30 setembro 2008

algumas outras frases

o engraçado de escrever é que às vezes em poucas palavras a gente fala do sentimento de uma vida inteira.

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eu sempre digo que as coisas são como são porque sou como sou, mas na verdade o problema não é ser como sou, mas não saber ser quem eu sei que sou.

***

um dia eu dormi com dor e acordei bem, só que a sensação é de que quase todo dia durmo bem e acordo com alguma dor.

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nem sou gay.

29 setembro 2008

o bom do amor

e ela acha que amar é isso, cheio de percalços e emoções, sempre quase pisoteado ao chão, a um fio de dar errado, cheio de choros, e reviravoltas, de tristezas e frases de efeito, de porres, de confidência com os amigos. Acha que amor é cheio de inimigos, como se o tempo todo estivessem ilegais, contraventores, amando como se tivessem fazendo tudo de errado no mundo em amar. Acha isso e se sente heroína, personagem de filme, Julieta, se diz capaz de matar por amor, chora o dia inteiro e sorri o mundo todo ao trocar uma palavra, depois se despede e chora de novo.
Madura ou não, ela não entende que o amor deve ser antes de tudo bonito, feito mais de núvem que de névoa, deve reinar sobre um tanto de paz para poder ser melhor. Simples como lavar as mãos ou escovar os dentes, simples como olhar um animal qualquer, amor sem desespero, logo sem limite, tão racional que se torna a coisa mais sem razão do mundo. E cada vez que a gente faz nosso amor melhor, mais a gente fica melhor, mais o outro fica melhor, e que quanto mais a gente chafurda na lama do nosso amor, mais a gente perde ele, mais a gente perde a gente, mais a gente perde o que ele tem de bom. No bom do amor.

28 setembro 2008

retrôbrega

foi conversando com uma amiga que cheguei a conclusão de que o brega na verdade é vanguardista, aponta pro futuro, porque usa do exagero e do excesso sua marca, como se um duplo clichê, ou uma dose sufocante dele, anulasse a possibilidade de acesso dele como um óbvio, assim sendo é o lugar onde se testam formas, porque a possível não aceitação, ou a análise simplista deixa passar o que no fundo é a base, ou o solo mais fértil para todo o tipo de utilização de novidades. Logo depois ela disse que um amigo a chamava de "retrobrega", daí foi engraçado porque assim que pensei nessa visão de progresso que tem no brega, a palavra retrô me apareceu como sendo o antigo, o que se assemelha ao rústico, ao passado, nesse momento eu entendi a menina, entendi que essa foi a forma dela encontrar o paradoxo dela, porque cada um de nós tem um, basta sabermos encontra-lo, depois disso tudo fica mais fácil.

27 setembro 2008

flamengo


Gosto dele porque é assim, exatamente do jeito que é, que foi e que tinha que ser.

26 setembro 2008

a bolsa e o mambo

(Dois homens fumam, aparentemente na entrada de um restaurante. Acabaram de almoçar e saíram, suas mulheres aguardam lá dentro.)


A – Será que isso vai dar certo?

B – Acho que às vezes a gente vai longe demais.

A – Você acha?

B – Sempre achei. A gente devia, sei lá, fazer coisas mais comuns, tipo ser padeiro...

A – Ou dançarinos de mambo!

B – Você acha que eu levo jeito?

A – Não sei. Dança aí um pouquinho pra eu ver.


(B dança)


A – É..acho que sim, só precisar perder uma pouco da barriga, não dá pra ganhar dinheiro dançando e com pança, né?

B – Precisar a gente precisa, o difícil é perder.

A – A gente? Eu tô super em forma.

B – Ah é, tá assim...

A – Tô...claro que tô. Mas voltando ao assunto, a gente aluga uma sala, bota anúncia e pimba!

(Aparece uma mulher. Eles disfarçam assobiam. B tosse com o cigarro.)


M – Mas o que cês tão fazendo aí? Alguém tem que ir lá pagar a conta.

A – Que isso, amor...que isso...

B – A gente tá aqui só fumando, falando de futebol, pimba, essas coisas, e já vai entrar.

M – Acho bom, acho bom. Lá dentro tá insuportável: o povo rico cada vez mais mal educado, mais pobre de espírito. É, esse mundo é assim, inverte tudo e empobrece o rico, pra enriquecer o pobre.

B – Que que tua mulher tá falando?

A – Eu sei lá.

M – Ain...saiu...

B – Pois a senhora está com uns modos muito esquisitos.

A – E por falar em sair, amor. A mulher dele já pagou?

M – Não.

A – E você?

M- Não.

A – Tá com a bolsa aí?

M – Tô.

A – vambora. (saem correndo)

B – Ei, ei...vou pagar tua conta não. Eita, viado, desgraçado... (Apaga o cigarro, bota a mão no bolso, entra no restaurante sacudindo a cabeça. Blackout.)


volta

volta, e lá vou eu para mais uma daquelas frases gigantes, confusas, com poucos pontos, aliás, muitas vírgulas que são pausas somente, que servem pra que o pensamento absorva a linguagem, porque não é a linguagem que se adequa ao pensamento, mas o pensamento que começa a pensar só desse jeito, e toda vez que se escapa disso, aparece deus, ou qualquer coisas metafísica, ou a gente chora, ou fica resmungando, essa que é a verdade, porque no fundo a gente fala muito mas a coisa mesmo volta.

23 setembro 2008

acalanto

um bebê chora ao longe, uma mulher se aproxima e pergunta o porquê. Ele diz: "cadê a paixão d mundo moderno? eu devia estar aqui e protegido." Outro choro dele, a mulher lhe acaricia e diz: "aqui também é o mundo moderno, é sempre assim." E isso teve de bastar para o fim do choro dele, é verdade e apesar de trágico naquela hora foi acalentador.

um clichê

quem não usa clichê não está pronto pra amar, pra viver, pra sorrir, pra ouvir uma música e sentir um arrepio repentino e assustador que quase faz chorar. Hoje mesmo helena disse que eu falo "nunca ri tanto e chorei ao mesmo tempo", é, eu misturo as coisas mesmo, isso não é bom, porque não é lá tão clichê. Enfim, o que eu ia dizer é que o clichê é perfeito para quase tudo, porque ele é o não técnico, óbvio e esperado, que lembra algo repetido muitas vezes mas que se encaixa com tamanha precisão que nos vem à mente a frase: "não há nada melhor para agora que isso."
e eu fico impressionado ao lembrar que todos os "eu te amo" que disse do nada assim foram tão clichês, mas tão adequados, e tão diferentes dos que eu imagino que posso dizer no futuro, porque talvez já não hajam clichês e que seja tudo tão pensado demais. Por isso que Claudinho e Buchecha é tão bom, por isso que Roberto Carlos é sucesso e a gente ainda ri com o Sílvio Santos, por isso que a gente ainda dá flores e leva pra jantares. Lembro, então, dos presentes que eu dei, das piadas que contei, dos cuidados, afagos, carinhos, não digo para uma pessoa, até para mim mesmo, até para minha mãe e pra toti, a minha gata, mas principalmente praquilo que eu estou pensando. Penso que fui tão clichê que foi a melhor rááá, não serei clichê...e penso que quem não entende a beleza de um clichê jamais pode amar. Como diria João Renato, porque clichês clicham...

21 setembro 2008

passo dado


Passo dado é passo dado, passado, passo riscado do antes como um vetor que aponta para frente, quase pro futuro. É sempre rente ao passo dado que está o que a gente sente, o presente e o que se tem do que ainda não é hoje, mas que ainda será, hoje, porque não há presente que seja para amanhã, porque se assim fosse, não haveria atividade que seria completada. E é desse passo dado que foi se fabulando, foi se construindo o que ainda não era verdade, mas que já não se podia apontar na cara com o dedo é dizer: é mentira.

Estava na cabine telefônica com o fone na mão ouvindo o som da máquina junto com barulhos de carros na rua, chovia de leve, chuva fina de dia de nuvens altas. O cartão estava no bolso, decidia ainda se ligaria, mas como já sabemos, já havia ligado porque o passo já fora dado, no entanto, é sempre bom retomar os momentos anteriores ao agora, não que eles nos expliquem, mas eles são a própria fabulação, não há nada que já não seja cinco minutos antes de ser.

Primeiro havia discado o número a cobrar, talvez porque aquela mensagem de antes servisse de ensaio para o que se diria, apesar de que tudo já havia sido ensaiado. Depois, repôs o fone no gancho e com a mesma mão pegou o cartão do bolso e enfiou na máquina, lembrou-se do tempo em que orelhão era de moedas, tentou imaginar quantas pessoas já haviam ligado daquele orelhão e quantas haviam ligado do orelhão antigo e comprado à moedas seus casos de amor. A outra mão, segurava o guarda-chuva, fechado e apontado para baixo, inflexível, como se metade dela negasse qualquer coisa que fosse fazer e dissesse “se for ligar, que ligue, mas não te darei mãozinha alguma” se é que uma mão pudesse fazer um comentário jocoso desse. Mesmo assim, essa mão não era necessária, a outra parte ia direto fazendo, sem consulta-la. É ela, agora já se sabe.

20 setembro 2008

tchubaruba

hoje vai ser complicado, depois que descobri mallu magalhães minha vida mudou, mas só a descobri algumas horas atrás. Entrei no clima dela, voltei alguns anos em minha vida e estou me sentindo leve, como se o sábado que era um virasse outro, e pensando bem, vou nem escrever, vou botar de novo qualquer canção dela aqui, tomar um danoninho e tchau tchau...se me procurarem estarei tchubarubing!

17 setembro 2008

Entrevista de emprego - exercício dramatúrgico - Ato I

(Um escritório. Uma mesa, um lustre. Outra mesa menor, um máquina de escrever. No fundo uma janela. A na mesa maior, C na menor. Entra Celso.)


A – Qual o nome do candidato?

CELSO – É Celso.

A – Celso de que?

CELSO – Meu nome... é Celso. Celso.

A – Mas Celso de que?

CELSO – De São Paulo.

A – Celso São Paulo?

CELSO – Não. É Celso Veira. Meu pai é que é o seu Paulo.

A – (pausa) Enfim, então é o senhor que está se candidatando para a vaga?

CELSO – Sim, senhor...senhor. Preciso, senhor.

A – Mas o senhor quer preencher qual vaga?

CELSO – Qualquer vaga, de faxineiro, de carro, tem vaga eu quero.

A – Mas aqui só tem vaga na área de advocacia. O senhor é advogado?

CELSO – Há 20 anos.

A – Mesmo?

CELSO – Muito. Muito advogado, sou advogado assim muito.

A – Então ok.

CELSO – Mas também sei fazer outras coisas.

C – (repetindo como quem copia) mas também sei fazer outras coisas...

CELSO – Sabe?

C – Eu não. Tu sabe.

CELSO – Ah.

A – Enfim, Celso...o que mais você sabe fazer?

CELSO – Do que o senhor precisa?

A de... (cacoando) um padre.

C (como copiando) Celso São Paulo.

CELSO – Viu? Ele sabe, sou padre já...

A – E...padeiro?

CELSO – Na minha terra eu era conhecido como o rei dos pães. Celso, O PADEIRO.

C – (copiando) São Paulo.

CELSO – Minha terra.

A – (ainda irônico, caçoando) Meu senhor, Celso, já vi que o senhor é muito capacitado para muitas coisas, o senhor poderia por acaso assim, subir ali naquela janela e buscar meu radinho que caiu no parapeito?

CELSO – Mas é evidente.

A – E fazer isso pulando num pé só?

C – Na minha terra eu era conhecido com Celso Saci, o saci mais famoso das festas, o mais conquistador. Era um ídolo.

CELSO – Ei, isso eu não disse.

C – Disse sim, eu anotei e tem mais, você disse outras coisas até.

A – Ora, disse ou não disse?

CELSO – Ter dito é bom?

A – É.

CELSO – Então eu disse sim, falei até mais de uma vez até, três vezes eu disse.

A – Pois então vá buscar o rádio.


(B começa a ir, quando A interrompe)


A – Calma, vamos fazer uma hipótese aqui. Ele ali...

C – Eu?

A – É...você!

C – Mas eu anoto só.

A – Mas agora vai fazer outra coisa.

C – O que? Ah, meu deus...

A – Você vai estar ali no parapeito, com o radinho na mão tentando se matar porque o Vasco perdeu.

C – Mas eu nem sou vasco.

A – Agora é...muito vasco.

C – Ah...droga.

A – Vai lá. ( C vai até o parapeito e começa a se lamentar.) Agora você, Celso, tem como função ir lá e convencer nosso amigo a não se matar.

CELSO – Está bem.


(CELSO se dirige até C que faz lamúrias do tipo: “Ah meu deus, minha vida num faz mais sentido, quero morrer, ó vida cruel.” Isso sem deixar que CELSO fale hora nenhuma.)


CELSO – Osh, mas esse sujeito num deixa eu falar...

A – Ora, meu amigo, seu tempo está passando.

CELSO – (para C, baixinho) Ei, amigo, teu dou 5 conto para tu descer daí!

A – Que disse?

CELSO – Nada, disse “é muito cedo pra partir...”

C – Não. 5 vezes infeliz é pouco, quero mais infelicidades, mais...

A – O que ele tá falando?

CELSO – Eu que sei?! (para C) Dez, dezinho tá bom, né?!

C – ò, só com dez infelicidades não há acerto com Deus...nada, nada...

CELSO – (alto) Vinte...Vinte...

C – Oh, você me salvou da morte, amigo.

A – Ora, vinte...vinte o que?

CELSO – Vinte...vim te resgatar, ainda bem que consegui. E aí, consegui o emprego?

A – Falta subir na mesa.

CELSO – (sobe) Só?

A – (improvisando) Subir no lustre...

CELSO – (vai fazendo) moleza.

A – E rodar.

CELSO – Ai...

A – E cantar.

(CELSO canta)

A – gritar, urrar, imitar um elefante.

(CELSO imita)

C – Tá fraco, hein!

A - Então pula pra cá.


(B pula. Escuridão.)

Ato II (continuação)

(um andaime. Celso entra. D está em cima do andaime e não aparece.)


CELSO – Tu tá aí?

D – To.

CELSO – e...cara, foi uma loucura.

D – mas loucura pro bem ou pro mal?

CELSO – Assim, pra tudo...foi bom, foi ruim...

D – Pega o cimento pra mim?

CELSO – Eu?

D – Não...claro que é, oras.

CELSO – Tá aqui.

D – Sobre e me entrega, enquanto isso, conta como foi lá.

CELSO – Então, cheguei me ofereceram cafezinho. Tinha uma loira assim grande, gostosa, que ia anotando tudo que eu falava e o cara da entrevista era muito gente fina, simpático, fez altas brincadeiras até.

D – Mas que maravilha...isso que é lugar pra trabalhar.

CELSO – É mesmo. Tu nem sabe. Vou ganhar dez mil!

D – 10 mil?

CELSO – É...fora hora extra.

D – Eu também quero emprego assim.

CELSO – Ainda mais agora que tua filha está grávida, né?

D – Minha filha?

CELSO – É.

D – Mas ela nem tá namorando.

CELSO – Tá sim...muito.

D – E quem é o pai?

CELSO – Eu.


(escuridão.)


Ato III (continuação)

(Escritório novamente. A e C jogam cartas.)


A – Eu tenho uma canastra real.

C – Mas tu num pegou o morto.

A – Por falar em morto, que foi aquele cara, hein?!

C – Foi uma maravilha, mas ó, nada de me botar pra morrer de novo...

A – Mas pelo menos a gente ganhou vintinho...

C – É...foi pouco mas já tá bom.

A – Com uns 10 desse já tá pra ter lucro.

C – Essa empresa é um sucesso, meu camarada...num tei falei?!

A – bendita hora, bendita hora.

C – Tem mais alguém pra hoje?

A – Tem um que ligou agora pouco. Disse que a filha está grávida e precisa muito de emprego.

C – Esse vai ser fácil.


(A campainha toca. A se dirige até a porta, abre, D aparece. Escuridão.)

16 setembro 2008

da visão

eu entendo um pouco de não entender as coisas. Estudar foi a forma que arrumei de entender um pouquinho mais; sempre tive dificuldade de entender piadas, comentários, trocadilhos e zuações. Sei que parece estranho, mas aprender a caçoar dos outros foi uma arte para mim, foi como aprender a dirigir, ou a tocar teclado: primeiro, você se observa e tenta sozinho, isolado, depois começa a observar os outros, depois vai aprender com eles. Nunca quis ser irônico, aprendi com a vida também e hoje em dia é a figura de linguagem que mais gosto, pretendo usa-la pra sempre em trabalhos, teatro, poesia, livro, seja o que for.
Falei hoje que gostaria de escrever mais fluido, como vejo os outros escreverem, tipo o Xexéu, mas não consigo, é inevitável que tudo comece a ficar truncando e eu complique o que eu estou pensando e assim fique tudo preso e tenso e complexo, ainda bem que não sou gay.
Então, acho comecei uma série sobre minhas defesas, pena que nenhuma delas é um ataque. Depois de ver o "ensaio sobre a cegueira" descobri um lado cego meu. Cheguei até a pensar em algum momento que a gente sempre olha cego para as coisas, é preciso olhar, desviar e depois voltar a olhar para conseguir ver, perceber, atentar. Quantos verbos temos para falar da visão?

15 setembro 2008

meu jeito


Hoje descobri uma coisa. Parte de meu desespero com a cidade do Rio, com o medo, com a violência, com a insegurança, foi minha maneira de impedir que eu me disperçasse no mundo, na cidade, no bairro, na rua, sempre há um microcosmos que eu imagino perigosíssimo, e hoje ao me descolar disso e tentar olhar por fora, percebi que se desviasse meu olhar, veia tudo com outros olhos, com alguma paz e felicidade e seria incapaz de aguentar a tristeza que viria, e principalmente, tudo que essa cidade linda me faria pensar...

13 setembro 2008

rio no inverno

A leve brisa da praia acende os faróis dos peitinhos de pêra das meninas de Copacabana, enquanto que em Ipanema uma leve cerração interrompe o fluxo dos faróis dos carros deixando à mostra mais a luz do que o iluminar. Pelos quiosques mais que movimento há um calor em ausência que apesar de não esconder os corpos, por momentos inibe parte deles que ali passam num balanço saudoso daquele dia próximo ao mar. Pouco mais para dentro estão os carros e os ônibus já quase vazios e silenciosos, não obstante os meninos que ainda vendem canetas e chocolates com suas frases monofônicas e monótonas, quase inauditas mas que anunciam um apocalipse qualquer. Pelas ruas há uma ainda uma brisa marinha quase cortante que se mistura com o calor e a fumaça dos motores dos carros que feito flechas cruzam o horizonte baixo dos olhos. Os bares continuam bares, com pessoas e álcool, cervejas e mesas molhadas, garçons nordestinos e favelados, cheios de viagens nas costas, no entanto parece existir mais, algo como um gesto nobre, como se ali estar agora fosse o revés dessa presença, como se apesar dos pesares ainda se vá lá, enquanto o calor não vem.

Cidade que foge do óbvio do biquíni e da calça curta, que aprende a vestir tênis e jaqueta que nunca caem bem como se não fizessem parte da vestimenta daquele povo, mais que isso, como se não fosse parte daquilo tudo, roupa vestida para se tirar; cidade que não abre mão do pagode de duas em duas esquinas à noite ao lado de barracas de cachorro quente e churrasquinho que forjam uma alegria de outra época, e que se percebe não dela ao andar mais alguns passos e se afastar daquele ponto, mas que logo se retoma alguns metros à frente com outra roda, outro samba antigo e outros quitutes cariocas.

Cidade que não muda tanto por fora, mais por dentro que por fora, mais do que podemos ver. Cidade que percebe na umidade da parede sem embolso a passagem do seu tempo nos cartazes velhos, lembrança da cidade que cantou em fevereiro o peso da vida, quase doída, quase sofrida, mas que cantou o sofrimento como se fosse seu porta-estandarte, como se fosse seu lema e seu tema, que cantou a vida como poema, mas que agora é memória.

11 setembro 2008

aperta o 5

cheguei em casa e algum vizinho ouvia all star, com aquela voz doce e grave da cássia eller. Sei que a situação tinha tudo para ser absolutamente cotidiana, mas não foi, antes eu vinha preocupado, público, coletivo, pensando na cidade e pensando em mim na cidade e abrir a porta da minha casa para o descanso e me deparar com uma canção que não pedi mas adoro foi um momento de felicidade, como se minha casa tivesse preparado tudo para me receber e eu nela, pudesse ser realmente quem eu gostaria, ou melhor, pudesse ser quem eu jamais poderia não ser. Sorri e lembrei da menina de camisa branca quase transparente que deixava o sutiã à mostra...

07 setembro 2008

maior amor

e foi hoje que fui tão feliz ao lado de meus pais, rindo e brincando com eles, como numa lembrança boa dos meus tempos de infância que descobri que nada poderia tirar minha felicidade, nada, porque se os amo hoje é porque aprendi a acumular de cadinho em cadinho e aos poucos pude perceber o maior amor que esse mundo pode ver e que ninguém, ninguém poderia me tirar

06 setembro 2008

algumas rimas

existe algo para ser dito, algo não dito, do tipo maldito, vivo, mas quase inaudito mesmo que seja dito.
complico e implico, chego de bico, aflito e pacífico, não grito, não imito e não me aplico, deixo o frio e o brilho mexerem comigo, mas me justifico.
cortado, meio atado e cansado, complicado e vazado, quadrado, vomitado de frango assado picado, atordoado e louvado pelo caso do moço magro.

01 setembro 2008

presente

Não esperei que me abrissem a porta e entrei. Lá dentro se ouvia um hip hop da moda que me incomodava a cabeça e me fazia ser ali um estranho, não gosto de hip hop, só bêbado, mas aí eu gosto de tanta coisa... Ele já devia estar a minha espera para dizer o que tinha a me dizer e eu para ouvir o que eu não havia pedido para ouvir, mas ele falaria porque é para isso que ele vivera, anotara tudo de mim e aguardava por esse momento. Eu só havia vivido como pude viver e sabia que ele anotava, mas isso nunca me influenciou, sempre que eu lembrava dele, lembrava de mim, e sempre que eu lembro de mim, lembro de tanta gente. Comecei então a refletir sobre o que ele poderia me apontar, imaginei alguns dias, analisando meu passado e cheguei a conclusão de que ele diria que eu sou assim normal e nunca pensei em ser qualquer coisa diferente disso, mas depois dirá que todos somos, ou será que ele num diz sobre todos? Talvez seja tudo tão pessoal mas tão universal que às vezes eu pareço com todos e às vezes não tenho nada a ver com ninguém.

O caminho até a sala dele era grande e tinha um corredor colorido mas escuro, velho, como se a cor fosse mais uma lembrança que uma realidade, mas lá estava porque eu podia ver. Não lembro como o tempo tava nem que horas eram, não lembrava se dormia ou se estava acordado, mas fazia pouca diferença, sempre levo a sério aquilo que eu sinto. Bato na porta e ele se levanta para abrir a porta, quando entro na sala ele já está se sentando e com o livro na mão. Eu estava suando nas têmporas, nos braços, nos joelhos, e nas mãos, como se o livro que ele segurasse jamais pudesse estar comigo porque talvez escorregasse, ou perdesse a cor, ou caísse e se estragasse, se é que isso é possível. Assim que me acomodei no sofá em frente a sua mesa, ele levantou o braço direito, coçou a cabeça, sorriu de lado e sem olhar para mim começou a falar...e eu por horas e horas ouvi.


blog

e é com susto que eu percebo que nunca mais postei, então por quê agora postar sobre isso? porque eu adoro metablogs...