18 janeiro 2010

preocupar

É comum eu me preocupar. Porque na verdade mesmo, assim, na lata, existem duas preocupações e a gente oscila sobre elas: "estar ou não estar." Pode ser metáfora, mas não é tanto, ou é quase nada. Ou a gente está e se faz presente e cuida da gente e dos outros e toma cuidado com o que faz e se esforça pra fazer sempre diferente, não entediar ninguém, se arrumar pra estar bem, bonito, ou pelo menos apresentável, se divertir, rir, aprender coisas e ensinar coisas, estar pronto pra ouvir desaforos e dizer coisas bonitas e vice versa, ou simplesmente não está, se faz pela ausência, se tranca em casa, de preferência no quarto, faz todos sentirem saudades e se enjoarem entre si, correndo o risco de que isso nada venha a acontecer e você seja esquecido, fica desleixado e deixa a barba crescer, preferer ir pro bar quase sozinho e ver um futebol, jogar poker sozinho, compor pra si e andar na rua a esmo, errar mesmo - errante - com um livro no braço e óculos pra dar a impressão de que não quer ser perturbado.
É isso, escolhe, todos temos que o fazer. É o mais difícil, por isso digo que não tem como não se preocupar.

15 janeiro 2010

conhecimento e amizade

Cheguei a conclusão simples de que não sei quase nada na minha vida e percebi que isso faz parte até da minha maneira de encarar a sociedade, a política, a religião e quase tudo que se possa proferir opiniões, ou criar idéias, ou sei lá, qualquer coisa que se prententa.
Percebi que tudo que a gente quer saber a gente tem que controlar, dominar, como se o conhecimento fosse um cavalo arredio, ou gato arisco, ou um balão que no menor descuido se afastasse da gente e tomasse um rumo aleatório. O conhecimento ou a sabedoria seria essa âncora, esse arreio, que segurasse o pensamento, que o prende e o coloca numa jaula para exibição e a partir dali qualquer reflexão serve para reiterar e aumentar esse conhecimento.
Então cheguei a conclusão, assim, ao refletir sobre uma discussão de que meus argumentos podem parecer inconsistentes justamente porque sou incapaz de amarrar o que eu conheço, e acho que o que se sabe não deve ser amarrado, e sim deixado livre, como uma escultura fora do molde, como pássaro criado solto. A sabedoria deixada solta ganha movimento, ganha amplitude, ganha experiência, ganha riqueza, enquanto que o encarceiramento dela ganha excesso de rebuscamento e falta de nitidez, simplicidade e humildade. Porque tudo que se conhece deve ser humilde e ingênuo, qualquer coisa fora disso pode e é bastante perigoso.
Resolvi falar tudo isso depois de pensar sobre a amizade e percebi que meus grandes amigos são assim, soltos, porque não sei muito bem o que é amizade, até porque pra realmente saber deveria ter controle dela e isso é algo, que como o conhecimento acaba tirando a gente daquilo que a gente mesmo precisa pra ser feliz.

(escrevi isso depois de muitas cervejas e temo não ter sito claro)

14 janeiro 2010

meu tio

De casa ouvi a explosão, depois o grito. Era o rapaz que mora e trabalha aqui em casa. Quase um tio pra mim, pois me viu nasceu, me carregou no colo, tomou conta de mim, assim como o fez com todos os primos. É um negro que mora em um barraco que construímos. Um cômodo, onde ele tem luz, uma televisão e uma cama improvisada. Corri para lá e estava tudo queimando. O álcool que ele usava para cozinhar explodiu com o fogo, queimando seu braço e sua perna; chorava de dor, mas estava tudo escuro, nada podia ver. Horas antes eu chegara em casa junto com ele, que havia dito que fora comprar um frango no supermercado, que a janta de hoje seria boa. Voltei e peguei uma lanterna, vi parte do colchão destruída, o fogãozinho e o frango ainda no saquinho caído no chão. E ele chorava. Tive vontade de chorar com a injustiça desse mundo, tive vontade de reclamar com alguém, de gritar, de fazer alguma coisa para que isso nunca mais voltasse a acontecer. É como se eu tivesse uma dívida para com ele e devesse sempre protege-lo do que o mundo não o havia preparado. É como se eu tivesse uma dívida com todos os ele que existem. É um arrepio antigo que já nem sei mais o nome. Pegamos sua identidade numa bolsinha e o levamos ao médico, tudo está bem, mas o sentimento de injustiça permanece. E eu, ao contar sua história aqui, faço-a como homenagem; é quando percebo que não tenho fotos com ele, talvez uma ou outra num álbum antigo. Novamente aquela culpa e aquela dívida. É que a vida faz a gente ser tão assim como a gente é e o tempo vai passando. Parece desculpa, mas o tempo sempre vai passando...

12 janeiro 2010

ao correr dos tempos

Há quem diga que existe o raso e o profundo, o estreito e o largo, a luz e a sombra. Não creio. Creio que há algo na superfície e algo imerso, estreitos que sobram e largos apertados, e algo entre a luz e a sombra que é indefinição, como se não houvesse traço que os separasse e por isso não houvesse diferenças.
E que coisas no mundo que não são assim? O que há no mundo que não seja exatamente na superfície que o mais profundo que se materializa? Digo que as coisas se fazem na sua contradição, na disputa, na briga. A paz não é criativa, pelo contrário, ela é o momento em que tudo vira lagoa.
E eu, ao correr do tempos ou no silenciar da canção, sempre preferi o mar.

08 janeiro 2010

o cão

Era como um cachorro, na verdade era um cachorro. Eu sei que os cachorros andam se repetindo por aqui, mas é que existe neles uma metáfora que ainda está incompleta. Ele latia do umbral da porta, mas não saía, dormia no canto mais quente da casa, adorava duchas e mimos. Conversava sempre que possível do seu jeito meio atrapalhado, aredondado e inseguro, mas conseguia até que se sair muito bem. Algumas vezes se sentia um rockstar e tinha certeza que dominaria o mundo, às vezes gostaria de estar na tv ou ter sotaques, quem sabe latir mais alto ou melhor.
Dormia às vezes leve e às vezes cansado, esperava sempre a hora certa de querer carinho ou uma brincadeira, qualquer coisas que acendesse uma centelha do que tinha, mas acontece que quando acesa era um farol, uma fogueira, um incêndio. Ele sabia disso, havia feito uma vez pra nunca mais. Não que não quisesse, não era requerido, acostumava-se a viver dessa maneira, entre latidos da porta, cochilos no sol, desejos incompletos e esperas por carinho. Era feliz porque tinha coisas boas, mas não podia deixar de ser melancólico, porque simplesmente na maioria das vezes a vida o é.

07 janeiro 2010

sucos




Na indústria e no mundo atual tudo tem nome. Deboir estava certo quando falava da autonomia das imagens, tudo tem nome, tem imagem e logotipo, e essas coisas se fudem, se associam. A graça está no esvaziamento da essência, de qualquer essência, de qualquer coisa que pode parecer essência. Isso seria interessante se eu estivesse falando de alguma coisa abstrata, mas não, foi ao conversar sobre esses sucos de garrafa e copinho tipo ativplus que percebi. As coisas nem nos sentidos são o que são. Esses sucos de laranja com acerola não têm mais gosto nem de um nem de outro, muito menos deles dois misturados, e a cor, presa dentro do copo de um modo que quase não possamos ver é artificialmente colorida. Então, amigo, se você não gosta de laranja, toma esse sujo de laranja, ele é diferente. Açaí? não gosta? É porque você ainda não bebeu o acaí Ikó.
E assim, aos poucos, as coisas deixam de ser incômodas pra gente, tudo vai virando normal. Tem que ser saudável? Tem agora o actívia que faz tão bem quanto uma salada e tem em sabor morango, frutas cítricas, que beleza.
Nada mais é absolutamente nada, tudo é, na medida em que nos traz conforto, comodidade e nos mantém onde estamos, sem nos mexer, apáticos.

(e venda.)

06 janeiro 2010

última vez

Na última vez que nos vimos (juntos)
Havia no seu olhar tristeza
E no meu argumento e desespero
Havia em você uma certeza –
Ainda nebulosa pelas quinas –
De que rodopiaria a vida
Como ela era até então

Na última vez que nos vimos (juntos)
Havia algumas lágrimas de crocodilo
Havia a gente numa lanchonete –
com as piadas que ali fizemos
que ficaram perdidas em mp3 –
Quando na despedida de leve
Alguma coisa se quebrou

A partir dali não mais nos vimos (juntos)
Vimo-nos às vezes eu, às vezes você –
Mais eu, é claro, embora negue –
Até que pouco tempo depois
Você aos poucos cegava,
Embora ainda sentisse.

A partir dali só eu via
Pelo dois...

05 janeiro 2010

férias

férias é um período lacunar, por isso deve ser mais explorada não como uma época em que a gente se ocupa de divertimentos, mas pelo contrário, uma época onde nossa ocupação é nos desocupar para abrir espaço, abrir sala, praquilo que no futuro vem.