26 outubro 2006

metáfora

Estava tudo alagado, mas a tempestade já havia passado. O caminho pelo qual eu sempre passava, agora era de barro molhado, mas ainda era caminho e ainda se via alguns vestígios de asfalto lá embaixo. Por ser estrada tão conhecida por mim, não chegava a me causar espanto vê-la nesse estado, que por vezes, eu já havia previsto poder se tornar assim.

Havia o caminho, havia a lama. Havia a trilha, como se alguém tivesse passado por lá antes de mim e tivesse estipulado uma linha, não muito reta, por onde todos deveriam passar. A trilha não era atalho nem era mais fácil, era, no entanto, uma segurança se descobrir compartilhando as coisas. Uma vez Clarisse me disse, apesar de não a ter conhecido, que o que nos protege da solidão é a solidão de todos nós. Era isso o q sentia ao atravessar a estrada: sentia-me sozinho, mas não o único sozinho por ali.

Havia o caminho, a lama, a trilha. Havia também o outro lado. Esse eu não conhecia, presumia. Poderia dizer que era minha casa, já que pouco antes disse ser uma caminho conhecido. Poderia dizer que era a casa de um amigo, um parente, poderia ser um bar, poderia ser uma infinidade de coisas que o andar era ocupado pelas especulações. Hoje, vejo que não importa esse destino, importa ir para lá e que chegar foi apenas meu ponto de partida.

Havia o caminho, a lama a trilha e o outro lado. Havia as palavras e as metáforas, que encarnavam coisas que eu, ainda hoje em dia, não sei.

Luiz Antonio Ribeiro
27/10/06

02 outubro 2006

sofista

Por alguns minutos fiquei com a tela em branco e o traço piscando à espera do primeiro comando meu. Eu, olhando a tela em branco e o traço piscando, tentava descobrir e depois entender aquilo que eu já sabia que eu queria escrever, mas ainda não havia organizado em linguagem, e esse é meu medo: que haja um abismo entre o que penso e o que eu digo. Eis que a idéia aos poucos toma forma e já me aparece com um sintagma: Vejo...

Vejo no mundo um equilíbrio de idéias. Nada mais prevalece como verdade ou como mentira, ou como certo ou errado. Adolescentes em plena crise andam sofrendo bastante com isso, quando tudo parece tão certo, as certezas são tantas e os rumos parecem tão marcados, num segundo lá vai a vida levando tudo embora para que seja tudo reescrito com outras perguntas.

Não que isso seja um problema, ou uma crise, na verdade, é resultado de uma democracia levada a sério demais. O ponto que eu quero vou descobrindo aos poucos, e chegando ao que eu quero dizer é: isso é um sintoma. Sabe sintoma? Não é a doença propriamente dita, mas anuncia doença, precede a ela, encaminha à ela. Muitos irão dizer dos prazeres da democracia e dos problemas de um autoritarismo e eu concordarei. A democracia é um presente, mas a liberdade e a potencialidade assustam.

O mundo contemporâneo é marca de efemeridade. Nada positivo pode durar para sempre, a não ser a promessa de um amor, pois nem o amor está sendo eterno, uma vez que nos últimos anos eles andam "sendo eternos enquanto duram". Acontece que o efêmero deixou no ar uma idéia de que toda idéia é válida, uma vez que ela será rapidamente trocada por outra, então o que for mais eficiente em suprir uma necessidade urgente vira escolha de uma eterno "carpe diem" subvertido.

Esse relativismo absoluto abriu uma gama de possibilidades mercadológicas, pois o fugaz é publicitariamente mais rentoso, pois gera divisas em curto espaço de tempo e constante propaganda barata de curta duração. Assim, o mercado de certa forma adotou os filhos do carpe diem, mas não é disso que eu quero dizer. O que eu quero dizer é desse relativismo democrático efêmero sintomático. Aliás, nem sei se quero exatamente dizer isso.

O mundo de hoje é sofista. Isso que eu queria dizer. Tudo se equivale e se transfere. Não existe essências, mas aparências móveis. Não existe modelo, existe diversidade. E nisso o mundo se perde em teoria, em fugacidade e em..distrações. O mundo de hoje é distraído e desfocado. É desencaixado e frouxo.

E o povo não sabe votar.