29 fevereiro 2008

aham

, mas quem poderia dizer que nesse sentido, do que se tem sentido há senso, afinal de contas não há razão pra contar o que havia e o que não havia, porque apesar de haver fatos, feitos e instituições, cada dia mais aprendo que isso de nada vale e nisso se pode muito pouco confiar. O que importa sempre são essas outras coisas que a gente nem consegue contar, que faz a gente ser menos na prática, mas muito mais na ordem do mundo, ou do cosmos, sei lá. Tento dizer, aos trancos e barrancos, que existe alguma coisa divina nisso tudo, uma desmedida: nessas horas existe um deus, e tudo no mundo parece ser organizado pelo deus pra gente, cada pequeno pedaço, como se faltasse a gente pra juntar. E a gente junta...

28 fevereiro 2008

feito

É feito de lágrima, de suor, de muitos filmes e leituras, feito por ser pequeno, mais frágil, praticamente epidérmico; é feito de lentidões e aptidões, de chocolates e gritos de gol, de aprender acordes novos, de comprar roupas novas, de ir ao dentista, de ficar dias e dias em casa, só fazendo nada e deixando na mãe e nos outros a idéia de que se está triste. É feito de desejos e fetiches, de sonhos guardados, e rimas forjadas mais rimas forjadas, é feito de computadores e nojo deles, é feito de intransitividades e rompantes; feito às vezes de palavras que já nem se conhece, como admoestar; feito de canções de amor e de amigo, de Clarice e Saramago, feito de pó, poeira, pedra, fim de linha; de cicatriz na perna, de cicatriz no peito, de saudade, de muda espera e de sumiço, feito de tentativas frustradas e cansaços, de medo, algum medo, feito de cinemas sozinhos e pipocas não divididas, feito de frases de filmes decoradas para um dia usar, de choros nos filmes por falta de alguém pra compartilhar; Feito de ser o último a dormir e sentir uma dor ao ver um por um ir embora, mas depois que todos se vão: feito de paz. Feito de bolo e brioche, de flamengo, de abraço na mãe à toa e carinho no gato velhinho que já deixa saudade; feito de grandes paixões e não correspondências, feito de uma força imensa e de total falta de companhia, feito de um parceiro pra compor e compartilhar; feito de algo muito forte e sem palavras, uma coisa que é um enorme aprendizado que um dia pode o levar, mas que por enquanto é seu combustível, feito dessa imensa vontade de se fazer presente, de ajudar a vida de alguém, feito de poucas coisas e sentimentos pequenos como pureza, gentileza e raivas tão rápidas quanto suspiros, feito não de felicidade mas de profundezas de alegrias, feito do que pode ser feito, feito de vontade, potência e ar, feito de simplicidade; feito errado, incompleto, mas feito pra amar.

27 fevereiro 2008

agora

Me deu uma vontade imensa de escrever, daquelas incontroláveis, corri pra cá e, meu deus, foi com o maior espanto do mundo que eu percebi que eu não sei.

26 fevereiro 2008

quem sou eu

Sempre que eu me pergunto quem sou eu, a pergunta me soa pequena e vaga, como quem pergunta que horas são?. Seria bom um dia, quiçá, me perder com alguém e nesse encontrar (não era perder?) chegar num limiar onde não perguntarei mais quem é você?, mas que horas são?, na esperança de ainda nunca ser a hora de voltar a me perguntar quem sou eu.

17 fevereiro 2008

uma vez flamengo

Quanta ousadia a minha vir aqui escrever daquilo que eu não tenho a menor noção. Pela primeira vez eu posso dizer que faço pela primeira vez do jeito que faço. E esse espanto, esse enorme espanto de fazer uma coisa já tão tarde na minha vida, ou nem tanto, pela primeira me atordoa.

É um aprendizado, meu de conceber e realizar e dela de jamais entender. O melhor é que não preciso que nada rume para lugar nenhum, só ver os passos, as pequenas outras coisas boas da vida aparecendo, por isso que é tempo de celebrar, e celebrar cantando um hino, ou uma música boa, ou fazendo uma nova. Fiz e chama-se ontem.

15 fevereiro 2008

que se entenda


Se algum dia lhe fosse feito uma estátua, ela seria de bronze e ele estaria ali com uma roupa simples, um olhar que acaricia, sofre, mas tem raiva, as pernas ligeiramente arqueadas e os braços, ah os braços, estariam eles estendidos como oferecendo ajuda, oferecendo abraço, oferecendo os braços. E uma vez pedida a ajuda, ele piscaria os olhos, começaria a se mover e desceria para junto do enfermo, pedinte ou necessitado com o olhar terno que se pode dizer agora que se assemelha ao de um franciscano.

Seu nome, Francisco, era nome de orgulho e talvez o que ele fizesse aos outros fosse feito ao seu nome e ao seu orgulho. Ele não era bom e não entendia muito bem sobre a bondade, entendia somente do sacrifício da bondade, das greves de fome da bondade e da solidão dela, talvez por isso tivesse raiva: percebia nos outros o que se podia fazer para ajudar, enquanto que fazer ou não fazer lhe era impossível, já que fazia sem muitas vezes ser requisitado, acabava por sempre massacrar a vida alheia com a bondade. Era sua única arma.

Havia se apaixonado absurdo e exageradamente duas vezes e nas duas se prometera a amar para sempre e assim o fizera, tendo que, sendo sempre o elo mais fraco e tendo que se desapaixonar na marra, na garra, para o eterno e repetido bem. Até seus amores ele massacrou. Com o bem.

Agora, sentado numa pedra de costas para o mar. Há pouco tempo para tudo, sempre. Um dia, faz pouco tempo (para tudo, sempre) havia ouvido uma canção que lhe mudara a vida, pois não lhe trazia o que as outras trazia conforto ou inquietação, ou raiva, ou felicidade, ou indignação: ele havia descoberto na música ela. Foi o primeiro encontro que teve com ela e a partir da canção mais fácil seria esbarrar por ela por aí, ela estaria a espera, assim como a canção havia lhe mostrado sem sinais. Francisco não entendi muito bem o que dizia, sábado e domingo era dela canção.

Ainda de costas olha o movimento que assim passa por ele. Não estava ali para encontra-la, quando a encontrou pela primeira vez, não havia ido para encontra-la, ou será que talvez ele só havia a encontrado muito tempo depois de a ter conhecido? Sabe, por isso, que aos poucos ia encontra-la e que com o pouco tempo para tudo sempre ele não precisaria ter pressa, pois o que era deles já era deles e talvez fosse impossível esse quadro mudar. Sabia, de costas pro mar, que as coisas tomavam um rumo que ele não ousaria tentar adivinhar, muito menos antecipar, ou pular etapas.

Por isso, como em paz, resolve se deitar nas pedras e de cabeça pra baixo pela primeira vez no dia, se é que isso fosse possível olha para o mar. E assim, torto e desconfortável, imóvel como uma estátua, Francisco entendeu o que queria e pela primeira vez no dia sorriu. Havia ganhado um presente.

10 fevereiro 2008

shakespeare

Nunca senti que necessitavas ser pintada,

E por isso nunca te pintei a beleza:

Eu achei, ou achei que achava, que excedias

Aquele pouco que um poeta pudesse fazer:

E portanto eu permaneci quieto ao falar de ti

Que tu mesma, tão destacada sendo, bem poderia mostrar

O que falta à uma pena moderna

Falando do valor, que valor em ti reside.

Esse silêncio atribuíste a meu pecado

Que deverá se provar minha maior glória, tendo permanecido mudo,

Pois eu não prejudico a beleza ficando mudo

Quando outros dariam a vida e falariam disso, criando um túmulo,

Há mais vida em um só dos teus lindos olhos

Que ambos os teus poetas poderiam em elogio criar

02 fevereiro 2008

carnaval

Carnaval não é um evento, uma festividade, um feriado. Carnaval é um estado, um processo, um enigma e uma sigla. Não é para todos a mais popular das festas, é para quem dele entende, e é difícil esse entendimento. É feito não de canções, mas de insinuações de canções, de ritmos quebrados, baladas torcidas e letras tristes. Carnaval é a principal hora de se lembrar que é triste; lembrar, mas jamais morrer, só de for de amor num dos passeios ou blocos da vida. É a hora de comemorar a tristeza e celebra-la, transforma-la num elemento importante da vida, de convívio, mas é também a hora de torna-la natural e fazer que a partir dela o resto do mundo venha. E com o resto do mundo o melhor dos sentimentos: a alegria.


É hora de olhar pro lado e procurar o arlequim que chora pelo amor da colombina no meio da multidão. É hora de ser arlequim e o pierrot, esbaldar-se sem a colombina e depois de tudo lembrar-se que tudo é feito em nome dela, mas fazer. Alguns perdem a memória, outros os sentidos, outros a vergonha e todos a dureza, a carranca, ganhando malícia e lembrando dos pais e avós, das histórias dos carnavais deles, tentando sempre honrar a família e ter carnavais como os deles, se esbaldando por aí. Carnaval é a hora de se apaixonar pela vida, talvez a única hora que vale a pena, talvez a última chance, depois é esquecer do carnaval, cuidar da ressaca e da gente e lembrar que o mundo não é feito de azul. Carnaval, hora de dormir de um jeito diferente.