28 dezembro 2007

ano novo

Quando virar a meia noite do novo ano, quando virar 2008, quando virar o tempo fatiado, quando virar, se virar lento ou virar bêbado, ou virar triste, ou virar azul, não importa, quando virar que eu vire estrela, vire amigo, vire troféu ou vire mendigo, não vire gay nem vire as costas pra não..., vire mais padre, mais santo, menos pouco, mais muito, menos isso ou aquilo outro e mais esse, virar mais calmo e mais na paz, virar um pouco papa, já que de branco, na verdade virar religioso, chegar em 2008 sentindo coisas espirituais quaisquer daquelas que não se sabe definir, quero sentir algum infinito na virada, sentir um sublime, com todos os sublimes que me fazem entender. Virar o ano mais puro, acordar e tomar leite, preciso tomar mais leite, eu gosto. Virar o ano entendendo menos das coisas, e refletindo cada vez mais sobre o menos delas e ir cada vez mais fundo naquilo que eu sei que me mata, mas que nunca me deixa ficar longe de mim e comigo, virar o ano e se possível lembrar dela, e depois dela, e depois outra ela, e sorrir, se assim puder e der, lembrar que lembrei, lembrar que estou lembrando e ainda não esqueci, lembrar e pensar e querer estar. Passar a virada fazendo muito e esperando o ano novo que vem, virando, virado, mas vem, e que comece leve, e só pese mais pro final.

22 dezembro 2007

Eram azuis.

Aquilo tudo acontecera algum tempo atrás, mas ela já vivia hoje. Acontecera ou começará a acontecer, não está bem certo se aquilo ainda acontece ou se fora somente uma bandeira uma vez hasteada que deixou rastros por todos os cantos onde e por onde o vento perdeu velocidade, sem nunca perder intensidade. Estava úmida e estava pesada. Sentia um peso enorme das cortinas ao lado em seu peito. Eram azuis. Não estava deitada nem sentada, recostava-se de um jeito displicente que causava algum desconforto. Vez por outra parecia emitir um gemido, que no quarto vazio da cortina azul pesada se propagava e se perdia em meio aos móveis e ao edredom. Ali sabia o que esperava ela sem saber o que chegaria pela porta, mas sabia o que esperava. Esse saber vinha muito mais de uma força e de uma confiança no acaso do que de qualquer certeza que tinha. Se ali deitasse dormiria como ninguém, então se abaixou, e vazia, como ninguém, dormiu.

21 dezembro 2007

ônibus

Todas vezes poucas que tive senti um risco físico real ou que eu aparentava ser real jamais senti tristeza, ou medo, ou alguma coisa que me afastasse da vontade de morrer na verdade desde sempre gostei disso que sentia e já percebi algumas vezes que foi isso que salvou alguns dos meus dias do marasmo e do mais do mesmo ontem no ônibus não sei porquê raios ou porquê motivo ou por quê eu senti de repente uma imensa força em mim dizendo vai acabar e eu olhei pra janela e vi as luzes das casas pobres e sorri sentindo uma felicidade imensa de poder ter compartilhado de todas essas coisas naquele momento daí olhei as outras pessoas no ônibus nenhuma delas compartilhava daquilo comigo e finalmente percebi que aquele ônibus não ia bater e nada iria acontecer mas ontem percebi que o dia da minha morte não vai nem um pouco doer.

10 dezembro 2007

talvez pela ficção

Essa história fictícia de amor, talvez pela ficção do amor, talvez pela ficção da história, começa quando ela resolve nunca mais querer voltar para ele, não querer ser mais dele, a partir de então, ela vai ser mais bonita, mais sorridente e mais engraçada, todos gostarão mais dela, e talvez ela até seja mais feliz. Nos caminhos, ela terá muitos, bastantes, e trocará deles sem intervalos, não conseguirá nunca mais não tê-los e não seduzi-los. Essa história fictícia de amor, talvez pela ficção do amor, talvez pela ficção da história, termina quando ela resolve nunca mais querer voltar para ele, não querer ser mais dele e apesar dela agora já não ter tanta certeza disso, jamais voltará atrás.

09 dezembro 2007

aquela vez

havia a poeira e nenhum ruído somente o que foi que ela lhe disse veio partiu foi isso assim veio partiu veio partiu ninguém veio ninguém partiu apenas veio partiu apenas veio partiu



beckett

05 dezembro 2007

não fosse trabalho seria poema

Os espaços não são negados, nem as presenças, nem as torrentes, nem os pensamentos, nem as repetições, nem os hábitos, nem os vícios, nem as mesmas palavras, sendo ditas insistentemente, e se retomando e se repetindo formando novos horizontes e novas expectativas, mantendo tudo incerto e inexato, mas absolutamente coeso, numa coesão tão absoluta que apesar de tudo ainda se diz haver uma unidade. E apesar de tudo isso, ainda se nega uma coisa: o “eu”, essa instância discursiva vazia, só elucidativa quando enunciada. E negar o “eu” e não negar todo o resto é algo determinante.

30 novembro 2007

acho que

assim como falhar
é preciso amar mais
amar muito
amar melhor
pra quando falhar,
falhar melhor

28 novembro 2007

materno

tocar nas contradições, fragilizar as fragilidades, conter um anacronismo, estar dentro estando fora,cezzane, ibsen, virar do avesso, abalo muito forte, obrigado, ir com a pá procurar no solo o objeto, não é um broche, não adere em qualquer coisa, comparar chuchu com janela, tem ou não tem receita de bolo, ficção do eu - processo de conhecimento.

19 novembro 2007

ziul diz:
eu to querendo tirar minha graça
francisco... diz:
pra q?
ziul diz:
sei lá
cansei dela
francisco... diz:
mas e ai vc vai fazer oq?
arrumar outra?
ziul diz:
nem
ficar assim sem

16 novembro 2007

vaitchau?

As vezes vem assim na minha cabeça que se um dia eu resolver pedir ajuda para qualquer coisa, haverá muita gente para ajudar, mas ninguém para ouvir. Tenho aprendido muito sobre a escuta, e tenho concluído que até hoje ainda não tive um ouvinte, tive momentos, raros, que fui ouvido, mas pouco, bem pouco mesmo. Tenho percebido também que ninguém me lê, e os que lêem não percebem que muitas vezes estou e prefiro que essa frase fique pelo meio. Vou dormir, e um dia eu paro de escrever.

14 novembro 2007

buraco

Tinha um buraco. No dia anterior não tinha, no dia anterior estava inteiro, mas agora tinha um buraco. Não que estivesse furado, transbordando ou sobrando alguma coisa, nem que estivesse vazando e desperdiçando, simplesmente acordou assim com um orifício. Daí a saber que se tem um buraco é uma coisa, saber o que fazer com o buraco é outra, e o que se pode fazer com um buraco? E sobre isso jamais foi pensado e portanto nada jamais concluído, mas a certeza a partir daquele dia passou a existir: tinha-se um buraco, e nada mudaria a não ser uma pontinha que dizia que tudo aquilo começara no dia anterior.

11 novembro 2007

dissedele

Os sentimentos não têm tamanho, nem formas, mas esse de agora é diferente. Ele não cabe numa música nem numa poesia, entretanto continua sem forma. E em outra adversativa digo que apesar de sem forma ele pede uma prosa, mas uma que não muito vai longe. E dialogicamente vou dizendo e opondo e dizendo cheio de oposições que quero desfazer. Só quero dizer desse sentimento que não sei o que é e nem de onde é, e é? Não quero tentar explica-lo, nem falar sobre ele, só dele, assim, e nessa prosa frouxa, nessa prouxa, desse sentimento falei. Não me sinto mais leve, mas sinto que alguém um dia vai ler isso aqui e lembrar que hoje eu tive um sentimento e disse dele. E isso você faz?

05 novembro 2007

ar mulé

ziul diz:
cara...eu tava lendo um texto do jabor mt foda
ele falando q tá cansado dessas mulheres de bunda de fora, q agora a mídia controla a hora q vc tem q ter tesão
e q no carnaval tem tanta bunda de fora q não dá tempo de sentir tesão direito por nenhuma delas
Pedro diz:
daqui a pouco a gente vai sentir tesão em mulher de roupa
ziul diz:
é...
"caraca, aquela tá de calça larga, q tesao"
Pedro diz:
bom devia ser antigamente
tu tinha que usar a imaginação
hoje não
é tudo mais fácil..
ziul diz:
uhauhauhauhauha
é verdade
eu tava falando com a minha mae q assim, hj em dia ser "pelada" é um modo de vida
a mulher passa a vida inteira pelada
passa de ano pq ficou pelada pro nerd, fica pelada na praia pra arrumar homens, depois fica pelada pra arrumar emprego
e trabalha pelada
passa a vida assim
Pedro diz:
é verdade
depois mulher reclama dos direitos no trabalho
que mulher tem que ganhar a mesma coisa que o homem
pff
mulher ganha dinheiro mtu mais fácil
ziul diz:
uhahuauhauhauhuha
fato!
e assim, elas reclamam q sao assediadas...mas porra...elas passam a vida peladas
depois q ficam ricas querem parar??
nao tem como.
Pedro diz:
auhduahduahduahda
eu nunca queria ter nascido em outro planeta cara
o nosso é mtu manero

02 novembro 2007

senão transborda

Eu não sou um revolucionário. Muito menos um desbravador livre e moderno, um cara atual, antenado nas novidades do mundo e da sociedade. Pelo contrário, acho que apesar de toda minha atitude, até certo ponto anárquica, sou bastante conservador. Toda minha pulsão e revolução é retórica, na busca de um fio tênue de algo que imagino eu, deve ser conservado.
Em relação a mulheres então, sou uma múmia. No meu tempo, e não é que eu queira dizer que eu seja velho e as coisas mudaram, pelo contrário, quando digo no meu tempo, é na minha idéia de tempo, de passagem, de multiplicidade rítmica, enfim, no meu tempo mulheres eram ganhas com discursos, palavras e atitudes se não nobres, que forjavam nobreza. O Arnaldo Jabor disse numa das crônicas que para conseguir alguma coisa com elas chegou a apelar para Marx, Deus, e chegar a citar o ato como uma “luta contra o imperialismo”. Hoje, ou ontem, eu vejo muito que não. Não deixo de olhar os movimentos noturnos e as paqueras por status com um certo tédio, e percebo que os valores, até nos que tem valores, é que os que têm mais amigos são mais “aptos”, são alvos. E isso me dá preguiça, porque eu não mais sei interagir assim com muito esforço e pouca sinceridade. No fundo, até gosto da minha imagem, do tímido que pouco fala, mas quando fala sempre alguém ouve, aquele que perto de pouca gente, consegue se divertir com o mínimo e vê toda a atividade obrigatório com preguiça, essa é a palavra, tive de repetir.


A grande verdade, que na verdade é pequena, mas que eu sinto grande é essa enorme massa de solidão eu vivo. Acho que em alguns anos vou enlouquecer, já que hoje não consigo me fazer entender. Essa semana na faculdade ao estudar A gaivota do Tchecov, a professora dizia que apesar de ser levado como um cara dramático, ele estava longe disso, e que quando a personagem Macha começa a peça de preto e diz: “sou infeliz”, isso de nada lhe faz ser triste, ou pra baixo, pelo contrário, a infeliz é a q mais vive naquela peça, e é como se fosse “sou infeliz, fato, agora vou viver minha vida como puder”. É isso, e mais não se diz!

28 outubro 2007

“Mas não,

nenhum amor é incondicional. Então, acreditar na incondicionalidade é decididamente precipitar o fim do amor, porque você acredita que esse amor agüenta tudo, que de um jeito ou de outro você acaba fazendo esse amor passar por tudo.”
Michel Melamed

25 outubro 2007

fica

Quase que perdi a cena enquanto a pequena
Pintava seu quadro de nossa história
Que ela moldava do jeito dela e não pedia ajuda
Imensa astúcia a da pequena que não sabe o que quer

De blusa listrada e de sandália não sabia
Que era muito o que sentia e que pedia
E não era culpa minha se não tinha
Tanta vida e tanta glória e tanta coisa boa pra dizer

E eu em meio a tudo isso
Ou até apesar disso
Só sabia de uma coisa e repetia
A mesma frase num cartaz assim escrita
“vai..vai...vai...mas fica”


Luiz Antonio Ribeiro
26/10/07 - 1:30

23 outubro 2007

anotação de aula

o encatamento pelo objeto se dá no depois, através da memória, pois enquanto está presente ele está preso, faz parte do hábito. (existe o mundo do hábito com seus objetos de entretenimento, e um mundo mais abaixo da superficialidade do cotidiano, um mundo dito da "realidade", que só é percebido quando os hábitos deixam de entreter.)

20 outubro 2007

deixo-os

As vezes percebo de um jeito bastante forte, ainda que pueril, que tudo que fiz na vida até hoje foi gastar-me. Gastei meu corpo e minha saúde com comidas extravagantes, com bebidas altamente calóricas ou alcoólicas, com corridas desnecessárias, com excesso de sol, as vezes de chuva, com uma inércia absoluta daquelas de dar dó. O meu tempo gastei com esperas em dentistas, filas, cinemas, ou com conversas demais, ou aulas demais, ou sono demais, e fui gastando aceleradamente, com muito esforço de gasta-lo pela vida a fora e com eficiência, até que algumas vezes percebi que ele não é gastado, mas ele próprio se gasta na gente e continua a gastar-se. Percebo que gastei meus sentimentos, jogando-os nas horas erradas, nos dias errados, nos amores errados, gastei-os com tanto prazer e felicidade num momento que me parecia tão válido e propício, mas que hoje ao me mover a gasta-los percebo que eles já estão gastos, como se feridos houvessem cicatrizado, deixando marcas. Percebo que meus sentimentos estão gastos porque neles já não posso mais confiar, percebo que eles não são vivos, ele sse força a viver e eu o forço a viver, enquanto que ele mesmo não se faz de vivo, e talvez nem mesmo exista, entretanto penso que devo agradecer por assim ser, pois pelo menos penso sobre eles e sou sincero com eles. Deixo-os sempre em jogo, abertos, como chuteiras velhas à espera do camisa onze que chega, deixo-os em mim, onde sempre os levei. Deixo-os para sempre poder usa-los, deixo-os como quem deixa uma casa, ou uma esposa, deixo-os podendo sempre voltar. Mas deixo-os.

03 outubro 2007

de ir me

Não creio em nada, nem na escrita, não creio. E é essa descrença que me faz falar de coisas que não tenho parte nem domínio nem entendo. Na verdade, não falo sobre nada porque em mim não há voz, há em mim somente um eu que não consigo identificar, logo não consigo pensar, logo não consigo enunciar, não existe o meu enunciado, só minha enunciação. Repetir sempre é necessário. E falo porque a voz é aquilo que mais contém o meu silêncio e sempre que eu silencio eu falo tanto que acabam por pedir que realmente fale, então vivo nesse paradoxo: dizer para não dizer e não dizer dizendo, e assim, tenho de ir me confortando em não fazer ninguém ouvir, porque é necessária uma outra escuta que não a de ouvir. Acho que estou estudando isso demais, estou entendendo isso demais, estou me aprofundando e me silenciando demais, chegarei ao tempo que direi com um olhar mil palavras e minhas profecias de dimensões bíblicas estarão num mover das mãos, aí chegarei lá, e poderei perceber que na vida alguma vez fiz teatro. Acabo por, sempre, crente que consegui, a formatar níveis daquilo que eu deveria ou poderia, ou conceberia ter dito, se a minha vida fosse essa, pois se fosse, estaria eu limitado a muito pouco. Ainda bem que até agora ainda não fui eu.

23 setembro 2007

gosto

eu gosto da minha condição e de todas as minhas condições, gosto do jeito como sou chato e intenso, gosto do jeito como eu sorrio as vezes sem graça, gosto do jeito como encaro as pessoas, com muita sinceridade, mas com candura e gentileza, gosto de ser terno, de ser fiel, de ser direito e de fazer as coisas com tanta simplicidade, gosto de qd eu falo mal dos outros, porque sempre me saem as palavras de boca pra fora, pq só mal do que não vejo em mim, gosto de me chamar luiz e gosto qd me chamam de luiz, ou luizinho, me sinto em casa, gosto de ter feito tudo que fiz ate hoje, e gosto intensamente de ter minhas saudades, gosto de as vezes ter um pouco de nojo das pessoas assim como gosto de ser muito limpo comigo e com minha consciencia, gosto de estar sempre comigo e gosto de estar sozinho, gosto da maneira como as vezes acho q não consigo dizer nada a ninguem, gosto por saber que sei muita gente gosta de mim de graça, gosto de saber q eu sou um carinha legal q as pessoas tem prazer de estar perto, gosto porque sei que não sou perfeito, nem que sou bom, nem que sou agradável, mas porque sei que não mexo com sentimentos dos outros, nem deixo os meus pra trás, levo-os comigo de peito aberto, gosto de saber que passo por tudo que passo e aqui estou dizendo, nem medo de estar dizendo e sem medo de ficar triste dizendo. gosto porque digo que gosto de mim.

26 julho 2007

duas vezes

na vida,
só disse a duas pessoas "eu te amo",
todas de verdade, e de coração
e com um profundo sentimento de eternidade.
Tanto que hoje não retiraria essas palavras,
e até ousaria dize-las novamente
mesmo que para o vento.

Se você já ousou dizer, e hoje consegue retirar
Você não sabe verdadeiramente o que é amar.

19 julho 2007

mas do amor...

Tudo o que no mundo ocorre parece ocorrer sempre depois de um grande aviso. Tudo parece que vem como prenúncio ou prelúdio ou prefácio, tudo vem com uma exposição, tudo é empreendedorismo. É mister apenas estar atento aos avisos, não com os olhos, mas com a gente, com o corpo, com sabedoria, que aos poucos diluída nas pessoas, e nas coisas de nossa vida, vão tomando nossa forma e sem deixar de nos surpreender, tornam-se nossas. Há fatos, no entanto, que se anunciam a si mesmos, principalmente quando todos dizem q eles irão acontecer, mesmo que você negue e lute contra eles, as pessoas às vezes tornam-se esses anúncios e o mundo inteiro sabe o que vai acontecer com você. Nesse sentido, a gente não pode dizer que está abandonado, ou que está lançado à sorte, a gente tem um mundo compartilhando tudo com a gente, e desfilando e perfilando tudo, cabe-nos simplesmente, saber o q é do mundo, o que é da gente e o que é de fora da gente. Porque no fim, por mais que a gente brigue, tente, grite e esperneie a gente é o mundo e o que vem de fora a gente não reconhece, a gente se apropria para sorrir, mas depois a gente exclui, porque o que vem de fora é alienígena, e alienígena todo mundo sabe que não existe, mas do amor que duvida?

23 junho 2007

piscar do traço

Eu não escrevo nada além das palavras que correm ao piscar do traço da tela do computador. Assim e por isso, não posso jamais ser melhor que qualquer alguém que não escreva, que não entenda e que não pense. Jamais posso me pôr à frente só porque digo ter o dom da palavra, da cena, do ritmo e dos sons. Posso ser apenas um moço, pequeno e humilde que não sabe, que não tem dons nem instrumentos para nada, posso ser apenas o moço que escreve porque sente vontade e que entende profundamente que isso de nada adianta. E ao correr do piscar do traço da tela do computador frases são feitas e desfeitas, e acima de tudo esquecidas, para talvez um dia serem lembradas num momento qualquer.

17 junho 2007

hoje

Não posso fazer que seja perfeito, nem ao menos que seja feliz, porque perfeição e felicidade não são passíveis de fabricação, muito pelo contrário, a capacidade de percepção é inversamente proporcional à felicidade e a perfeição nada mais é do que o objetivo inatingível das noites mal dormidas e das pessoas mal crescidas.

O sonho dura mais que uma aventura e permanece até depois do fracasso, da tristeza e da inevitabilidade da queda. O sonho é a ponte do que nunca vai ser com o que não é, mas poderia ser, caso fosse perfeito. O sonho é o perfeito real, o que pode existir de mais perfeito na gente.

A vida é apenas a fração de todas essas coisas. É escorregadia e fugidia. A vida é a seqüência de segundos encadeados com pausas, voltas e quebras. A vida é a porta de saída das coisas, é a falha no dispositivo. A vida é a tristeza, a imperfeição, é enfim, o lugar do fim do sonho.

07 junho 2007



O Daniel é Placido
Placido é Daniel
se eu falar que ele é Tabuada
ele briga, pois Taboada ele é
e se mais uma vez ele briga
decido chama-lo de Zé.

Luiz Antonio Ribeiro
7/6/7

01 junho 2007

Assalto

A gente não sabe o que está acontecendo até acontecer, a gente age sem agir e saber que está agindo como se tudo parasse para ouvir a gente sendo, ou então, como se a gente parasse para tudo e fosse um ser em estado, ou em processo, ou em exercício. A gente sente medo e dores, se é que é dor esse estado completo de anestesia, ou então é até um paradoxo, sim e não, hoje e sempre, nunca mais. Não há sentimento nem metáfora que descreva, não há pensamentos, filosofias ou idéias que entendam, não há sistema quando tal ação acontece, mas acontece e o mundo pára, muito e tanto que nem parece existir. Nesse sentido, como um assalto parece amor.

30 março 2007

o cego

O cego sem sabedoria pedia ajuda sempre que podia, mas nem sempre era ouvido, pois não falava com os olhos que perdidos passeavam de lá para cá, sem irem a lugar algum. O cego tinha a dádiva de ser cego e não morrer anônimo e ser vez ou outra notado na vida, que para cego dura um pouco mais que para gente que enxerga. O cego também passeava no parque, ouvia músicas e assistia filmes, o cego também falava ao telefone, mas não sempre, não desperdiçava o contato humano que achava importante. O cego era burro e deu um esmurro e um esporro no menino que gritava com o avô. O cego era sábio e subia no parapeito da ponte do parque do pároco.

Passei esses dias no botequim do mané e estava lá o cego enxergando tudo e enchendo a cara com o povo do morro do gambá. Perdi o interesse dele, que agora até virou vascaíno.

06 fevereiro 2007

Virgínia

Existe um abismo em mim daqueles que jamais posso contar, pois corro o risco de ser chamado de prepotente, ou metido, ou egoísta, ou qualquer desses termos que costuma se usar para tornar uma pessoa mais despresível que você, por mais que ela demonstre mais recursos e habilidades. Quando disse recurso, acabei de me pegar dizendo exatamente o que devia ser dito: algumas pessoas possuem mais recursos que outras, o que não quer dizer absolutamente nada, na medida em que resultados nada tem a ver com sujeito, objeto, ou forma, mas talvez por uma inexplicável capacidade de agregar coisas, ou melhor, dispositivos.

Voltamos, no entanto, para meu abismo. Sinto, ou melhor, percebo, mesmo porque há algo de racional nessa percepção, que o mundo apesar de ser ridiculamente óbvio e repetitivo e pronto e estável, me torna totalmente inseguro, ou desprotegido, ou desguarnecido, ou uma outra palavra melhor que ainda não encontrei, ao mesmo tempo em que o mundo dos livros me traz resposta, segurança e me deixa a clara impressão de que sou o grande desbravador da vida e entendedor dos mistérios, ou ainda, que esse mundo dos livros me faz gênio e admirável, enquanto que ou outro, me faz criança perdida.

Ó culpa minha, e só minha desse desespero. Como é doloroso fechar uma página do Saramago e ouvir um vizinho ouvir Latino, ou ver minha mãe ouvindo notícias de futebol, ou ver meu pai, numa atividade de grande intelectualidade pra ele, lendo Danielle Steel. Ó como isso me enfraquece e me faz tão despreparado para tais ações. Serei eu o desajustado, ou será que meu desajuste não existe, é forjado, e simplesmente deixo o Saramago sair do livro, quando ele deveria adormecer em mim, ou somente ser estravazado aqui? Quanta falta de resposta, quanta falta de solução, quanta falta de felicidade...

E tudo isso porque estou lendo Virgínia Woolf, não deveria ter aberto esse livro.

05 fevereiro 2007

essa amiga


Tenho uma amiga que muito me interessa e muito me dá medo. Fico meses sem a ver, tendo as vezes impulsos de saudade, chegando até a achar de que ele não vive e não sai à rua, mas quando a encontro na rua descubro que ela vive muito mais do que eu.


- Você está morando ainda ali no Valparaíso?
- Que nada, vendi aquela casa faz cinco anos, fui morar no Quitandinha, depois fui pro centro e agora eu morando ali ó...perto daquela farmácia.

Engulo saliva e seco e penso: “caramba.”


E assim vai, ela conta da vida toda dela, dos namorados que arrumou e terminou, um maconheiro, outro publicitário e outro ex seminarista: “todos iguais.” ela diz, e eu vou ficando surpreso de ver como tem gente que parece que vive num tempo que é muito maior que o meu. As vezes acho que estou indo super bem, aproveitando os momentos e fazendo minha vida rodar, ou girar, porque rodar remete a um círculo e girar...putz, também. É nesses momentos que vejo que não encontro a palavra que eu quero, ou melhor não encontro a vida ou as atitudes na vida que eu quero.


Ao invés de tentar fazer minha vida rodar, ou girar, deveria ter feito a minha vida “espiralizar”, ou então simplesmente imitar minha amiga.

03 fevereiro 2007

Zuzu Angel, o filme

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2006. Ainda estou vivo, digo ainda vivo porque ainda quer viver. Não escrevo em/por urgência, pois minha vida ainda tem muito para ser, porém apresso-me com medo de, num encanto ou outro, num instante ou outro, ou um piscar de olhos, perder parte desse sentido, quase absolutamente abstrato que é viver.


Temo não chegar a dizer aquilo que exatamente quis, mas não temo a escrever e não entender. O fato é: estou vivo e a expectativa é que viva um pouco mais, ou muito mais. No entanto, como manterei viva aquela vontade que dizem nossa de perpetuação? De que maneira, eficaz ou não, justa ou não, meu corpo vai trabalhar para que eu fique no mundo?








Acabei de ver Zuzu Angel, por isso escrevo. A morte do filho Stuart é averiguada até o fim da/pela mãe. Ela de maneira alguma enxerga política ou relação de conduta na história, ela não devia nem saber que lado torcia, mas sabia exatamente o que o filho era para ela: A parcela de perpetuação da vida dela. Os vestidos iam ficar velhos, rasgar, serem usados por pessoas que nem os merecia, mas seu filho não, era ela, parte dela, que de tão não-ela, pensava e agia de forma tão confusa, o que na concepção dela, não parecia estar esclarecido, mas era o lado do filho, logo era o lado dela. E assim foi. Egoísta, narcisista, ela foi mãe. Culpada e infantil, ela foi mãe. Por isso, mais que absolvida, ela está perdoada. A catarse está feia. Feita até o fim, at[e a epifania, a ordem está reestabelecida. E mais uma vez a mãe está certa, não de acordo com a justiça, não de acordo com o mundo, mas de acordo comigo. Eu amo Zuzu Angel e sempre perdôo as mães.


Luiz Antonio Ribeiro
15/08/06

27 janeiro 2007

quem sou eu

O que eu quero escrever eu ainda não sei, por isso achei por bem me criar em um personagem, um assim tipo eu, mas que, também como eu, tem todas as possibilidades de ser qualquer coisa que queira, inclusive o oposto de mim. O que eu quero falar tem a ver com amor e com amizade, ou alguma coisa que flutue entre essas duas coisas, ou então pretendo falar sobre esses sentimentos como coisas ultimamente forjadas para preencher lacunas em nossas vidas. Não, não é isso que eu pretendia dizer, é mais sutil, tem mais a ver com meu olhar para o desespero das pessoas em sustentar estruturas, relacionamentos e sentimentos que por muito já vão ruindo, mas que parecem ser a única alternativa, principalmente em vidas que eu vejo que possuem mais alternativas. Por que raios essa dificuldade da gente em se livrar das coisas, de mudar, de chegar um móvel mais para cá e abrir espaço para um novo? “não pode, não pode”, o que pode, quem pode, se é que pode? Os tempos passam e os espaços também, e porque insistimos em pensar num sentimento, que ao ser projetado no passado vira poesia, e sai doe espaço e desse tempo, e assim, torna-se tão mais perfeito? É evidente que as férias passadas são melhores, ou que com aquele amigo a gente era mais feliz, isso é sair do gráfico.

É muito fácil responder a pergunta de “quem sou eu” dizendo seu próprio nome, ou apontando coisas como características e medos, ou fatos, descrever-se é apontar fatos, mas fatos são passados, assim como fotos. Entendo eu que pensar em quem se é, é pensar primeiro de tudo em um ser que é solitário, não sofrido ou sem amigos, longe disso, mas como alguém que nasceu sozinho, e vai morrer sozinho, alguém que vai passar essa existência sozinho, apesar de que algumas e muitas pessoas passarão pelo caminho. E depois de ser sozinho, pensar no que sempre fez parte de você, não pessoas, mas fatos ou impressões. Eu diria, por exemplo, que lembro de uma vez muito pequeno, na casa de minha madrinha ter descido correndo uma rampinha e ver umas quatro ou cinco pessoas a me olhar e me aparar para q eu não caísse, isso é algo que sempre esteve comigo, e deve portanto, fazer parte de mim, ou do que sou.

O que estou tentando dizer acho que é que as pessoas geram dependência na gente. Acomodamo-nos com certas presenças, com certas atitudes e com certas tendências a fazer o mais do mesmo, e nesse caso, não adianta repetir até ficar diferente, repetir é ver a variação do que já deu o que tinha que dar, mas como enfim superar essa premissa de solidão vivendo em grupo e tendo amigos e pessoas que tanto nos amam? Pessoas não nos amam, acostumaram-se tanto a gente que não conseguem viver sem, e ai de nós se nos afastarmos, é capaz delas fazerem pirraça,porém daqui a pouco se acostumam. A grande questão da vida é respeitar essas grandes questões da vida, é saber que as pessoas contribuem com a gente na medida em que elas aderem coisas ao que somos, não fincando na gente e grudando, pedindo sempre que a gente esteja “sendo elas”, ou “vivendo elas”, ou “amando elas”, quanto mais errado se dizer melhor, mais desesperadora fica a frase.

O que eu queria dizer, não está nessa conclusão, está no meio desse tempo ai, não sei onde, mas sei que de alguma forma disse alguma parte do que queria, a conclusão é só formalidade aristotélica textual.

18 janeiro 2007

filme

Fosse cena de filme, teria começado com um close no rosto apavorado e assustado da cigana para logo depois abrir a imagem e mostrando uma cena em que uma mulher de cabelos negros e vestido branco está sentada de costas para a cigana, que desfazendo-se da cara de susto, mantém um olhar de descontentamento. “É...o que vejo não é nada bom...nada bom...”, nesse mesmo instante começaria um trilha sonora das minhas fúnebres, e mais uma vez teríamos um close, só que agora da outra mulher, que usava óculos escuros e pulseiras. “Não me assuste, senhora...não tem graça”. “E eu lá faço piada, dona?”

Depois entraria a abertura do filme que seria alguma coisa para mostrar a última tecnologia da empresa que produziu, entrariam marcas de patrocinadores e muitas legendas, daí recomeçaria o filme cheio de histórias e pormenores. Imaginei tudo, mas imaginei chato. Bom mesmo é esse começo.