculpas. Não faço nada, nem respondo. Pronto, desceu.