30 outubro 2011

os olhos

Teus olhos
têm muitas cores
algumas que nem sei o nome

junto todas
faço um arco-íris de olhos
passeio pela íris e brinco
com a menina dos teus olhos

de canetinha
termino a obra de Deus
colorindo-os ainda mais
com as cores industriais

porém, aos poucos,
as cores começam a desbotar
e teus olhos, fustigados,
começam a escurecer
e a íris, lentamente, empalidece

a menina dos seus olhos cresceu
agora veste preto
está de luto com a vida.

Chora.
Tomara que seja birra.

o que não foi dito

Tenho vontade de um dia só falar aquilo que jamais foi dito. Nunca repetir uma idéia, uma frase ou história. Esse pequeno ímpeto me levará às maiores loucuras reflexivas e ao esforço máximo de renovação do pensamento. Ou...simplesmente, acabarei em um infinito silêncio.

28 outubro 2011

condição

Houve um tempo em que um homem lutou sozinho com os moinhos de vento
e, abatido, caiu derrotado e esperançoso.
Depois, foram grandes ventiladores que, monstruosos, ostentaram seus movimentos perfeitos e triunfantes sobre nossas cabeças.
Hoje somos seres frios, sem batalhas, acomodados e resmungões de ar condicionado.

27 outubro 2011

poesia da manhã

Acordo cedo e não me reconheço.

Não sei se madrugo ou se anoiteço
Se sou o que reclama ou o que pede
O que despenca ou o que desce
O que brinca ou amadurece

Não sei se me divirto ou se pereço
Se mergulho na praia ou atolo na serra
Se gosto do grito ou do silêncio
Se sou de família ou do bar

Oscilo e não me reconheço.

E quando deito
tenho uma saudade sem nome
(saudade talvez em inglês)
de tudo que sou
quando não estou sendo
ou que não sou
quando insisto em ser
e essa saudade
me empurra pros lados
pra baixo, pra cima
e a cabeça latejante
pensa, duvida
e até o último instante
acredita na sorte.

Enfim, durmo.
Acordo cedo e não me reconheço.

24 outubro 2011

pequena dor



O que eu escrevo é uma pequena coisa. Como diz Veloso e Tê, “uma pequena dor (que)/ quase nem sequer me dói / É só um pequeno ardor que não mata, mas que mói / É uma dor pequenina, quase como se não fosse...” E eu pouco vejo dessas dores por aí de tanto que as pessoas forjam dores gigantes assim como forjam amores. Mas a palavra dor não é certa, não se encaixa na pequena coisa que escrevo, pois que, mais que dor, trata-se de uma sensação que até então me era desconhecida e que apareceu tal qual no quadro de Hopper. Essa sensação não é a de isolamento, muito menos da incapacidade de lidar com outro. De tão pequena, ela pode ser dita como um desacerto levemente melancólico.
O quadro do Hopper chamado “Cinema em Nova Iorque” me passa essa sensação. A moça não é feia, não é triste, nem sofre. Parece talvez que, por um momento, nem que seja só aquele que Hopper captou, ela pare ao lado do cinema, entre a entrada e a saída e pense. Pensa na vida com uma profundidade que eu não sei mensurar, pensa tão longe que toda a razão do universo está contida ali entre assistir ao filme e ir para a rua. Não, é mais que isso, o filme é produto de segundo plano, ela pensa no sentido do evento social e da vontade profunda de se proteger contra o filme, de não se deixar envolver, de esperar, de lutar contra essa ficcionalização das narrativas. E aí, por segundos, ela estanca e o Hoppper, com ela pensa no que vai ser daquele dia, daquela moça, que não se pode saber nada com exatidão. Sabe-se apenas que dói, mas só um pouquinho.

23 outubro 2011

pássaros amarelos



Algumas imagens me livram de viver. Essa frase pretende sintetizar muita coisa e espero que ela o faça. Primeiro foi o texto da Clarice, depois a imagem do Klee, depois a aparência dos pássaros amarelos. Como é difícil viver depois que se sabe que existem pássaros amarelos. Às vezes a gente tem tanto medo de ser, de virar as coisas, que uma paisagem, uma canção ou um amor parecem um esporro, uma ode à liberdade. Mas é que é preciso se livrar de muita coisa pra ser livre, inclusive da ideia de liberdade, essa grande prisioneira de vidas.
É por isso que os pássaros amarelos são o que são e é preciso sentir o mundo de forma bastante sublime para entende-los. Eu gostaria de um dia poder ter a capacidade de transfundir minha existência em seres da vida. Gostaria de realmente tocar uma criança, de sentir um gatinho ronronar, de pular numa piscina e sentir a água na pele, de sentir o vento estragar o cabelo com um sorriso, de andar de mãos dadas sem que pareça que, no caso, um ser prenda o outro. Eu gostaria, enfim, de conseguir ser menos eu, quase nada eu, um não-eu, pra chegar até o outro e lhe tocar com uma beleza que não tem no mundo, assim como fazem os pássaros amarelos do Klee. Eles não existem e justamente por isso fazem os maiores vôos em mim.
E no começo de um dia, gostaria de ver esses pássaros cantar (rouxinol ou cotovia, Julieta?) chamando o sol que vem. Como anotou Buarque: “e o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz...”

20 outubro 2011

Menina bonita

Menina bonita fake,
aproveita a beleza que os outros vêem
e que tanto você trabalha na academia.

Aproveita e tenta calar o sofrimento
do teu coração de feia.

trabalho

Eu trabalho pra algumas pessoas.
Algumas pessoas trabalham pra mim.
E essas pessoas que trabalham pra mim tem também pessoas que trabalham pra elas.
E as outras pra quem eu trabalho também trabalham pra alguém.
Os maiores chefes do mundo trabalham pra alguém, nem que seja pro sustento de seus filhos.
Acima de nós apenas Deus que trabalhou intensos seis dias e depois deixou as coisas como estão, pra gente, trabalhando, resolver.

14 outubro 2011

o choro e a água

Choro debaixo do chuveiro pra não ver minhas lágrimas
e saio do banho com o corpo e a alma lavada;
Seco tudo com a toalha.

06 outubro 2011

inteligência, graça, banco

Eu costumava achar graça em quase tudo e pensava que existia sabedoria em qualquer lugar.
Depois comecei a achar que sábio era quem não se preocupava em o ser e parei de achar graça nas coisas de outrora.
Aí encontrei novas coisas pra achar graça, mesmo que elas não fossem inteligentes.
Depois passei a achar graça em tudo e a achar todo mundo incrivelmente estúpido.
O tempo passou e percebi a graça e a sabedoria nas coisas simples da vida.
Aí me achei irritantemente estúpido: não existe nenhuma coisa simples na vida.
Mesmo assim continuei achando graça.
Teve também uma fase boa: dissociei inteligência de sabedoria e fiquei burro.
Pouco mais, percebi que o sábio é muito malandro pra dar tudo de mão beijada, enquanto que o humorista é, no fundo, uma puta.
Pouco menos, percebi que o sábio é um babaca aristocrata que quer guardar tudo pra si e o humorista um ser altruísta, que leva felicidade a todos.
Hoje não acho nada. Nem uma coisa nem outra.
Hoje, por exemplo, eu vou até depositar um dinheiro no banco.

03 outubro 2011

humor

Nunca achei que eu fosse fazer isso, primeiro porque me parece patético, segundo porque creio que algumas coisas não precisam de defesa porque não configuram nenhum ataque ou ameaça. O que me estimulou a escrever, mesmo que breve e caoticamente sobre o humor (eis o meu tema) foi uma frase proferida ontem por Emílio Surita, apresentador e dono do programa Pânico, no rádio e na TV. Disse algo do tipo: Me solidarizo com os companheiros de humor, essa nova geração de comediantes que está mudando a televisão brasileira e digo aos jornalistas que 'se o humor está mal, o jornalismo também está.'. Essa última frase ficou algum tempo martelando na minha cabeça como se representasse algum problema. Vamos guarda-la por enquanto.
Lembro da função do bobo da corte. O bobo servia para divertir o rei e seus súditos contando piadas, fazendo peripécias e um dos seus instrumentos era a inversão de papéis. Ele se colocava no lugar do rei e fazia suas bufonices como se fosse o tal e nessa posição expunha os vícios dos governantes e até suas contradições. Ora, é claro o papel do bobo. A ele era permitido o que a ninguém mais, ou seja, colocar em cheque o lugar do rei. Como bobo, o que ele fazia ou dizia não era levado a sério e se era, servia apenas como instrumento de divertimento e não recaia como algo que devesse ser levado a serio ou investigado. O bobo, portanto, é o primeiro subversivo do absolutismo e quiçá o último, pois seu instrumento era a observação e a capacidade de atingir o âmago das questões.
Lembro também do carnaval. Bakhtin escreve um clássico sobre a carnavalização na idade média, mas não quero me ater a isso. Quero somente expor a inversão do carnaval. Lugar onde o rei é um bufão e onde quem manda é o malandro, a baiana e a mulata. O carnaval tem tal poder subversivo que, na sua vigência, as leis tornam-se mais sutis assim como os pactos amoroso-sexuais. O carnaval, muitas vezes, expõe um líder frágil e tonto, frente à torrente popular. O carnaval, das fantasias, inverte a ordem do cotidiano e provoca um choque de realidades que é visto com graça, tanto que se diz “brincar o carnaval”.
Vejo o humor atual. O que ele tem diferente de qualquer tipo de humor? Nada. É um humor comum, velho como qualquer outro, mas que parece que havia sido interditado por um humor televisivo de estereótipos. A noção de Freyre de novo se dá no Brasil: Casa Grande e Senzala. Há um humor de dentro da casa e um humor da rua. Uma coisa é permitida aqui e outra ali e ai de quem resolver misturar. Acontece que sempre há novas gerações, e principalmente uma geração internet, cujo humor é produzido dentro de casa e exposto do lado de fora, ou seja, uma geração que não encontra o limite entre cá e lá tão bem exposto e resolver misturar tudo. O humor ganha, pensamos todos, penso eu, pensa o humorista e pensa o cientista político.
Todo mundo concorda que o novo humor é bom e ponto, isso é fato. Aí é uma raça, e agora eu retomo, chamada jornalista, o verdadeiro alquimista do século XXI e transforma tudo em qualquer coisa. A fórmula é simples: tira o humor do humor, pega a frase de humor, agora sem humor e a expõe fora de contexto para que qualquer um leia. Eu leio, você lê, qualquer um lê e pensa: “Que execrável, este senhor feriu princípios...”
Pronto, eis a minha explicação sobre a perseguição ao humor atual. Uma bobagem, pequena, insignificante que os jornalista tentam manter com forno a lenha para que os infinitos e sucessivos programas de debate e as colunas sociais dos sites que precisam ser atualizadas a cada segundo mantenham-se em funcionamento sem que esses profissionais precisem de demasiado esforço, afinal de contas, tem uns caras aí falando umas coisas que não pode, né?

01 outubro 2011

Futebol: A Insustentável Necessidade de ser Ídolo



A vantagem de ter apenas 26 anos é que, ao falar de futebol, o saudosismo não me invade, nem a memória cria subterfúgios falsos para análise. Imortal, para mim, no futebol é somente Romário e todos os outros são apenas candidatos do futuro. O que me reservo a dizer é apenas uma impressão do passado. Pelo que me parece, jogar futebol era mais que uma vocação, uma inclinação pessoal do jogador. Sem mistificação, a maioria deles não sabia fazer muitas outras coisas: não tinham estudo, não possuiam grande eloquência nas artes ou no discurso e o futebol era a maneira popular de expressar uma arte, uma inclinação pessoal para a beleza. E assim, jogava-se bola como um poeta: boêmio, malandro e transgressor, fazendo da bola um parceiro das peripércias inesquecíveis por uma platéia voraz.
Faço um salto para olhar um fato específico: a necessidade dos jogadores da atualidade em se tornarem ídolos. Jogar bola sim, se divertir com ela também, mas antes de tudo é preciso ser ídolo. A permanência de Neymar no Santos nada tem a ver com futebol, dinheiro, status, mas sim com a vigência de vir a ser um ídolo em seu clube e ver seu nome figurado ao lado de Pelé. Ronaldo, ao deixar a possibilidade de jogar no Flamengo e ao aceitar a proposta do Corinthians, percebeu que no seu time do coração, onde realmente poderia ser ídolo, já havia muito de sua vida pessoal com incidentes pessoais, problemas, histórias e controvérsias. No Corinthians, torcida apaixonada, ele reviu a possibilidade de recomeçar a construção de uma imagem de ídolo, agora nova e que se perpetuaria para a eternidade do clube. Esse fato chega a me espantar, como se Ronaldo, com o futebol que possui, precisasse realmente disso para ser um ídolo. Até a escolha de Adriano pelo Corinthians, após ter sido taxativamente negado pelo Flamengo, é a única possibilidade que ele vê de jogar bola e, ainda sim, ser visto como ídolo.
Esse fato tem se sudecido por tantas vezes que o que vemos são ídolos forjados, fracos, sem idolatria, a não ser aquela forçada pela impressa e atestada pelos tolos apaixonados. Tanto que alguns ídolos chegam até a renegar o status de tal, como Zico ao ver que seu nome acaba por se sujar ao ser colado à seu clube de coração. Poucos sabem se colocar na posição de ídolos e representantes como Rogério Ceni e Marcos; a maioria, buscando uma idolatria a qualquer custo, se rende a uma falsa masturbação de notícias com seu nome, elevando-o à status que nem ele mesmo pode prever e previnir, fazendo do nosso futebol um enorme berço de ídolos de segunda, fracassados, que caminham para finais de carreira triste, em que foram pouco ídolos em muitos clubes e amados apenas pelos tolos, nunca por aqueles que vem o futebol como a maior manifestação da beleza.