24 agosto 2010

texto doce (candy text)

De uma doçura sem fim, de um sorriso inimitável, leva a vida nos ombros como se fossem plumas. Sabe viver, sabe entender as regras do jogo e jogar com elas. Tem todos os sonhos do mundo e vai realizar todos porque antes de tudo sabe sonhar, sabe medir a vida em sonhos e os sonhos em vida, como conta gotas que cabem no menor dos frascos ou como o fino líquido que sai de uma espessa seringa. Deixa coisas pra depois, porque sabe que os problemas e as soluções tem data marcada e nisso nada podemos fazer, em outros momentos troca as mãos pelos pés e resolve atacar tudo e todos, olhar sério, focado e raivoso, e nesse caso é melhor sair de perto. Mas sabe e eu sei que isso é cena, porque no coração é só gentileza, alegria, ginga, dança, sorrisos, e paixões imensas. Nunca vai ser capaz de amar por amar. Ama antes de tudo o amor e quer ser estimulada a isso, não intimada ou julgada. Quer espaço pra si, mas quando for chegar que chegue arrombando a porta. Sabe ignorar agrados bobos e falsos e medir nossos pensamentos. Com o rosto forte me ensina a doçura, o peito aberto, o sono tranquilo, o abraço perfeito, o beijo escondido e o carinho cheio de ternura. Sabe que meu coração é dela e faz dele um cartaz, exibe pelos quatros cantos e eu orgulhoso faço cópias e espalho por aí. Sem ela a vida seria muito mais sem cor, mas não só: sem cor, sem sorrisos, sem sonhos, sem abraços, filmes não vistos, quase dormidas, praças, fotos, teatros, brigas, carinhos, piadas, imitações, risadas. Sem generosidade, sem alegria, sem justiça e sem paixão. Sem aquilo que faz da gente a melhor coisa desse mundo, e quem sabe, a mais feliz.

20 agosto 2010

Tarantino



Tarantino é tudo que já sabemos: o diretor hollywoodiano da ação, do sangue, do exagero e dos roteiros irônicos. Roteirista e diretor de filmes como Pulp Fiction, Kill Bill, Cães de aluguel, entre outros, a tônica de seus filmes está na concentração da ação num ultrarealismo, que chega a extrapolar as barreiras do real, dando um toque de quadrinhos ou de animação às seqüências. A concentração da ação é tão intensa, a suspensão da tensão, num acúmulo que se dissolve só através da violência, como se não houvesse outra saída, até que outra cena apareça e o ciclo se comece novamente.
Nesse movimento tudo pode caber na ação: desde um ator que sangra o filme inteiro, no caso de Cães de Aluguel, até os diálogos de um nazista atrás de judeus em Bastardos Inglórios. Tarantino consegue usar a fórmula de Hollywood de produzir filme, ou seja: um espetáculo de ação, com imagens tremidas, tiros, perseguições, drogas, violência, suspense, tensão, adrenalina, etc. Todas essas palavras que ouvimos serem repetidas à exaustão e não sabemos muito bem o porquê. A graça é que Tarantino consegue fazer isso CONTRA o cinema de Hollywood, ele se usa da fórmula para critica-la, para ironiza-la e é uma ironia tão intensa que causa um incômodo até patético na platéia, como nos sangues espirrando em Kill Bill, ou a aposta em que alguém perderá a mão na cena de “Four Rooms”.
E esse uso dele é interessantíssimo porque apresenta alguma resistência intelectual à forma de Hollywood. A platéia que identifica o filme como um filme de seu horizonte de expectativas, ao mesmo tempo, não consegue aderir por completo, e é comum o comentário de que: “é meio sem noção”, “ele exagera”. É que na verdade, não percebem o que Tarantino fez: explorou o mercado e o consumo contra si próprio, criando um estilo de filme popular de qualidade. Soube estar no mercado e entender sua própria mídia. Soube fazer arte e reinventar o cinema, justamente onde achávamos que nada de bom tinha mais para acontecer.

19 agosto 2010

a merda e eu

Não me lembro do primeiro cheiro que senti, mas não deve ter sido bom. Cheiro de merda provavelmente. Nada mais anti-humano que esse cheiro: seja na privada, no chão ou em imagens sempre o sentimos, está na memória mais que lembranças ou histórias. Nasci ao lado de um chiqueiro, via sempre os porcos chafurdando na lama, rodando pra lá e pra cá e aquela imagem sempre me lembrou merda, como se eu fosse também criado por ela. Depois fiquei sabendo que os avós do Saramago criavam porcos e de dentro da merda foi que ele se fez. Pouco mudou, ainda assim havia crescido na merda.
Eu era fresco pra comer e minha mãe dizia que comida era questão de costume, que comendo três ou quatro vezes a gente acostumava com o cheiro, com o gosto, com tudo. Nunca me acostumei com merda nenhuma na vida. Nunca quis chafurdar, apesar de muitos me recomendarem desde políticos, médicos, nutricionistas e até padres. São os genocidas da merda.
Tenho muitos vizinhos e meus vizinhos têm muitos cachorros. Todos cagam muito e o cheiro se espalha. Cada latido deles me traz o cheiro de merda. Passo quase de olhos fechados, por não poder fechar as narinas. Prendo a respiração, mas aí me forço a olhar. Tem algum imã na merda que chama mais atenção que qualquer outra coisa. É tão repugnante a visão que não consigo me afastar. Às vezes passo e tem três cocos, às vezes quatro. O máximo que contei foram nove, o que me fez pensar que meus vizinhos colecionam merda, juntam e as exibem como troféu, enquanto outros resolvem esconder e fingir que elas não existem. A merda é o preço da vida.
É esquisito, mas em alguns casos assim como no sucesso, a merda também sobe à cabeça.

15 agosto 2010

juízo II ou o conhecimento

- você sabe o que significa a palavra "prolixo"?
- não.
- você é prolixo?
- não sei.

Esse é um ponto meu: uma pessoa não pode ser aquilo que não conhece. É incapaz de inventar uma maneira de ser sem nome, pelo contrário ela se reinventa a partir do que sabe e conhece. Então, uma pessoa com pouco vocabulário, há de ser uma pessoa mais simples, rústica e óbvia, enquanto que uma pessoa com vasto conhecimento pode ser mais complexa, cheia de nuances e subterfúgios. Claro, tanto pro bem e pro mal. Quem sabe mais, sabe também mentir mais, inventar mais, se aproveitar mais dos outros, quem sabe menos faz isso na medida em que é capaz, na medida exata de suas necessidades sem nome.
Vidas Secas do Graciliano Ramos tem isso. A personagem é descrita como pessoa de poucas palavras, que emite grande parte de seus sons em ruídos, e portanto, aprendeu a pensar assim. É simples como seu cão baleia.
Digo isso para completar o comentário sobre o filme "Juízo". Julgam crianças e adolescentes por roubo, furto, homicídio qualificado. E elas não são nada disso, elas sabem que roubaram ou mataram e isso é feio, mas não têm e não podem ter a mínima noção do impacto disso, portanto têm menos responsabilidade. Quando elas dizem: "meu amigo me chamou pra roubar uma bicicleta e eu fui", dizem a verdade. É o tipo de pensamento simples de quem quer uma bicicleta e só. Não há esse problema da cadeia, da prisão de estar erado, da religião. A vida dela, em geral, já é uma merda mesmo, com uma bicicleta fica um pouco melhor, na cadeia um pouco pior.
Só há consciência quando pode ter consequência. Li num conto do Rubem Fonseca que a maioria das menores estupradas gostaram do ato sexual e quiseram repetir por vontade própria, e só se deram conta do horror e do absurdo quando foram pegas em flagrante, ou quando descobriram o que significava aquele ato. Pode ser verdade, não sei, mas fica o registro.
Não defendo ninguém, só tento ampliar os pontos de vista a partir dos elementos que tenho. Só quem sabe um pouco de lei pode escapar delas. Acho que é isso: quando a gente não conhece, só nos resta arriscar.

12 agosto 2010

Juízo

Ontem assisti ao documentário “Juízo” com minha namorada que faz direito. ‘Juízo acompanha a trajetória de jovens com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e o do julgamento por roubo, tráfico, homicídio.’ É interessante assistir um filme desses com alguém de uma área diferente da sua e perceber que as visões não são tão diferentes assim. Fica naquele papo de que todo mundo sabe dos problemas, todo mundo sabe das soluções, mas a máquina do estado, do capital, de toda essa burocracia institucionalizada não torna possível que nada mude.
Destaco do filme o papel da juíza que funcionava como uma espécie de advogado do diabo, ou seja, apontava o lado bom das coisas, não para que tudo melhorasse, mas principalmente para humilhar o coitado do delinqüente. A perspectiva dela, de quem teve uma boa família, condições de estudar em lugares bacanas e pintar o cabelo de loiro em salões caros, dando a ela um aspecto de advogada de filme pornô, não permite perceber que aquele sujeito de 16 anos não tem nada na vida dele pra prezar. A relação dele com a família, com Deus, com a escola, com os amigos não é por afeto, é uma relação de dependência, de submissão e lutas de poder. Ele só conhece o mundo por micro-lutas de poder, e assim, num determinado momento usa isso contra aqueles que sempre lhe massacraram, claro, de maneira errada que merece punição. É ruim ver que um rapaz que nunca teve seus direitos preservados tenha que pagar pelos erros que cometeu: quem não conhece os direitos, não pode valorizar os deveres.
O documentário acaba por ser um “mais do mesmo”. Tudo que já se viu sendo repetido, torcendo para que na reiteração se veja o absurdo e assim sendo, alguma coisa possa acontecer. Ok, não acredito nisso, pouca gente ali na exibição estava com vontade de debater o assunto: a maioria estava atrás de horas complementares, outras, sei lá porquê. A verdade é que hoje em dia não há nada que nos motive realmente.

09 agosto 2010

antenor em 1 minuto

O conto "o homem de cabeça de papelão" de João do Rio em 1 minuto:



Essa história é uma palhaçada: Antenor é um menino mimadinho, riquinho e chatinho que acha que fala o que quer, quando quer. Inconveniente, sabe? A mãe estranha, mas diz que ele é bom, passa a mão na cabeça, então dá nisso: fica sem limites achando que pode tudo, que é diferente. Quando fica jovem não quer ser malandrão, pelo contrário, resolve trabalhar, e muito até. Daí dizem pro melhor dele que ele devia ser bacharel e fazer um concurso, mas ele não! Quer ser pedreiro, metalúrgico, ou seja, é um comunista daqueles. Deve até usar umas drogas, aah deve. Daí ele se apaixona pela filha da lavadeira que ÓBVIO não quer nada com ele: um cara que não tem amigos, que só fala coisa que ninguém entende, é comunista! Daí ele fica na bad do coração e vai andar pela rua, quando acha uma loja de um cara que conserta cabeça e relógio. Bom, na verdade, o cara é o capeta procurando adeptos pra sua trupe. Antenor entra, deixa a cabeça dele lá pra ele consertar e ganha uma de papelão! Ufa! Daí sim ele se ajusta: fica rico, reconhecido, vira ministro, poderoso e dá um pé na bunda da filha da lavadeira que agora quis ele, obviamente. Esse capeta é até gente boa! Até que um dia ele passa pela loja do capeta que tenta devolver a cabeça dele, dizendo que é perfeita, cabeça de fodão. Ele nega, claro, a vida toda boa do jeito que ta. Pelo menos agora ele foi esperto. É...essa história é bacana. Eu gosto desse final. Obrigado.

06 agosto 2010

bentinho II - ficções de amor

Acho que entendi o que estava tentando dizer no post anterior, vamos lá. Quando estamos apaixonados, ou melhor, na situação da paixão (ou amor, enfim, a denominação pode ser qualquer uma apesar das diferenças)todos nós fomos impelidos pela tradição, pela igreja, pelos meios de comunicação, pela arte e até pela nossa natureza, a criar uma espécie de "ficção de amor", ou seja, criamos em nossa cabeça uma história verossímil onde em algum momento o mocinho encontra a mocinha, eles se conhecem, se gostam, tem um primeiro contato, repetem isso, o caso permanece, e isso se prolonga. Essa ficção de amor nada mais é que a construção de um sentido para o sentimento, ou seja, uma tentativa desesperada de classificar o que se sente dentro de uma ordem numérico-afetiva. Nesse sentido, vestimos a carapuça e cumprimos todos os protocolos que nossa cabeça nos faz imaginar como deve ser uma "bela ficção de amor". O caso é que: toda história de amor deve ter o antagonista. É aí que entra a situação do Bentinho, ele precisava completar o ciclo, chegar ao fim da sua ficção. Esse antagonista pode ser um fraco, um idiota, o que for, quanto pior melhor, na verdade. O resto é conhecido por todos nós. No entanto, na prática toda essa ficção é a coisa mais bonita de nossa vida e em pouco tempo ela toma tudo, como toma a mim, a você, como tomou Bentinho. Bom, de novo, eu só acho que entendi, então pode haver uma parte 3, quem sabe?!

02 agosto 2010

bentinho

Volta e meia aparece na minha cabeça a figura do Bentinho. Dom Casmurro é um livro que muito me fascina e me deixa assustado quanto aos fatos da vida. Essa questão de se Capitu traiu ou não tem muito pouco a acrescentar a discussão ou análise da obra, mas a figura do Bentinho tem muito! A verdade é que não importa o que Capitu fez, ela pode ter traído como pode não ter traído e a diferença é nenhuma. Bentinho tinha motivos para acreditar no que "via" assim como Capitu tinha motivos para dizer que aquilo era maluquice. O que importa é a subjetividade do Bentinho e ele tem uma profundidade tão grande que todas as questões são resolvidas, dissolvidas e vivem na cabeça dele. Parei de pensar aqui (começou o top five do cqc), qualquer coisa volto e escrevo mais.