27 julho 2010

Antenor - parte 2 - "as cabeças"

Antenor - parte 1 - o projeto e as caixas

Um projeto teatral, ou mais que isso, um projeto também teatral. Antenor é o personagem principal do conto "o homem da cabeça de papelão" de João do Rio. O conto que flerta com o fantástico está sendo adaptado para os palcos por mim e por Leandro Romano e para os vídeos pro Francisco Ferraz, que filma ensaios e discussões. No fim, uma obra que abrangirá cena e tela, palco e internet, cinema e presença.

22 julho 2010

meios de transporte

- o que leva uma pessoa a...
- ÔNIBUS?
- nãão, po! Aaaa...
- TREM?
- não, espera. Eu queria saber mesmo, assim, tô só pensando, o que leva uma pessoa a...
- MOTO, CLARO!
- NÃO. Deixa eu falar! To querendo saber o que leva uma pessoa a...a...se matar...
- Aaaah sim, mas isso é óbvio: uma arma!

21 julho 2010

isso.

Não me sinto diferente de ninguém. Nem igual. Não há tal coisa no mundo, cada um é e não entendo absolutamente nada disso. Há no latim o gênero neutro e isso sempre me fascinou, fazemos dualidades o tempo todo e o gênero neutro burla isso, é a ironia, uma negativa afirmativa, a andogrenia, a indistinção. Escolhe o que tu quer aí, camarada, escolhe. Vai querer um, dois ou ambos? She, he ou it? Vai querer um saco ou uma saca? Uma girafa ou uama girafa? É macho ou fêmea? Decide o que tu quer, maluco chato. Esse ou essa?


- Isso.

18 julho 2010

justiça

às vezes penso na justiça penso em ser justo mas acho injusto que justo eu tão pequeno e incapaz tão pouco tão em paz saia do meu canto e sozinho passe dias pensando e pensando na justiça que devia ser justa não pra mim que aceito sua ausência mas justa com outros carentes de justiça sofridos demais

17 julho 2010

kubrick e a guerra

Semana passada resolvei baixar alguns filmes do Kubrick. Assisti, então, essa semana dois filmes dele de guerra, os dois me impressionaram bastante, então resolvi falar um pouco de cada um deles.
O primeiro foi "Nascido para matar", filme de 1987.
O filme começa num treinamento de fuzileiros que vão para a guerra do Vietnã. Vendo eu aquele cenário típico de Kubrick, mas com aqueles espaços conhecidos de filme de guerra, comecei por esperar o que tem, em geral, em todos eles. Me enganei. Kubrick usa de um ultrarrealismo, um exagero quase mórbido das ações e dos tipos de personalidades que devem ser neutralizadas, que nos leva a perceber o absurdo que é um treinamento de guerra. Nos leva a perceber todos os erros que vimos no Vietnã. Consegui perceber claramente o que é tratar o homem como estatística, mas não só o inimigo que "comunista" deve ser liquidado, mas também os seus. Não existem homens, não existe humanidade e sociedade, somente uma nação que deve ser honrada até o fim, até a morte. Essa lógica que me parece totalmente tresloucada é a lógica deles. Será ainda a lógica vigente? Aos poucos as personagens vão enlouquecendo de um modo típico, completamente diferente, mas enlouquecendo, perdendo a capacidade de perceber as coisas e, cada vez mais pragmaticamente levados a analisar os fatos. No fim...bom, parece que não tem fim.

O segundo foi "Glória feita de sangue", filme anterior ao primeiro que citei, de 1957:


Nesse filme a questão é do poder. Uma idéia, um desafio, uma oferta de posto é o mote para que um General resolva que os soldados de uma trincheira francesa invadam o chamado "formigueiro alemão". E um exército cansado e abatido depois de 2 anos naquela situação que não sai do lugar não acredita que é possível, nem seus sargentos ou coronéis, somente o General, que passa as ordens e todos acatam. Enfim, a morte de muitos e o recuo de alguns que são julgados por covardia e escolhidos aleatoriamente para o fuzilamento por não honrar a pátria.
Num determinado momento do fracassado ataque o Genaral manda que a artilharia mate seus próprios soldados que recuavam, como se a derrota deles, A MORTE DELES fosse a derrota do general. Conto a sinopse porque só isso já me parece absurdo, todo esse jogo de poder, essa impossibilidade de contestação de explicação, essa completa ausência de liberdade, impedindo que cada um seja capaz de analisar e julgar, faz com que ninguém, nem os poderosos sejam capazes de analisar e julgar. E no fim...mesmo que algumas coisas mudem, o fim é sempre fim. Fim após mais muitas mortes.

Era só isso mesmo que eu queria dizer.

16 julho 2010

2:52

Quando ela entristece o mundo parece de seda, parece ruir. Quando eu penso nela triste pareço pálido, me sinto daltônico e antigo, como se um sentimento de outra vida antiga me tomasse. É que as palavras são como lágrimas: escorrem pelo corpo e gotejam do ar pro chão, como se fosse trágica a viagem de toda palavra, como se só alguns silêncios soubessem dizer. Porque é num abraço que a vida se completa, que a vida começa, que as coisas parecem fazer sentido e é longe, em um medo, numa vergonha ou numa tradição qualquer, que as distâncias aumentam, então é a regra: quanto mais perto, mais perto. Porque gostar, talvez, seja entender que a saudade e a distância, se medem pelo pensamento...pensamento de quem se deixar levar.

14 julho 2010

morremos porque esquecemos que vamos morrer

Algumas coisas na vida eu não consigo aceitar. (e ninguém deveria, na verdade, a não ser por essa enorme quantidade de igrejas e livros de auto-ajuda que fazem você aceitar quase qualquer coisa e principalmente, ficam incentivando esperanças inúteis para que tudo se mantenha como está.) A gente passa quase a vida toda tentando, se esforçando de coração, pra esquecer que vamos morrer, pra esquecer que o tempo passa e vai nos corroendo e mais dia ou menos dia toda nossa dignidade será reduzida à pouca coisa, porque a hora da morte é hora que mais vamos nos expor e mais sermos nós mesmos. Me irrita saber que, apesar de tudo isso, de toda tentativa de esquecer que vamos morrer, às vezes acabamos morrendo por distração: porque esquecemos de botar o cinto de segurança, esquecemos de tomar um remédio, de olhar pros lados antes de atravessar a rua, de ir ao médico naquele dia marcado, de se proteger na hora do sexo, de não mexer com objetos pontudos, de beber menos quando vamos dirigir. Morremos porque esquecemos que vamos morrer e isso eu não consigo aceitar. Repito: não consigo aceitar que às vezes morremos porque esquecemos que vamos morrer...E esse texto fica assim, porque algumas perplexidades não tem explicação e não merecem mais que algumas linhas.

13 julho 2010

unha encravada



Unha encravada é uma excelente metáfora pra vida. Pra quem não tem, explico: é quando a unha nos cantos do dedo cresce pra dentro da carne e vai cada vez mais forçando, mesmo que não haja espaço. E a carne, um tanto quanto sólida mas frágil tenta a todo custo impedir que aquele ser estranho entre. Então o dedo começa a ficar vermelho, inflamar, doer, latejar e a gente que, numa vida corrida às vezes esquece de cortar as unhas, tende a futucar com a mão para dar uma leve sensação de descanso, o que acaba por ser, literalmente, um tiro no pé porque começa a inflamar mais ainda e sangrar. Por fim, com uma dor absurda, a gente resolve cortar aquela unha, trabalho que deve ser feito por profissionais que precisam cortar com cuidado, numa forma de quadrado para que a unha cresça de maneira igual. Caso seja em curva uma parte vai ficar pontuda, entrar antes na carne e vai causar mais danos, problemas, sofrimentos.
Acha que acabou? Que nada, quando a unha for retirada, vai ficar um buraco, uma vala, um poço e todo aquele espaço que a unha tinha ganhado da carne vai ficar à mostra e a carne ainda vermelha vai tentar permitir que o sangue circule e começar a relaxar, não sem antes ficar por dias e dias latejando. O buraco lateja, a ausência lateja e demora bastante a curar. Quando cura é por pouco tempo, pois a unha já está a crescer novamente.
Pensem e me digam num corresponde disso nos sentimentos. Eu tenho um escolhido...

09 julho 2010

Eliminando a seleção



Tive vontade de comentar da eliminação do Brasil na Copa do Mundo. Resolvi faze-lo algum tempo depois da derrota para que as paixões ou as subjetividades não interfiram no que eu escreve, muito embora tudo que eu vá escrever será dito pela paixão e principalmente pela subjetividade, porque só isso que o futebol é.
Tá ok, talvez não, existem fatores objetivos no futebol e vamos a eles: A seleção era limitada tecnicamente, o técnico era mais teimoso burro empacado, a CBF como um todo não se importa muito com futebol, tipo igrejas com nossa alma, o Lúcio é um baita líder, mas forjado, um líder meio sem identidade com o país, um bom líder para qualquer seleção, o que não faz dele um líder pra seleção brasileira.
E dizem os otimistas: "mas os resultados eram excelentes". Quais?, pergunto eu. O bom nível dos jogadores brasileiros faz com que eles estejam "acima da média" de muitas outras seleções, então não importa em que torneio estejam, serão favoritos e chegarão perto do título, o que não significa que seja um bom time, não significa nada. Esse "acima da média" acaba por mascarar um fato: ano a ano a seleção brasileira se enfraquece! E de 90 pra cá vem numa decadência sem fim, principalmente depois do filme da era dos craques da linha Careca-Romário-Ronaldo...
No entanto, a seleção atual enquanto sabia que não jogava bem, enquanto se percebeu limitada, conseguiu resultados. Os cabeças-de-área ficavam ali na deles, dando toques pro lado e pro meia (sempre dependendo do Kaká) que puxava um contra-ataque. A partir do momento, e na Copa isso se deu contra o Chile, que eles perceberem que, sim, eram candidatos ao título, tudo foi pelo buraco. O primeiro tempo com a Holanda foi a gota d´água. YES, WE CAN, pensaram no melhor estilo Joel Santana, e foi o fim do Brasil na Copa do Mundo.
A próxima é no Brasil e 4 anos antes já me cheira a fracasso, mas por favor, outra Maracanazzo vai ser dose...

08 julho 2010

bruno



Abraçado com os amigos fazia uma oração. Pedia proteção, pedia conforto, pedia que não importa onde fosse, pudesse sentir a Sua presença agindo na sua vida. Pedia que premiasse seus esforços e de seus colegas. Agradecia pela chance que teve na vida, pelos amigos, pela carreira que até agora tinha sido de sucesso, agradecia a família que tinha e agradecia por tudo que tinha, apesar de não saber nomear. Olhou para o túnel e viu uma luz ao longe, era para lá que iria, milhares de pessoas o esperariam, ali foram para ve-lo, sentir sua força, seus saltos, piruetas.
Terminada a oração, soltou-se do abraço, se abaixou e ajeitou as meias, a chuteira; de pé deu alguns saltos para se manter aquecido, vestiu as luvas, fez o sinal da cruz e num sinal do capitão correu na direção da luz. Viu um mar preto e vermelho gritando seu nome, fez cara de mau, depois sorriu, agradeceu, pensou que hoje era seu dia, que tudo correria bem. Colocou-se debaixo das traves, ajoelhou uma última vez e parou de pensar. O resto era com seu corpo, o resto era com todos, o resto era show, era espetáculo.
Tudo correu bem até o apito final. Foi a última vez que foi feliz, a partir dali nada mais aconteceria, a partir dali a vida era lá fora, e ali sua vida acabou. Seu último momento de vida foi quando olhou pela última vez aquela multidão rubro-negra. O fim da vida chegou, mas a vida ainda durará muitos anos. Porque não é pela oração, pelo que se diz, pelo que se faz: é por tudo que a gente sempre foi e nunca poderá deixar de ser que se paga.

05 julho 2010

segunda

Se é verdade, como eu disse antes, que só se escreve no sofrimento, então hoje nada que eu diga pode ser poesia, nada pode fazer sentido, nada poderá ser feito. Se é verdade que só se escreve no sofrimento, então hoje tudo que eu escrever será poesia de segunda. Segunda-feira...

03 julho 2010

Auschwitz

como fazer o poesia depois de Auschwitz?, disse Adorno
como fazer poesia sem ser corno?, digo eu!
como falar sem dor
como falar sem a ingratidão, a traição
o sofrimento, o corte, a ferida, a morte?

Como fazer poesia sem Adorno,
como fazer poesia sem a dor no coração?

como as crianças que não fazem poesia
e nuas, sem adornos, passeiam pelo mundo
a viver e quando desenham ou escrevem
é tal qual aquarela, exercício do imaginário

porque a poesia não é inocente
nem ingênua
nem pode ser
depois de Auschwitz.