06 fevereiro 2007

Virgínia

Existe um abismo em mim daqueles que jamais posso contar, pois corro o risco de ser chamado de prepotente, ou metido, ou egoísta, ou qualquer desses termos que costuma se usar para tornar uma pessoa mais despresível que você, por mais que ela demonstre mais recursos e habilidades. Quando disse recurso, acabei de me pegar dizendo exatamente o que devia ser dito: algumas pessoas possuem mais recursos que outras, o que não quer dizer absolutamente nada, na medida em que resultados nada tem a ver com sujeito, objeto, ou forma, mas talvez por uma inexplicável capacidade de agregar coisas, ou melhor, dispositivos.

Voltamos, no entanto, para meu abismo. Sinto, ou melhor, percebo, mesmo porque há algo de racional nessa percepção, que o mundo apesar de ser ridiculamente óbvio e repetitivo e pronto e estável, me torna totalmente inseguro, ou desprotegido, ou desguarnecido, ou uma outra palavra melhor que ainda não encontrei, ao mesmo tempo em que o mundo dos livros me traz resposta, segurança e me deixa a clara impressão de que sou o grande desbravador da vida e entendedor dos mistérios, ou ainda, que esse mundo dos livros me faz gênio e admirável, enquanto que ou outro, me faz criança perdida.

Ó culpa minha, e só minha desse desespero. Como é doloroso fechar uma página do Saramago e ouvir um vizinho ouvir Latino, ou ver minha mãe ouvindo notícias de futebol, ou ver meu pai, numa atividade de grande intelectualidade pra ele, lendo Danielle Steel. Ó como isso me enfraquece e me faz tão despreparado para tais ações. Serei eu o desajustado, ou será que meu desajuste não existe, é forjado, e simplesmente deixo o Saramago sair do livro, quando ele deveria adormecer em mim, ou somente ser estravazado aqui? Quanta falta de resposta, quanta falta de solução, quanta falta de felicidade...

E tudo isso porque estou lendo Virgínia Woolf, não deveria ter aberto esse livro.

05 fevereiro 2007

essa amiga


Tenho uma amiga que muito me interessa e muito me dá medo. Fico meses sem a ver, tendo as vezes impulsos de saudade, chegando até a achar de que ele não vive e não sai à rua, mas quando a encontro na rua descubro que ela vive muito mais do que eu.


- Você está morando ainda ali no Valparaíso?
- Que nada, vendi aquela casa faz cinco anos, fui morar no Quitandinha, depois fui pro centro e agora eu morando ali ó...perto daquela farmácia.

Engulo saliva e seco e penso: “caramba.”


E assim vai, ela conta da vida toda dela, dos namorados que arrumou e terminou, um maconheiro, outro publicitário e outro ex seminarista: “todos iguais.” ela diz, e eu vou ficando surpreso de ver como tem gente que parece que vive num tempo que é muito maior que o meu. As vezes acho que estou indo super bem, aproveitando os momentos e fazendo minha vida rodar, ou girar, porque rodar remete a um círculo e girar...putz, também. É nesses momentos que vejo que não encontro a palavra que eu quero, ou melhor não encontro a vida ou as atitudes na vida que eu quero.


Ao invés de tentar fazer minha vida rodar, ou girar, deveria ter feito a minha vida “espiralizar”, ou então simplesmente imitar minha amiga.

03 fevereiro 2007

Zuzu Angel, o filme

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2006. Ainda estou vivo, digo ainda vivo porque ainda quer viver. Não escrevo em/por urgência, pois minha vida ainda tem muito para ser, porém apresso-me com medo de, num encanto ou outro, num instante ou outro, ou um piscar de olhos, perder parte desse sentido, quase absolutamente abstrato que é viver.


Temo não chegar a dizer aquilo que exatamente quis, mas não temo a escrever e não entender. O fato é: estou vivo e a expectativa é que viva um pouco mais, ou muito mais. No entanto, como manterei viva aquela vontade que dizem nossa de perpetuação? De que maneira, eficaz ou não, justa ou não, meu corpo vai trabalhar para que eu fique no mundo?








Acabei de ver Zuzu Angel, por isso escrevo. A morte do filho Stuart é averiguada até o fim da/pela mãe. Ela de maneira alguma enxerga política ou relação de conduta na história, ela não devia nem saber que lado torcia, mas sabia exatamente o que o filho era para ela: A parcela de perpetuação da vida dela. Os vestidos iam ficar velhos, rasgar, serem usados por pessoas que nem os merecia, mas seu filho não, era ela, parte dela, que de tão não-ela, pensava e agia de forma tão confusa, o que na concepção dela, não parecia estar esclarecido, mas era o lado do filho, logo era o lado dela. E assim foi. Egoísta, narcisista, ela foi mãe. Culpada e infantil, ela foi mãe. Por isso, mais que absolvida, ela está perdoada. A catarse está feia. Feita até o fim, at[e a epifania, a ordem está reestabelecida. E mais uma vez a mãe está certa, não de acordo com a justiça, não de acordo com o mundo, mas de acordo comigo. Eu amo Zuzu Angel e sempre perdôo as mães.


Luiz Antonio Ribeiro
15/08/06