31 março 2013

amor de livraria e amor de sebo

Costumo dizer que há dois tipos de amores no mundo: amores de livraria e amores de sebo. Os amores de livraria tem um cheiro de novo, um aspecto belo, higiênico, que leva em conta o estilo e a capa, a novidade e o avanço. O dinheiro está no caminho e avança pelo gosto e pela cultura, tomando o espaço pelas cores que tomam nossos olhos.
Já o amor de sebo é menor, mais baratinho, de fundo de galeria, amor dos amantes, dos especialistas, dos despojados e dos silenciosos, dos garimpeiros e dos alérgicos. Amor desbotado pelo tempo, com alguma traça, com gatos que espantam ratos e um amarelo que dissolve em meio à poeira. Amor estranho esse de sebo, amor que tem história, viaja e já foi da mão de outros: é livre e por isso mais intenso. É um amor raro e que precisa passar por todos esses testes pra ser amor.

Eu, claro, sou adepto ao segundo e comecei a pegar alguns livros velhos aqui de casa para revender afim de comprar outros pra mim. De repente, me deparo com uma dedicatória em um deles, de não sei quem e de não sei de onde e que tem apenas uma data: 1980. Eis:

"A friend is someone you love,
someone you cannot do without,
someone you long to be close to.

a friend is love, tenderness, security
a friend is everything.

to lucy babe
with all my love

chris"


Queria tanto saber a dona desse livro ou saber quem é Lucy ou Chris. Mas não, vou revender e repassar esse amor pra frente.

25 março 2013

menina gorda

menina gorda
que corre pra emagrecer
se você correr proporcionalmente à sua gordura,
fato que vai emagrecer,
porque
não vai sobrar mais tempo pra comer.

arta

cansei de falar em palavras
pro inferno a poesia e o inferno
deixa de ser bolha e vai pra vida
e faça com que a arte arta

21 março 2013

parece que sou

e eis que tudo desaba
e o mundo que não tem canto -
que não tem aba -
inventa metáfora pra explicar o inexplicável.

eu pulei o muro, saí de casa, sorri e me matei.
que explicação tem?
que dizer pros meus pais,
pros meus amigos
e pra quem diz me amar?
nada
e nem graça tem.

e tudo desaba em água
e só o que a gente pensa é nos outros
e na gente que é os outros
e nos outros que são a gente.

e puta, que merda
que fedor que é viver.
parece que voltei pro caixão
parece que sou micróbio
parece que larva
parece que lava
parece que sou terra
parece que souterrado.

14 março 2013

Amor é tudo que você precisa (2011)

Imagine observar o mundo de dentro de uma nave espacial e vê-lo lá de longe, pequeno, frio, insensível a qualquer tipo de coisa que aconteça com qualquer um de nós. Agora, aos poucos, imagine-se se aproximando da Terra, dando um zoom, chegando cada vez mais perto, e de aproximação em aproximação ir percebendo os detalhes, primeiro as diferenças de cores, depois as montanhas e o asfalto, as colinas e as geleiras. Depois ainda mais próximo, os prédios, os carros, os barcos, as árvores, as pessoas. Por fim, bem de perto poder ver cada ser individualmente, nos seus mínimos detalhes, seus pequenos dramas e conflitos, suas necessidades básicas e suas pequenas tragédias da inescapável condição que é viver.





Leia na íntegra em:

Resenha: "Amor é tudo que você precisa"

01 março 2013

esse poema

eu olho para um gesto e perco
encaro um olhar e mato
a vida me dá a impressão
de que tudo que toco é fraco.

acho o poema ruim e remendo
me sinto cozendo os fundilhos de um fato
aí eu me lembro que esse poema,
como a vida,
é também fraco.

rio

não quero ser perseguido
não quero ser enquadrado
quero ser como um rio
que nasce sequinho
e vai desaguado.

vão do breu

ai...as palavras...

um dia ainda vou parar de escrever
e nesse dia, em silêncio,
ninguém vai saber que parei.

e quando parar vou sorrir
sabendo que sei
que em algum momento
alguém vai procurar o que escrevo
e lá vai estar nada
nem letra
nem som
nem eu:
espaço vazio
no vão do breu.

e eu, sem existir,
vou lembrar que nasci
pra fabricar meus silêncios
como quem guarda
o filho que adoeceu.