25 dezembro 2010

O natal

Se eu não faço um post de Natal fico incomodado. E pra mim o natal tem uma questão dupla: por um lado é uma festa superficial, de contato com pessoas que não somos tão próximas e de quem não somos obrigados a conviver. Mas se é assim o Natal, também é da possibilidade que nosso calendário dá de nos aproximarmos dessas pessoas, de nos deixarmos tocar por um sentimento calmo e bom de que tudo é harmônico e faz sentido e, principalmente, de que viver faz bem.
Sei que a vida não é feita disso, pelo contrário, ela é árida, dura, seca e na maioria das vezes ruim, mas isso faz parte de um engajamento necessário para transformação. Se aceitarmos que ela é ruim, podemos mudar, se nos deixamos tocar por esse sentimento bom, ficamos achando que tudo deve estar como está.
É uma excelente duplicidade: se sentir bem, apesar de saber que o mundo não é bom assim e poder transformar nossa vida e a de muitos. O natal é político, ou poderia ser.

19 dezembro 2010

isso idéias nisso

Faz tempo que não faço isso. Abrir uma página em branco e me deixar escrever qualquer coisa que me venha à cabeça. É uma pena que quase todas nossas idéias morram ainda antes que se possa vislumbrar, ainda que a distância, a concretização delas. Bom, na verdade, quando a gente pensa, elas estão claras e belas, já as vemos prontas e perfeitas, mas alguns segundos depois elas nos escapa e voam não sei para onde. Seja porque nosso ônibus chegou, ou porque um barulho incomum na rua chamou nossa atenção, ou pela bela moça que passa com um forte perfume, ou porque uma música soou em uma cabine policial e isso é ironicamente belo.
Nossas idéias são como sobremesas. Não servem pra saciar nossa fome de vida, mas para adoçar nossa saciedade. Essas idéias, quase que sempre mirabolantes, dão um gás pra encarar o asfalto, na verdade, elas abrem um buraco negro na rua, e nos carrega pelos braços pra um outro lugar. Quando se vão, resta-nos somente nós próprios e uma vontade de escrever ou contar pra alguém. No entanto elas somem, evaporam, desvanecem e fica-nos uma sensação de fracasso, de perda, de esquecimento. É triste. Talvez a morte seja o fim de nossas idéias, ou então, finalmente a concretização da nossa maior e recorrente delas. Imagina se a gente não estivesse aqui?, atire a primeira pedra quem nunca pensou nisso.

Sim, é de propósito que eu começo o texto com isso e termino com nisso, mas não, não atirem a primeira pedra. A primeira pedra é sempre do culpado, todas as outras são de Maria vai com as outras.

27 novembro 2010

os livros

Fico lendo o nome dos meus livros. Cada um diz tanta coisa que dá vontade de ficar pensando só no título. Exemplos: "rumo ao farol" da Woolf, ou "setembro não tem sentido" do João Ubaldo Ribeiro, ou "A montanha mágica" do Thomas Mann, ou Alguém que anda por aí" do Cortázar.
É tanto nome que diz tanto que às vezes penso que o ser humano é criador nato. Ele relaciona tudo a tudo e todos os nomes estão juntos num imenso cesto e vamos ligando-os tal como numa poesia dadaísta. Tanto que "Todos os Nomes" é um livro do Saramago, onde realmente todos os nomes estão lá, menos os das personagens. Excetua-se um: José, espécie de alterego ou não. "Vidas Secas", "Estorvo", "Sagarana", e os títulos nao param de dizer coisas e eu todos os dias vejos esses livros que também me vêem.
É em nome deles que eu escrevo. Um dia algum livro meu pode dizer alguma coisa. E hoje eu diria que...nós...somos demasiadamente violentos. Ô raça ruim essa dos humanos...e que coisas lindas eles escrevem.

18 novembro 2010

prefácio

Nunca escrevi uma peça, muito menos um prefácio pra uma peça minha. Coloquei Hours do Phillipe Glass pra ver se me inspira, mas acho que música instrumental não é muito pra mim, por isso prontamente desliguei.
Li e reescrevi tirando alguns exageros a peça “José” escrita dois anos atrás. A primeira pergunta que me fiz agora é porque José tem esse nome. E são vários os motivos, o principal é que trata-se do meu primeiro personagem de teatro, uma gênenis da minha escrita, então o nome José me pareceu apropriado. José é o pai de Jesus e somos obrigado a ter essa lenda sobrevoando constantemente sobre nossas cabeça. José é o nome de meu pai e o nome do meu avô. José é o nome de Saramago, talvez o escritor que me fez ter o maior impacto estético e o sujeito que me fez ter vontade de ser da literatura. José também é aqui um nome anônimo, José da Silva, um nome que serve pra exemplos. “E agora, José?”A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou.”, diz Drummond. “Todo dia um ninguém José acorda já deitado.”, diz Camelo. “O espinho da rosa feriu Zé, O sorvete e a rosa, ô, José! A rosa e o sorvete, Ô, José! Foi dançando no peito, Ô, José! Do José brincalhão, Ô, José!...” , disse Gil.
José é tudo que me fez nascer, me compõe José sou também eu. No entanto, é importante dizer, acima de tudo é que José é um cidadão. É um anônimo cidadão, um ser político que trafega pelo mundo e que se estanca e se vicia e que se torna absurdo não por motivos puramente pessoais, mas públicos, pois José também é todo mundo. José trabalhou, José foi aposentado, José, não se sabe como, comprou esse apartamento em um condomínio de luxo e se vê sozinho onde tem tudo. Já era sozinho, mas era obrigado a trafegar, agora não mais.
José é o próprio tráfego, é a própria rua e sua autoestrada é si mesmo. Como muitos de nós.
Shelley diz: “Um poeta participa no eterno, infinito, no único; até onde concerne às suas concepções, o tempo, o lugar e os números não existem.” Se isso for verdade, espero nunca ser poeta, porque o que escrevo é do presente, o maior presente do mundo e esse infinito, esse eterno que atribuem ao poeta é só uma forma de aliená-lo. Não existe saída possível: ou se escreve desse nosso presente ou, mesmo falando, se faz silêncio.

17 novembro 2010

prólogo

Quando eu era criança minha mãe me contava uma história que dizia ter ouvido de sua avó. Ela era minha bisavó e tinha o apelido de “Vozinha”, o que me soava afetivo e engraçado, apesar da história que ela contava ser muito triste.
A verdade é que não me lembro desse conto de família e tenho certeza que minha mãe sabe, mas preferi nunca perguntá-la. Sei que era sobre um pássaro, acho que um papagaio, que era maltratado pela sua dona. Ela não reparava nele por ele ter feito alguma coisa errada e deixava-o passar fome. Todos os dias ele dizia: “Tô fraco, sinhá!”. Prestes a morrer dizia : “To fraco, sinhá! To fraco, sinhá!” Por fim, morria. Não lembro com precisão, mas acho que sim. A história era muito triste e minha mãe dizia que sempre chorava assim com essa história. Ela e seus irmãos.
Eu queria saber mais e minha mãe dizia que eram várias histórias que a Vozinha contava na cozinha antes de todos dormirem, algumas felizes, outras tristes. Muitas faziam chorar. Eu não entendia dessas histórias, me pareciam ter acontecido em outro mundo e eu tinha medo. Via televisão para esquecer e tinha sonhos estranhos. Quando acordava ficava pensando num pássaro que dizia “Tô fraco, sinhá!” e pensava que se os pássaros pudessem falar três palavras antes de morrer seriam sempre essas.
Pra mim, todos morriam igual, fracos e sem poder voar...como os pássaros.

15 novembro 2010

cachorro porco

Achei uma poesia minha escrita na 6ª série e foi inevitável postá-la aqui. Dei algumas risadas e agora a li como uma metáfora e a poesia que obviamente era só uma piada ganhou algum sentido.

Cachorro porco

Você só faz coco
Cachorro do morro
Te ensino a mudar
Cachorro teimoso
Todos vão te chamar
De cachorro porco
Põe rolha no bumbum
Apaga o teu fogo

Sai daqui, sai fora do meu lado
Senão eu mando te castrar
Saí daqui, estou desesperado
Senão sou eu que vou te matar

Assim você não vai me atrapalhar

Sai daqui, sai fora do meu lado
Eu mando a carrocinha te pegar
Saí daqui, estou desesperado
Senão sabão tu vai virar

Você é um horror
Cachorro do morro
Eu não vou te mudar
Cachorro teimoso
Sai pra lá, sai daqui
Acabou o teu jogo

11 novembro 2010

o anão 2

O anão estava sentado em um banco de frente para o mar. Suas pernas que não tocavam o chão se balançavam e logo começaram a doer, por isso teve que colocá-las pra cima, como criança ao fazer um pic-nic. Olhava o horizonte com atenção, o que levou alguns passantes a crer que ele estava pensando, refletindo sobre a vida ou coisas importantes, mas ele não era capaz disso. Era prático e via apenas a água até a metade azul e verde depois, a areia com algumas poucas pessoas e o céu que era azul apesar de algumas nuvens. Nada mais. Murmurou para si: “e dizem que isso é um espetáculo da natureza” e se calou, pois não pegava bem ficar por aí falando sozinho. A natureza estava muda.
De repente um barulho atrás de si. Tentou se virar, mas não foi capaz, então pulou do banco para olhar. Quando se virou, dois meninos vestidos com uniforme de hóquei estavam atravessando o calçadão, um de vermelho e outro de azul. Corriam com muita destreza e o primeiro que com seu taco conduzia o disco mantinha no rosto um sorriso maquiavélico. O anão tentou se encostar na mureta, mas quando os dois passaram, esbarraram nele que virou uma cambalhota e sem controle caiu sentado na areia.
Filhos da mãe, gritou em bom som e logo se levantou indignado. Avançou na perseguição dos rapazes. As pernas curtas demonstraram que nunca iria alcançá-los, mas o ímpeto e a raiva prevaleceram. O rosto em poucos segundos se encheu de suor que se espalhou pela camisa, formando uma escura e densa marca molhada que se misturou a quantidades imensas de areia que haviam grudado na camisa, mas que os pequenos braços não eram capazes de espanar. Desistiu de caçá-los, jovens são assim mesmo.
Acontece que logo quando ele desistiu os rapazes voltaram a se aproximar. Agora o outro liderava o disco com o sorriso endemoniado e o outro seguia atrás. Ao passar, viraram o rosto para o anão que estava xingando, mas não conseguiram ouvir coisa alguma.
O anão voltou a correr atrás deles e os viu se afastarem. Quando de uma esquina apontou um mini-carro de golf com dois policiais nele. Nervoso ele apontou para a direção dos rapazes dizendo: “atrás deles.” mas pelo visto era ele o suspeito.
O carro parou ao seu lado e os dois policiais saltaram.
Você está brincando com autoridade, baixinho?
Não senhor, foram os rapazes, senhor. Me acertaram.
Que rapazes?
Os dois de patins.
Os policiais olharam para os dois lados, mas os rapazes haviam sumido.
O senhor está bêbado, senhor?
Não. Os dois passaram aqui jogando e me derrubaram, por isso estou sujo. Fui atrás deles, por isso estou suado.
Você acredita nele?
Eu não e você?
Eu também não.
Mas seus guardas, eu estou falando a verdade. Pode perguntar pra qualquer um, deve haver uma testemunha.
Olhou para os lados e quase não viu ninguém por perto. Na verdade, um grande silêncio prevalecia e era possível ouvir o som das ondas quebrando no mar.
Isso aconteceu tem muito tempo, senhor?
Não, foi agora agorinha. Tem 2 minutos. Eu estava sentado olhando o sol quando veio o barulho.
O Sol? Mas o sol já se pôs, senhor.
Não tinha ainda percebido isso, mas era verdade. Estava escurecendo o que devia aumentar seu aspecto suspeito. No entanto, aparentemente cansados os policiais se sentaram no meio fio, ficando quase na altura do anão que tentou falar alguma coisa que foi interrompida por um policial.
Está liberado.
Assim? Você não vai atrás deles?
Não há ninguém, senhor. Volte para casa, tome um banho e descanse. Tenha um pouco de dignidade e boa noite.
O anão baixou a cabeça, deu um “Boa noite” constrangido e se retirou dali. Passou pelo banco e pensou em sentar novamente para agora olhar a lua, mas desistiu. Era já hora de ir para a casa e, talvez de propósito, talvez sem querer, foi andando na direção contrária de seu caminho.

10 novembro 2010

a mão que cai

"Ele deve ter uma aparência completamente diferente quando vem á aldeia, outra quando a deixa, outra ainda antes de ter bebido cerveja, outra depois, outra acordado, outra dormindo, outra sozinho, outra durante uma conversa e, o que é compreensível, quase inteiramente outra lá em cima do castelo." Franz Kafka


Um homem corre por uma calçada. Tem pressa, usa uma mochila e está suado, só isso que se pode dizer. Passa por um muro coberto por uma relva rasteira e algumas flores como adorno. Faz sol e a corrida é extenuante, tanto que para o homem que está acima do peso parece não ter fim.
Alguns passos a frente, avista uma pequeno galho que cresceu mais que os outros e expôs uma flor em seu caminho. O homem passa por ela e dá-lhe um tapa. A flor cai e sua mão fica junto. Ele interrompe a corrida no ato afim de tentar recuperar sua mão, mas não é possível: ela está inseparavelmente colada à flor.
Ainda com pressa, pois não pode atrasar para seu compromisso, pega com a outra mão a flor e a mão do chão e carrega junto consigo. Estanca mais alguns passos e guarda ambas na mochila.
Do outro lado da rua, havia três testemunhas do ocorrido. Dois homens e uma mulher que não se furtaram de emitir opiniões a respeito do ocorrido. “Uma lástima”, disse um, “não se fazem mais mãos como antigamente. Hoje em dia tudo é descartável.” “Pobre homem”, emendou o outro, “porque aquela flor foi se meter justamente entre ele e seu caminho? Ele andava tão apressado, deveria estar indo resolver algo muito grave. Um caso de vida ou morte.” “É bem feito”, disse a mulher, “quem maltrata a natureza devia ser preso, perder a mão, o braço, para aprender. Foi um exemplo para nossas crianças.”
Acontece que os três se despediram e propagaram a história para mais pessoas. A mão que caiu parece significar agora tantas coisas e ter tantas possibilidades que o próprio ato da queda da mão com a flor em si parece ter se perdido. Ninguém atentou que o homem que perdeu a mão pode ter ganhado uma flor. Ninguém pensou que aquela flor podia ser útil porque ele estava atrasado para um encontro com sua namorada.
Não se pensou no homem, não se pensou na flor, muito menos na mão, mas somente que aquilo era alguma outra coisa. E era. O homem, logo ao dobrar a esquina, abriu a mochila pegou sua mão e colocou de volta no lugar. Com um sorriso no rosto teve todo cuidado para não expor as muitas cartas que estavam escondidas por detrás de sua manga e a pressa toda era que, infelizmente, uma criança provavelmente ia ficar sem mágicas em seu aniversário.

28 outubro 2010

a profissão

“Isto significa que nos meses imediatos aos exames, e com ampla participação dos nervos, me alimentei de serragem, que por outro lado, me tinham remastigado já mil bocas.” Carta ao Pai - Franz Kafka

Era um sujeito que estava pronto a arranjar uma profissão, mas não sabia como fazê-lo. Seu pai engenheiro e a mãe professora pareciam exercer profissões que já haviam sido ruminadas por séculos de gerações. Aprendera, no decorrer da sua vida, que era uma pessoa única, especial, que deveria fazer aquilo que o coração manda porque era diferente de todos os outros e em todo mundo não existia nada, nem traço nem rastro de qualquer coisa que fosse similar a ele. É claro que não concordava, mesmo porque aprendera na aula de genética que a diferença entre um ser humano e um macaco era de menos de 1%. Ele até concordava com isso, via as similitudes e parecências, muito embora os macacos, do lado deles, parecerem não se importar com esse assunto que para os humanos era tão aflitivo.
Enfim, era um rapaz que aprendera a ser ele mesmo e quando foi escolher uma profissão só havia coisas que outros também faziam. Era um paradoxo. Advogado? Mas já há tantos deles no mundo, andando de terno, falando difícil e tratando mal as pessoas. Médico? Quantos já cuidaram dele, pediatra, ortopedista, urologista, todos de branco e com uma fala mansa apesar da letra bruta. Bancário? Assim como todos aqueles senhores que ficavam atrás daquele computador contando dinheiro e botando numa caixa que aparecia vazia no dia seguinte sem nem ao menos lhe explicarem para onde e para quem fora toda aquela grana. Ia listando uma a uma as profissões e já havia gente demais em todas elas e parecia não haver uma para ele.
Andava pelas ruas olhando e pensando no que poderia fazer. Poderia até inventar uma profissão nova, mas para isso deveria ser inventor, profissão antiga. Artistas se amontoavam também, além de que a maioria deles parecia insensível e egoísta. Sentava na praia e via tanta gente também sentada que chegou até a pensar que estavam passando pela mesma situação que ele, mas não, estavam apenas desempregados: era uma consequência de tanta gente fazer a mesma coisa, sobrava gente para coisa.
Não fazia sentido em sua cabeça essa lógica de profissão, se havia mais gente que profissão, tanto que muitas pessoas nem conseguiam trabalhar, porque então haveriam de escolher logo aquilo para fazer na vida? Escolhe-se uma profissão para trabalhar nela, não para ficar a toa com ela. Profissão não era uma posse, mas uma atividade.
Até que de pensamento em pensamento resolveu estudar que não era uma profissão. Passou a vida inteira estudando, sem nunca ao menos ter trabalhado. Vivia de dinheiro, migalhas, livros e atenção dos outros. Aos poucos foi lendo cada livro que existia, sempre fazendo anotações e escrevendo teorias sobre eles. Depois de cinquenta anos era a pessoa mais culta do seu país, e mesmo sem saber disso pois tinha vivido numa letargia social por tanto tempo, resolveu fazer um pronunciamento. O que sabia era útil para o mundo: bateu nos jornais, revistas, televisões e rádios e não foi recebido. Escrevera um discurso de quase oitocentas páginas que mal conseguia carregar sozinho e queria que todos soubessem o que havia aprendido em toda essa vida de dedicação e estudo. Eram palavras doces e duras, de uma sabedoria que só um homem que, por um lado estava entranhado do mundo e por outro havia se guardado dele poderia escrever. Entretanto ninguém ao menos chegou a recebê-lo. Ficava sempre nas portarias e via passar tanta gente bem arrumada e com o rosto tão tenso que misturava o que via com o que imaginara. Em sua cabeça se fundia o sonho antigo de ter uma profissão com a realidade de toda aquela gente. Seu pronunciamento, seu discurso e tudo que aprendera era tão precioso que parecia ser inútil. Depois de tanto trabalho, percebeu que talvez tudo havia sido em vão, pois em cada porta que batia, ouvia a resposta da secretária: “O senhor não poderá recebê-lo. Está trabalhando.”

26 outubro 2010

quando você chora

Quando você chora
Uma flor morre
Um rio seca
Um domingo acaba
Um jardim alaga
Um arroz azeda
Uma mãe se mata
Uma canção destoa
Uma fruta cai
Um bichinho mata
Um sol se põe
Um tênis rasga
Uma goteira pinga
Uma estrela apaga

Quando você chora, flor
Rio, domingo, jardim
Arroz, mãe, canção
Fruta, bichinho, sol
Tênis, goteira e estrela

Quando você chora
O mundo muda
Eu faço listas
E chove.

24 outubro 2010

23 outubro 2010

a invenção da fotografia




Jesus está na cruz. Está todo ensangüentado, uma parte por sangue novo que escorria e outra por sangue seco, coagulado das muitas horas que já estava lá. Ao contrário do que a Bíblia nos disse, ele não estava consciente. Depois de um tempo seus membros que doíam de uma forma nunca antes experimentada, que espetavam pelos pregos mal limpos cravados, começaram a formigar e ele, começou a ter a mente nebulosa.
Primeiro era só algo turvo, mas depois começou a ter visões, como se estivesse na experiência de alguma droga que muda sua percepção do espaço, do tempo, das pessoas e do mundo. Mais algum tempo depois, o formigamento chegou até as pernas, foi quando todo seu corpo parecia ter sido imerso numa banheira cheia de gelo. A partir desse momento, pouco ele sabia do que ali se passava, estava quase desmaiado, balbuciava palavras incongruentes e adentrara num estado de quase morte, meio desmaiado com uma respiração silenciosa.
Muitas pessoas assistiam. Maria e Madalena choravam, seus discípulos entristecidos oravam ao senhor na busca de alguma solução. Sentiam que seguiram seu rei por nada, que ele ali morreria e o mundo se mostraria outra vez injusto, matando os bons. Jesus havia dito que ele faria isso para salvar a todos na outra vida, mas alguns deles discordaram, disseram que vivo Jesus poderia salvar mais gente naquela vida também, porque quanto a outra tanto ele quanto Deus já estavam trabalhando. Judas não, este concordou com Jesus.
Acontece que dessa vez todos que assistiam, aproximadamente 2 mil pessoas, resolveram não ficar paradas olhando Jesus e os assaltantes morrerem para depois tira-los da cruz. Algum deles, talvez um verdadeiro Jesus, levantou e voz:
- Que tipo de gente somos nós que vemos nosso rei ser assassinado na cruz, julgado por nada e ficamos só olhando? Qual o direito que temos, depois de tudo que eles nos ensinou, de somente chorar? Qual o dever que temos por ele e por todos que ele pode salvar enquanto vivo? O livre arbítrio que ele mesmo nos deu deveria servir para que fizéssemos mudar os planos de Deus, porque ele não tem essa escolha: Deus segue os planos apenas dele mesmo sem poder mudar de idéia.
Assim convenceu duas ou três pessoas da sua idéia, mas que não se manifestaram de cara. Então ele correu até a cruz, postou-se de baixo dela e dizendo: “Viva, senhor, Viva!” começou a receber pingos de sangue em sua cara, enquanto tentava retirar algum dos pregos do pé de Jesus, depois achou que salvando os pés Jesus ficaria pendurado, então escalou a cruz abraçando ao Senhor para tentar livrar algum dos braços. O homem chorava, lá de cima bradou: “Como pode um homem fazer isso com outro?” Jesus balbuciou: “Madalena, você veio?”, mas nem o homem escutou, pois já ficava de pé por cima da cruz e fazia um discurso que pouca gente escutou, já que nesse momento o exército romano se aproximava para averiguar o rumor de levante popular. O homem já ia tirando algum dos pregos do braço direito de Jesus quando uma lança atingiu seu peito. Caiu morto em segundos, seu corpo ainda se prendeu junto ao de Jesus, mas foi retirado e jogado logo atrás dele, como exemplo para outro que tentasse a sorte.
Assim se deu. Um dos homens que assistia empolgado com o discurso daquele primeiro resolveu atacar um homem do exército, quando chegou próximo, o soldado tentou afasta-lo, mas ele correu e tocou o pé do Senhor, foi quando uma espada cortava sua cabeça que rolou morro abaixo. O corpo sem cabeça foi jogado junto ao do primeiro homem. Do povo, então, outro homem veio correndo e foi rapidamente abatido, e assim vieram em duplas, trios, até que um grupo de dez homens tentou salvar Jesus, que com a vista turva confundiu todo o movimento com uma alucinação. Atrás de Jesus havia uma pilha de corpos já. Não se podia mais aceitar aquilo e sucedeu que em meia hora uma pilha de corpos mutilados e ensangüentados acompanhava a crucificação de Jesus. Nem Maria nem Madalena se mexerem, permaneceram chorando e rezando, olhando para o céu e para Jesus, como vítimas de uma grande injustiça. Os discípulos haviam saído para almoçar e quando voltaram julgaram tarde demais para alguma coisa ser feita.
Passou o tempo e os guardas já se cansavam de matar homens que tentavam salvar o Senhor. Dois deles foram abatidos e seus corpos jogados junto da pilha. Jesus era acompanhado por mortos até sua canela e essa proporção só crescia. Assim que a rebelião acabou e quase mil e quinhentas pessoas havia sido morta pelo exército romano e jogada por detrás da cruz e depois que as outras quinhentas resolveu fugir, o exército se foi. Junto da cruz havia a mãe, a amiga de Jesus, dois soldados e cerca de cinco discípulos.
Jesus morreu sem silêncio. Julgaram ouvir alguma coisa, mas talvez fosse um lamento de algo dos corpos que talvez estivesse com vida. Era mais fácil que numa pilha de mil e quinhentos um houvesse sobrevivido do que imaginar que um homem por dias na cruz falasse.
As mulheres tiraram o Senhor da cruz e o limparam. Choraram por horas e o enterraram. Um dos soldados, que não era um muito feliz com essa profissão, lamentou não ter um aparelho que pudesse registrar a imagem de Jesus com a pilha de corpos no fundo. “Aposto que vão contar essa história diferente, aposto”, pensou. E foi assim que pela primeira vez alguém teve a idéia de inventar uma máquina fotográfica.

20 outubro 2010

os olhares da política


Estava pensando no olhar dos políticos em público. No que eles nos dizem, tentam dizer, no que eles passam ou precisam passar. É como se, mais do que ter um olhar próprio, eles tivessem que possuir um olhar neutro, mas um neutro engajado, um neutro cheio de energia, que seja capaz de sorrir, ficar sério, triste, indignado.
Penso que todo político precisa aprender isso muito rápido. Aquele olhar que ao encontrar seu rival deve sorrir, mas não muito, se sentir a vontade sem deixar de mostrar sua óbvia superioridade. Um olhar que é para o mundo, que solta flechas, que dá presentes e resolve vidas. Um olhar apaixonado pela sua terra e pela sua gente, um olhar que consiga representar o hino nacional ou um gol de nossa seleção. Um olhar que atinja crentes e ateus, que acabe com as drogas e os problemas de educação. Um olhar maior que seu próprio interior, um olhar que reflete um sintoma cujo remédio é ele próprio.
Depois pensei nos assessores desses políticos. Estão sempre atrás deles, prestando atenção em tudo, medindo as palavras do seu líder e prontos a dar um beliscão na bunda deles, ou intervir dizendo que nada mais se falará. É o olhar atento que o político não pode demonstrar que tem. Enquanto que o político tem esse olhar centrífugo, o assessor tem um olhar centrípeto. Por isso aquela cara carrancuda de quem não gosta de nada e de ninguém, de quem é capaz de matar pelo seu assessorado. Um olhar mortal. Seco, duro, sem nenhum tipo de sensibilidade. Um olhar que representa toda a jogada que é estar ali naquele momento, um olhar que representa a outra parte da política, representa a guerra, a força, o rancor e a desconfiança, mais que isso, é o olhar da disputa.
Esse olhar combinado com o dos políticos é que são a síntese da nossa política atual. Essa mistura de creme de leite com chocolate meio amargo, de banana com canela. Olhe para os dois ao mesmo tempo e complete a moeda. Não se vota pelas palavras, não se vota por um olhar. Se vota pela subjetividade como objetivo, pelo horizonte que essa síntese de olhares faz. Se vota pela capacidade de interpretar o futuro através dos olhares, tal como uma cartomante, que precisa ler seu cliente só de repara-lo. É preciso votar sabendo mais do que fatores práticos, votar em cima de uma balança que vai sempre estar em desequilíbrio.
A política é feita de tanta coisa, tantas palavras e vozes, mas nunca se esqueça das características dos olhares que vagam por ela...

08 outubro 2010

Terra Sonâmbula



(Terra Sonâmbula, 2007)
• Título em inglês: sleepwalking land
• Direção: Teresa Prata
• Roteiro: Mia Couto (romance), Teresa Prata (adaptação e roteiro)
• Gênero: Drama
• Origem: Moçambique/Portugal
• Duração: 95 minutos
• Tipo: Longa-metragem


sinopse:
Muidinga é um menino sonhador e seu maior desejo é encontrar a família, de quem se perdeu no meio da guerra civil em seu país, Moçambique. O menino lê num diário, achado ao lado de um cadáver, a história de uma mulher que está num navio à procura do filho. Muidinga se convence de que ele é o menino procurado. Parte atrás dela, contando com a ajuda de Tuahir, um velho cheio de sabedoria. A estrada por onde viajam é mágica: entende os seus desejos e os move de um lugar para o outro, sem deixar que morram antes de alcançar o sonhado mar.

link para download:

http://rapidshare.com/files/366087360/Sleepwalking_Land.part1.rar
http://rapidshare.com/files/366093210/Sleepwalking_Land.part2.rar
http://rapidshare.com/files/366097618/Sleepwalking_Land.part3.rar
http://rapidshare.com/files/366101984/Sleepwalking_Land.part4.rar

30 setembro 2010

festival de cinema ou Rio de areia



O festival de cinema da cidade do Rio está acontecendo e por toda a cidade fica aquele clima. Pessoas de calça xadrez e óculos grossos andando por aí, comprando entradas antecipadamente e citando a última moda em quadrinhos, o diretor que foi sucesso no festival do Irã e por aí vai. A cidade também se enfeita para o evento: quase em todo poste tem um banner assim como nos pontos de ônibus. É quando me deparo com o cartaz de divulgação.
Trata-se de uma imagem do Pão-de-Açúcar, da Lapa, do Maracanã e de outros monumentos feitos de areia. Mas por quê? O festival não é feito para gringos, não é feito para divulgar a cidade, pra ganhar votos. O festival é para organizar e divulgar uma mídia específica: o cinema. O cinema como forma de integração de várias nações de transações culturais para um público que, pelo menos pretensamente, se propõe a olhar as obras a partir de um ponto de vista menos simplificador. Junto com o cartaz uma inscrição: "Rio: inspiração natural". Inspiração pra quem, meu deus?! Generaliza-se e se perde o que se tem de bom.
Fico chocado com essa constante classificação do Brasil, e por consequência do Rio de Janeiro, como o lugar da natureza, da praia, do futebol e da noite. Fico preocupado de a gente ainda se ver assim, ainda comprar essa ideia que é mais que cristalizada, constantemente reafirmada e habita nosso imaginário em todos os aspectos. O Brasil não é isso, pelo contrário, o Brasil e o Rio vivem em constante tensão com essa imagem. Afirmam a cada momento que não é parecido com ela e que ela é apenas uma visão ingênua, pobre, velha, antiga e dominadora sobre o que somos.
O festival de cinema é o contrário do seu cartaz: um instrumento de derrubar esses castelos de areia, derrubar essa concepção nativista, de que somos um povo areia que vaga pelos ventos. O festival derrubar os castelos e apresenta um novo Brasil: um país que para e por algumas semanas olha o mundo.

29 setembro 2010

diomedes e o fragmento amoroso



Ele está lá, não se pode dizer que não. E é acompanhado no fundo por uma canção, mas será que pode ser ouvido? Diomedes está no meio de tudo, todas as coisas do mundo em volta dele: bichos, placas, recados, comidas, cheiros, gostos, toques, calores, luzes. Cada objeto, por mais minúsculo e incapacitado que seja está presente ao lado dele quando ele diz “eu te amo”. Daí enfraquece, né? Ele é um detetive e precisa ser um homem forte, mas não. Precisa enfrentar a vida com um peito aberto, mas tem uma certa preguiça. Sempre preferiu o ócio, a vida mansa, a água-de-coco e o mar, mas nunca diria isso. NUNCA! Sua esposa é a de sempre...com outro. E ele liga para dizer que está vivo, e ela escuta e talvez retribua, se puder ouvir. Ele disse “eu te amo”, mas ficou pequeno pra cena. Seria preciso muito mais do mundo das palavras que aquilo. O jogo de preto e branco é cansativo para suas vistas e as palavras saem para significar mais prisão que outra coisa. Vai lá Diomedes, toma posse do que é seu através das palavras e talvez um alter-silêncio consiga tomar tudo de você muito mais rápido. Diomedes faz parte de um fragmento amoroso que nunca se conclui. Está imerso em tantas coisas, em tanto barulho, tantos detalhes, tanta complexidade que perde a voz, fala através de uma mudez. Diomedes é o elo mais fraco, talvez tenha consciência disso, talvez não. Diomedes vai continuar falando “eu te amo” no orelhão em meio a tantos infinitos detalhes de desenhos em nanquim para sua mulher.

28 setembro 2010

não votar em...

Tipos de político para NÃO se votar:



1- parente de político.
Há uma tendência no Brasil a uma idéia da política como paternalista e que o governante é um cara que recebe os direitos de decidir por nós e que aquele direito é, de certa forma, totalmente legítimo, quase numa instância divina. Espécie de monarquia, uma hierarquia muito antiga e que não podemos mudar. Nesse estilo, uma idéia de que se o pai tal foi bom, o filho será e assim a gente mantém sempre as mesmas famílias no poder. Isso estabelece um tipo de política que cristaliza estruturas. Então, para o bem votar é preciso ignorar essa idéia de parentesco por mais afinidade possível que se tenha pela pessoa.

2 - Militares.
Os militares governam a partir de leis muito antigas e totalmente ultrapassadas. Acham que um controle ou intervenção ostensiva é capaz de melhorar a situação, como se cada um de nós tivesse que ser constantemente fiscalizado e investigado por tudo que fez/faz/fará. Depois de idéias como de biopolítica do Foucault qualquer tipo de governo desse fica insustentável. Além disso eles geralmente usam demais o termo "tradição, família e ordem".

3- Paternalistas.
Nunca vote em políticos que comparam o governo com uma família. Que tratam o estado como o pai de todos que deve por um lado dar o que ele precisa e por outro controlar e punir quando não forem atendidos.

4- religiosos.
O estado é laico e portanto não deve se prender a qualquer tipo de político com um dogma religioso estabelecido. Quem governar deve ser capaz de ser dialético, de permitir que se veja todas as questões de muitos aspectos e perceber que um estado é plural e que todos estão nele, até quem não pensa como ele.

5- populistas.
Governantes que falam demais a palavra "Povo, a gente, saúde-educação-segurança". Usam de necessidades básicas da população e geralmente se compara a eles dizendo que "os outros querem tirar o que é nosso, mas ele não vai deixar"

6 - oradores
Nunca vote em políticos que tem um discurso absolutamente perfeito. Que consegue te cativar, te emocionar, que consegue ter o dom de dizer o que você pensava e o que pretende que um político faça. O verdadeiro político nunca vai organizar tão perfeitamente um discurso, pois a verdade é que a sociedade é rachada e vive em constante tensão, embate, então se algum consegue organizar tão bem as idéias provavelmente vai ser só falatório.

7- desenvolvimentistas
Políticos que falam excessivamente em desenvolvimento, em crescimento, expansão do capital. É fato que eles vão leiloar nosso país, abrir muitas fábricas poluentes e até desnecessárias. Por um lado vão gerar emprego, por outro vão criar diversos problemas. O político bacana percebe que estamos numa nova fase em que é preciso pensar em crescer com sustentabilidade, pois essa é a tônica desse novo mundo, e qualquer outro crescimento será improfícuo.

8 - carecas gordos.
Temos uma tradição de carecas gordos com cara de ou coronéis do interior de estados nordestinos ou de ex-nerds que estudaram na usp, enriqueceram, casaram com uma loira e mudaram de lado. É o pior tipo de político.

16 setembro 2010

O castelo - Kafka - Noelte

Achei esse filme raríssimo baseado na obra "O castelo" do Kafka para baixar e resolvi postar aqui. A produção alemã de 1968 conseguiu traduzir o universo kafkiano com grande habilidade. Uma das melhores adaptações de Kafka que já vi!

"O castelo (1968) - "Das Schloß"
País: Alemanha
Direção: Rudolf Noelte
Roteiro:
Franz Kafka (romance)
Rudolf Noelte
Maximilian Schell
Elenco:
Maximilian Schell ... 'K'
Cordula Trantow ... Frieda
Trudik Daniel ... Innkeeper's Wife
Friedrich Maurer ... Mayor
Helmut Qualtinger ... Burgel



Link do rapidshare:

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Link com legendas em espanhol e inglês.

15 setembro 2010

mina de carvão

Tá tudo preto. Em cima, embaixo e dos lados. A coisa tá preta. Não dá pra medir a negritude de tudo, a profundidade da negrura que cobre meus olhos. Quando tem alguma luz, de lamparina ou de vela, parece um escárnio, parece que elas existem pra realçar a escuridão.
Sou um chileno e estou na mina de carvão, preso, e só vou sair em meses. Provavelmente no Natal pra ver Jesus nascer. Não saí, no entanto, hoje pra ver minha filha nascer. Cara, como é aqui? Me pergunto todo dia e não posso escrever. Na verdade não estou escrevendo agora: isso é só um pensamento e por isso sai tudo desorganizado. Estar preso pode dar uma sensação de claustrofobia, mas não, a fobia só existe quando a prisão é passageira, ou de espaço curto, quando é tão longa quanto a nossa, fica tudo bem. A gente sabe se planejar.
A verdade é que eu queria escrever um texto sobre essa sensação, mas não posso. Eu sou um mineiro de carvão e não tenho essa capacidade toda. Estou preso, magro e com fome, penso em processar a empresa. Não dá pra fazer uma grande análise ou qualquer poesia. Se eu fizesse exporia o meu narrador e isso não se faz, não quero que outro fale pela minha boca. Parece que estou no mito da caverna; droga o narrador escapou. Esse texto é complicado mesmo, eu aceito isso.
Ninguém toma banho dinheiro. E o humor é bom. Piada inevitável: pelo menos vou ficar três meses junto com uma mina...e no escurinho.

09 setembro 2010

metamorfoses

A releitura de “A metamorfose” que acabei de fazer me pediu que pensasse algumas coisas sobre o tema. Sofrer metamorfose é mudar fisicamente, ou de alguma maneira tornar-se outro. É possível que se pense em duas possibilidades: Ao sofrer metamorfose a gente se torna outro, ou melhor, mudando a forma muda alguma outra coisa? Não há, nesse caso, essa dialética entre forma e conteúdo, teoricamente nada muda internamente, somente algumas funções que se readaptam.
O primeiro que se torna o segundo, ao mesmo tempo que deixa de ser um tem a marca dele. Algo como um carimbo de alteridade, ele se relaciona e é analisado também a partir disso. É uma espécie de memória antiga, que quanto mais antiga se torna mais se distancia. Chega um ponto em que o primeiro se torna uma breve lembrança apenas e o segundo passa a ser e viver aquilo que é agora. No entanto, restos ficam, sequelas, marcas, rastros.
O próprio espaço se modifica. Uma vez acontecendo a metamorfose do corpo, todo o espaço também precisa se redefinir. Isso se dá gradativamente, a partir do ponto em que o outro começa a ser realmente o outro, quando a mudança física começa a se instalar em outras instâncias internas, até na constituição global, porque evito e não gostaria de dizer “na mente”, no psicológico desse segundo, mas é algo do tipo: assim que o outro se reconhece como tal, e assim que todo o resto também o reconhece, esse seu espaço também começa a se redefinir, a criar outras referências que outra vez deixam seus rastros e destroços.

Em “A metamorfose” há tudo isso. Gregor, no entanto, já era um distante da família, o único que trabalhava, que estava muito tempo fora, que sustentava todos e até acomodava uma rotina que dependia dele, mas que ele não compartilhava. A própria profissão de caixeiro-viajante exprime esse fato, ou seja, um homem que vai a lugarejos, cidades distantes levando produtos da cidade grande que lá não chegariam. Faz uma espécie de ligação de lugares díspares, coabitando os dois, vendo suas diferenças e, em algum nível, sem habitar nenhum daqueles mundos. Benjamin diz em “O narrador” (pg. 198) que narrador é alguém que vem de longe, alguém que transita pelos espaços e Gregor se torna esse homem em casa: ele traz o mundo externo, o dinheiro, as promessas de futuro, os trabalhos, para dentro da residência onde o pai já não trabalha, a irmã cultiva sonhos e a mãe mantém aquela falsa harmonia. Gregor já é um estranho nessa família e se tornar inseto é levar esse fato às últimas consequências. Ele conta o tempo, o avanço e a modernidade daquela casa. De certa forma, ele se torna aquela casa e o que ela é, fato que começa a mudar com a metamorfose, gerando uma espécie de caos íntimo e mais radicalmente após sua morte quando todos saem para um passeio, único momento externo do livro, única luz em uma obra soturna. Luz que repensa uma vida e depois de uma tragédia quase aponta uma esperança.
A metamorfose tem algo de material, externo, coletivo, social. Ela dramatiza, ou melhor, reencena de outro ponto as características quase estáticas de um mundo apocalíptico.

04 setembro 2010

minha cabeça

Minha monografia sobre o Lourenço Mutarelli tem mexido muito com minha cabeça. Ele fala da infância dele como "medonha" e descreve seus pais e seus irmãos de uma maneira quase cortante, nada afetiva. Diz ele que quando criança sempre viu o mundo de forma negra, nunca conseguiu ser uma criança feliz que se misturava. Comecei a pensar em mim. Eu me misturava, conseguia com algum esforço, mas conseguia. Só que vejo que só o esforço que tinha pra isso já me cansava, lembro que tinha que me controlar, saber o máximo de coisas erradas possíveis, aprender cada vez mais a jogar bola e ser um tanto quanto cruel quando jogasse. Humilhar alguém sempre foi bom, mas eu não conseguia: tinha pena de dar um drible mais bonito, fazia o gol logo.
Não esqueço uma vez que chamei um menino de "Junior Baiano" e ele veio pra me bater. Me empurrou no chão, veio pra cima de mim e ficou me sacudindo. Não tive reação, tinha feito só uma brincadeira. O professor separou, claro, mas me senti muito ofendido. Alguma coisa ali mudou em mim. Foi quando percebi que as pessoas podiam machucar as outras, se quisessem. Tive uma sensação real de morte, de fraqueza, de impossibilidade. E isso vai se arrastando comigo até hoje.
É...minha monografia sobre Lourenço Mutarelli tem mexido muito com minha cabeça.

24 agosto 2010

texto doce (candy text)

De uma doçura sem fim, de um sorriso inimitável, leva a vida nos ombros como se fossem plumas. Sabe viver, sabe entender as regras do jogo e jogar com elas. Tem todos os sonhos do mundo e vai realizar todos porque antes de tudo sabe sonhar, sabe medir a vida em sonhos e os sonhos em vida, como conta gotas que cabem no menor dos frascos ou como o fino líquido que sai de uma espessa seringa. Deixa coisas pra depois, porque sabe que os problemas e as soluções tem data marcada e nisso nada podemos fazer, em outros momentos troca as mãos pelos pés e resolve atacar tudo e todos, olhar sério, focado e raivoso, e nesse caso é melhor sair de perto. Mas sabe e eu sei que isso é cena, porque no coração é só gentileza, alegria, ginga, dança, sorrisos, e paixões imensas. Nunca vai ser capaz de amar por amar. Ama antes de tudo o amor e quer ser estimulada a isso, não intimada ou julgada. Quer espaço pra si, mas quando for chegar que chegue arrombando a porta. Sabe ignorar agrados bobos e falsos e medir nossos pensamentos. Com o rosto forte me ensina a doçura, o peito aberto, o sono tranquilo, o abraço perfeito, o beijo escondido e o carinho cheio de ternura. Sabe que meu coração é dela e faz dele um cartaz, exibe pelos quatros cantos e eu orgulhoso faço cópias e espalho por aí. Sem ela a vida seria muito mais sem cor, mas não só: sem cor, sem sorrisos, sem sonhos, sem abraços, filmes não vistos, quase dormidas, praças, fotos, teatros, brigas, carinhos, piadas, imitações, risadas. Sem generosidade, sem alegria, sem justiça e sem paixão. Sem aquilo que faz da gente a melhor coisa desse mundo, e quem sabe, a mais feliz.

20 agosto 2010

Tarantino



Tarantino é tudo que já sabemos: o diretor hollywoodiano da ação, do sangue, do exagero e dos roteiros irônicos. Roteirista e diretor de filmes como Pulp Fiction, Kill Bill, Cães de aluguel, entre outros, a tônica de seus filmes está na concentração da ação num ultrarealismo, que chega a extrapolar as barreiras do real, dando um toque de quadrinhos ou de animação às seqüências. A concentração da ação é tão intensa, a suspensão da tensão, num acúmulo que se dissolve só através da violência, como se não houvesse outra saída, até que outra cena apareça e o ciclo se comece novamente.
Nesse movimento tudo pode caber na ação: desde um ator que sangra o filme inteiro, no caso de Cães de Aluguel, até os diálogos de um nazista atrás de judeus em Bastardos Inglórios. Tarantino consegue usar a fórmula de Hollywood de produzir filme, ou seja: um espetáculo de ação, com imagens tremidas, tiros, perseguições, drogas, violência, suspense, tensão, adrenalina, etc. Todas essas palavras que ouvimos serem repetidas à exaustão e não sabemos muito bem o porquê. A graça é que Tarantino consegue fazer isso CONTRA o cinema de Hollywood, ele se usa da fórmula para critica-la, para ironiza-la e é uma ironia tão intensa que causa um incômodo até patético na platéia, como nos sangues espirrando em Kill Bill, ou a aposta em que alguém perderá a mão na cena de “Four Rooms”.
E esse uso dele é interessantíssimo porque apresenta alguma resistência intelectual à forma de Hollywood. A platéia que identifica o filme como um filme de seu horizonte de expectativas, ao mesmo tempo, não consegue aderir por completo, e é comum o comentário de que: “é meio sem noção”, “ele exagera”. É que na verdade, não percebem o que Tarantino fez: explorou o mercado e o consumo contra si próprio, criando um estilo de filme popular de qualidade. Soube estar no mercado e entender sua própria mídia. Soube fazer arte e reinventar o cinema, justamente onde achávamos que nada de bom tinha mais para acontecer.

19 agosto 2010

a merda e eu

Não me lembro do primeiro cheiro que senti, mas não deve ter sido bom. Cheiro de merda provavelmente. Nada mais anti-humano que esse cheiro: seja na privada, no chão ou em imagens sempre o sentimos, está na memória mais que lembranças ou histórias. Nasci ao lado de um chiqueiro, via sempre os porcos chafurdando na lama, rodando pra lá e pra cá e aquela imagem sempre me lembrou merda, como se eu fosse também criado por ela. Depois fiquei sabendo que os avós do Saramago criavam porcos e de dentro da merda foi que ele se fez. Pouco mudou, ainda assim havia crescido na merda.
Eu era fresco pra comer e minha mãe dizia que comida era questão de costume, que comendo três ou quatro vezes a gente acostumava com o cheiro, com o gosto, com tudo. Nunca me acostumei com merda nenhuma na vida. Nunca quis chafurdar, apesar de muitos me recomendarem desde políticos, médicos, nutricionistas e até padres. São os genocidas da merda.
Tenho muitos vizinhos e meus vizinhos têm muitos cachorros. Todos cagam muito e o cheiro se espalha. Cada latido deles me traz o cheiro de merda. Passo quase de olhos fechados, por não poder fechar as narinas. Prendo a respiração, mas aí me forço a olhar. Tem algum imã na merda que chama mais atenção que qualquer outra coisa. É tão repugnante a visão que não consigo me afastar. Às vezes passo e tem três cocos, às vezes quatro. O máximo que contei foram nove, o que me fez pensar que meus vizinhos colecionam merda, juntam e as exibem como troféu, enquanto outros resolvem esconder e fingir que elas não existem. A merda é o preço da vida.
É esquisito, mas em alguns casos assim como no sucesso, a merda também sobe à cabeça.

15 agosto 2010

juízo II ou o conhecimento

- você sabe o que significa a palavra "prolixo"?
- não.
- você é prolixo?
- não sei.

Esse é um ponto meu: uma pessoa não pode ser aquilo que não conhece. É incapaz de inventar uma maneira de ser sem nome, pelo contrário ela se reinventa a partir do que sabe e conhece. Então, uma pessoa com pouco vocabulário, há de ser uma pessoa mais simples, rústica e óbvia, enquanto que uma pessoa com vasto conhecimento pode ser mais complexa, cheia de nuances e subterfúgios. Claro, tanto pro bem e pro mal. Quem sabe mais, sabe também mentir mais, inventar mais, se aproveitar mais dos outros, quem sabe menos faz isso na medida em que é capaz, na medida exata de suas necessidades sem nome.
Vidas Secas do Graciliano Ramos tem isso. A personagem é descrita como pessoa de poucas palavras, que emite grande parte de seus sons em ruídos, e portanto, aprendeu a pensar assim. É simples como seu cão baleia.
Digo isso para completar o comentário sobre o filme "Juízo". Julgam crianças e adolescentes por roubo, furto, homicídio qualificado. E elas não são nada disso, elas sabem que roubaram ou mataram e isso é feio, mas não têm e não podem ter a mínima noção do impacto disso, portanto têm menos responsabilidade. Quando elas dizem: "meu amigo me chamou pra roubar uma bicicleta e eu fui", dizem a verdade. É o tipo de pensamento simples de quem quer uma bicicleta e só. Não há esse problema da cadeia, da prisão de estar erado, da religião. A vida dela, em geral, já é uma merda mesmo, com uma bicicleta fica um pouco melhor, na cadeia um pouco pior.
Só há consciência quando pode ter consequência. Li num conto do Rubem Fonseca que a maioria das menores estupradas gostaram do ato sexual e quiseram repetir por vontade própria, e só se deram conta do horror e do absurdo quando foram pegas em flagrante, ou quando descobriram o que significava aquele ato. Pode ser verdade, não sei, mas fica o registro.
Não defendo ninguém, só tento ampliar os pontos de vista a partir dos elementos que tenho. Só quem sabe um pouco de lei pode escapar delas. Acho que é isso: quando a gente não conhece, só nos resta arriscar.

12 agosto 2010

Juízo

Ontem assisti ao documentário “Juízo” com minha namorada que faz direito. ‘Juízo acompanha a trajetória de jovens com menos de 18 anos de idade diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e o do julgamento por roubo, tráfico, homicídio.’ É interessante assistir um filme desses com alguém de uma área diferente da sua e perceber que as visões não são tão diferentes assim. Fica naquele papo de que todo mundo sabe dos problemas, todo mundo sabe das soluções, mas a máquina do estado, do capital, de toda essa burocracia institucionalizada não torna possível que nada mude.
Destaco do filme o papel da juíza que funcionava como uma espécie de advogado do diabo, ou seja, apontava o lado bom das coisas, não para que tudo melhorasse, mas principalmente para humilhar o coitado do delinqüente. A perspectiva dela, de quem teve uma boa família, condições de estudar em lugares bacanas e pintar o cabelo de loiro em salões caros, dando a ela um aspecto de advogada de filme pornô, não permite perceber que aquele sujeito de 16 anos não tem nada na vida dele pra prezar. A relação dele com a família, com Deus, com a escola, com os amigos não é por afeto, é uma relação de dependência, de submissão e lutas de poder. Ele só conhece o mundo por micro-lutas de poder, e assim, num determinado momento usa isso contra aqueles que sempre lhe massacraram, claro, de maneira errada que merece punição. É ruim ver que um rapaz que nunca teve seus direitos preservados tenha que pagar pelos erros que cometeu: quem não conhece os direitos, não pode valorizar os deveres.
O documentário acaba por ser um “mais do mesmo”. Tudo que já se viu sendo repetido, torcendo para que na reiteração se veja o absurdo e assim sendo, alguma coisa possa acontecer. Ok, não acredito nisso, pouca gente ali na exibição estava com vontade de debater o assunto: a maioria estava atrás de horas complementares, outras, sei lá porquê. A verdade é que hoje em dia não há nada que nos motive realmente.

09 agosto 2010

antenor em 1 minuto

O conto "o homem de cabeça de papelão" de João do Rio em 1 minuto:



Essa história é uma palhaçada: Antenor é um menino mimadinho, riquinho e chatinho que acha que fala o que quer, quando quer. Inconveniente, sabe? A mãe estranha, mas diz que ele é bom, passa a mão na cabeça, então dá nisso: fica sem limites achando que pode tudo, que é diferente. Quando fica jovem não quer ser malandrão, pelo contrário, resolve trabalhar, e muito até. Daí dizem pro melhor dele que ele devia ser bacharel e fazer um concurso, mas ele não! Quer ser pedreiro, metalúrgico, ou seja, é um comunista daqueles. Deve até usar umas drogas, aah deve. Daí ele se apaixona pela filha da lavadeira que ÓBVIO não quer nada com ele: um cara que não tem amigos, que só fala coisa que ninguém entende, é comunista! Daí ele fica na bad do coração e vai andar pela rua, quando acha uma loja de um cara que conserta cabeça e relógio. Bom, na verdade, o cara é o capeta procurando adeptos pra sua trupe. Antenor entra, deixa a cabeça dele lá pra ele consertar e ganha uma de papelão! Ufa! Daí sim ele se ajusta: fica rico, reconhecido, vira ministro, poderoso e dá um pé na bunda da filha da lavadeira que agora quis ele, obviamente. Esse capeta é até gente boa! Até que um dia ele passa pela loja do capeta que tenta devolver a cabeça dele, dizendo que é perfeita, cabeça de fodão. Ele nega, claro, a vida toda boa do jeito que ta. Pelo menos agora ele foi esperto. É...essa história é bacana. Eu gosto desse final. Obrigado.

06 agosto 2010

bentinho II - ficções de amor

Acho que entendi o que estava tentando dizer no post anterior, vamos lá. Quando estamos apaixonados, ou melhor, na situação da paixão (ou amor, enfim, a denominação pode ser qualquer uma apesar das diferenças)todos nós fomos impelidos pela tradição, pela igreja, pelos meios de comunicação, pela arte e até pela nossa natureza, a criar uma espécie de "ficção de amor", ou seja, criamos em nossa cabeça uma história verossímil onde em algum momento o mocinho encontra a mocinha, eles se conhecem, se gostam, tem um primeiro contato, repetem isso, o caso permanece, e isso se prolonga. Essa ficção de amor nada mais é que a construção de um sentido para o sentimento, ou seja, uma tentativa desesperada de classificar o que se sente dentro de uma ordem numérico-afetiva. Nesse sentido, vestimos a carapuça e cumprimos todos os protocolos que nossa cabeça nos faz imaginar como deve ser uma "bela ficção de amor". O caso é que: toda história de amor deve ter o antagonista. É aí que entra a situação do Bentinho, ele precisava completar o ciclo, chegar ao fim da sua ficção. Esse antagonista pode ser um fraco, um idiota, o que for, quanto pior melhor, na verdade. O resto é conhecido por todos nós. No entanto, na prática toda essa ficção é a coisa mais bonita de nossa vida e em pouco tempo ela toma tudo, como toma a mim, a você, como tomou Bentinho. Bom, de novo, eu só acho que entendi, então pode haver uma parte 3, quem sabe?!

02 agosto 2010

bentinho

Volta e meia aparece na minha cabeça a figura do Bentinho. Dom Casmurro é um livro que muito me fascina e me deixa assustado quanto aos fatos da vida. Essa questão de se Capitu traiu ou não tem muito pouco a acrescentar a discussão ou análise da obra, mas a figura do Bentinho tem muito! A verdade é que não importa o que Capitu fez, ela pode ter traído como pode não ter traído e a diferença é nenhuma. Bentinho tinha motivos para acreditar no que "via" assim como Capitu tinha motivos para dizer que aquilo era maluquice. O que importa é a subjetividade do Bentinho e ele tem uma profundidade tão grande que todas as questões são resolvidas, dissolvidas e vivem na cabeça dele. Parei de pensar aqui (começou o top five do cqc), qualquer coisa volto e escrevo mais.

27 julho 2010

Antenor - parte 2 - "as cabeças"

Antenor - parte 1 - o projeto e as caixas

Um projeto teatral, ou mais que isso, um projeto também teatral. Antenor é o personagem principal do conto "o homem da cabeça de papelão" de João do Rio. O conto que flerta com o fantástico está sendo adaptado para os palcos por mim e por Leandro Romano e para os vídeos pro Francisco Ferraz, que filma ensaios e discussões. No fim, uma obra que abrangirá cena e tela, palco e internet, cinema e presença.

22 julho 2010

meios de transporte

- o que leva uma pessoa a...
- ÔNIBUS?
- nãão, po! Aaaa...
- TREM?
- não, espera. Eu queria saber mesmo, assim, tô só pensando, o que leva uma pessoa a...
- MOTO, CLARO!
- NÃO. Deixa eu falar! To querendo saber o que leva uma pessoa a...a...se matar...
- Aaaah sim, mas isso é óbvio: uma arma!

21 julho 2010

isso.

Não me sinto diferente de ninguém. Nem igual. Não há tal coisa no mundo, cada um é e não entendo absolutamente nada disso. Há no latim o gênero neutro e isso sempre me fascinou, fazemos dualidades o tempo todo e o gênero neutro burla isso, é a ironia, uma negativa afirmativa, a andogrenia, a indistinção. Escolhe o que tu quer aí, camarada, escolhe. Vai querer um, dois ou ambos? She, he ou it? Vai querer um saco ou uma saca? Uma girafa ou uama girafa? É macho ou fêmea? Decide o que tu quer, maluco chato. Esse ou essa?


- Isso.

18 julho 2010

justiça

às vezes penso na justiça penso em ser justo mas acho injusto que justo eu tão pequeno e incapaz tão pouco tão em paz saia do meu canto e sozinho passe dias pensando e pensando na justiça que devia ser justa não pra mim que aceito sua ausência mas justa com outros carentes de justiça sofridos demais

17 julho 2010

kubrick e a guerra

Semana passada resolvei baixar alguns filmes do Kubrick. Assisti, então, essa semana dois filmes dele de guerra, os dois me impressionaram bastante, então resolvi falar um pouco de cada um deles.
O primeiro foi "Nascido para matar", filme de 1987.
O filme começa num treinamento de fuzileiros que vão para a guerra do Vietnã. Vendo eu aquele cenário típico de Kubrick, mas com aqueles espaços conhecidos de filme de guerra, comecei por esperar o que tem, em geral, em todos eles. Me enganei. Kubrick usa de um ultrarrealismo, um exagero quase mórbido das ações e dos tipos de personalidades que devem ser neutralizadas, que nos leva a perceber o absurdo que é um treinamento de guerra. Nos leva a perceber todos os erros que vimos no Vietnã. Consegui perceber claramente o que é tratar o homem como estatística, mas não só o inimigo que "comunista" deve ser liquidado, mas também os seus. Não existem homens, não existe humanidade e sociedade, somente uma nação que deve ser honrada até o fim, até a morte. Essa lógica que me parece totalmente tresloucada é a lógica deles. Será ainda a lógica vigente? Aos poucos as personagens vão enlouquecendo de um modo típico, completamente diferente, mas enlouquecendo, perdendo a capacidade de perceber as coisas e, cada vez mais pragmaticamente levados a analisar os fatos. No fim...bom, parece que não tem fim.

O segundo foi "Glória feita de sangue", filme anterior ao primeiro que citei, de 1957:


Nesse filme a questão é do poder. Uma idéia, um desafio, uma oferta de posto é o mote para que um General resolva que os soldados de uma trincheira francesa invadam o chamado "formigueiro alemão". E um exército cansado e abatido depois de 2 anos naquela situação que não sai do lugar não acredita que é possível, nem seus sargentos ou coronéis, somente o General, que passa as ordens e todos acatam. Enfim, a morte de muitos e o recuo de alguns que são julgados por covardia e escolhidos aleatoriamente para o fuzilamento por não honrar a pátria.
Num determinado momento do fracassado ataque o Genaral manda que a artilharia mate seus próprios soldados que recuavam, como se a derrota deles, A MORTE DELES fosse a derrota do general. Conto a sinopse porque só isso já me parece absurdo, todo esse jogo de poder, essa impossibilidade de contestação de explicação, essa completa ausência de liberdade, impedindo que cada um seja capaz de analisar e julgar, faz com que ninguém, nem os poderosos sejam capazes de analisar e julgar. E no fim...mesmo que algumas coisas mudem, o fim é sempre fim. Fim após mais muitas mortes.

Era só isso mesmo que eu queria dizer.

16 julho 2010

2:52

Quando ela entristece o mundo parece de seda, parece ruir. Quando eu penso nela triste pareço pálido, me sinto daltônico e antigo, como se um sentimento de outra vida antiga me tomasse. É que as palavras são como lágrimas: escorrem pelo corpo e gotejam do ar pro chão, como se fosse trágica a viagem de toda palavra, como se só alguns silêncios soubessem dizer. Porque é num abraço que a vida se completa, que a vida começa, que as coisas parecem fazer sentido e é longe, em um medo, numa vergonha ou numa tradição qualquer, que as distâncias aumentam, então é a regra: quanto mais perto, mais perto. Porque gostar, talvez, seja entender que a saudade e a distância, se medem pelo pensamento...pensamento de quem se deixar levar.

14 julho 2010

morremos porque esquecemos que vamos morrer

Algumas coisas na vida eu não consigo aceitar. (e ninguém deveria, na verdade, a não ser por essa enorme quantidade de igrejas e livros de auto-ajuda que fazem você aceitar quase qualquer coisa e principalmente, ficam incentivando esperanças inúteis para que tudo se mantenha como está.) A gente passa quase a vida toda tentando, se esforçando de coração, pra esquecer que vamos morrer, pra esquecer que o tempo passa e vai nos corroendo e mais dia ou menos dia toda nossa dignidade será reduzida à pouca coisa, porque a hora da morte é hora que mais vamos nos expor e mais sermos nós mesmos. Me irrita saber que, apesar de tudo isso, de toda tentativa de esquecer que vamos morrer, às vezes acabamos morrendo por distração: porque esquecemos de botar o cinto de segurança, esquecemos de tomar um remédio, de olhar pros lados antes de atravessar a rua, de ir ao médico naquele dia marcado, de se proteger na hora do sexo, de não mexer com objetos pontudos, de beber menos quando vamos dirigir. Morremos porque esquecemos que vamos morrer e isso eu não consigo aceitar. Repito: não consigo aceitar que às vezes morremos porque esquecemos que vamos morrer...E esse texto fica assim, porque algumas perplexidades não tem explicação e não merecem mais que algumas linhas.

13 julho 2010

unha encravada



Unha encravada é uma excelente metáfora pra vida. Pra quem não tem, explico: é quando a unha nos cantos do dedo cresce pra dentro da carne e vai cada vez mais forçando, mesmo que não haja espaço. E a carne, um tanto quanto sólida mas frágil tenta a todo custo impedir que aquele ser estranho entre. Então o dedo começa a ficar vermelho, inflamar, doer, latejar e a gente que, numa vida corrida às vezes esquece de cortar as unhas, tende a futucar com a mão para dar uma leve sensação de descanso, o que acaba por ser, literalmente, um tiro no pé porque começa a inflamar mais ainda e sangrar. Por fim, com uma dor absurda, a gente resolve cortar aquela unha, trabalho que deve ser feito por profissionais que precisam cortar com cuidado, numa forma de quadrado para que a unha cresça de maneira igual. Caso seja em curva uma parte vai ficar pontuda, entrar antes na carne e vai causar mais danos, problemas, sofrimentos.
Acha que acabou? Que nada, quando a unha for retirada, vai ficar um buraco, uma vala, um poço e todo aquele espaço que a unha tinha ganhado da carne vai ficar à mostra e a carne ainda vermelha vai tentar permitir que o sangue circule e começar a relaxar, não sem antes ficar por dias e dias latejando. O buraco lateja, a ausência lateja e demora bastante a curar. Quando cura é por pouco tempo, pois a unha já está a crescer novamente.
Pensem e me digam num corresponde disso nos sentimentos. Eu tenho um escolhido...

09 julho 2010

Eliminando a seleção



Tive vontade de comentar da eliminação do Brasil na Copa do Mundo. Resolvi faze-lo algum tempo depois da derrota para que as paixões ou as subjetividades não interfiram no que eu escreve, muito embora tudo que eu vá escrever será dito pela paixão e principalmente pela subjetividade, porque só isso que o futebol é.
Tá ok, talvez não, existem fatores objetivos no futebol e vamos a eles: A seleção era limitada tecnicamente, o técnico era mais teimoso burro empacado, a CBF como um todo não se importa muito com futebol, tipo igrejas com nossa alma, o Lúcio é um baita líder, mas forjado, um líder meio sem identidade com o país, um bom líder para qualquer seleção, o que não faz dele um líder pra seleção brasileira.
E dizem os otimistas: "mas os resultados eram excelentes". Quais?, pergunto eu. O bom nível dos jogadores brasileiros faz com que eles estejam "acima da média" de muitas outras seleções, então não importa em que torneio estejam, serão favoritos e chegarão perto do título, o que não significa que seja um bom time, não significa nada. Esse "acima da média" acaba por mascarar um fato: ano a ano a seleção brasileira se enfraquece! E de 90 pra cá vem numa decadência sem fim, principalmente depois do filme da era dos craques da linha Careca-Romário-Ronaldo...
No entanto, a seleção atual enquanto sabia que não jogava bem, enquanto se percebeu limitada, conseguiu resultados. Os cabeças-de-área ficavam ali na deles, dando toques pro lado e pro meia (sempre dependendo do Kaká) que puxava um contra-ataque. A partir do momento, e na Copa isso se deu contra o Chile, que eles perceberem que, sim, eram candidatos ao título, tudo foi pelo buraco. O primeiro tempo com a Holanda foi a gota d´água. YES, WE CAN, pensaram no melhor estilo Joel Santana, e foi o fim do Brasil na Copa do Mundo.
A próxima é no Brasil e 4 anos antes já me cheira a fracasso, mas por favor, outra Maracanazzo vai ser dose...

08 julho 2010

bruno



Abraçado com os amigos fazia uma oração. Pedia proteção, pedia conforto, pedia que não importa onde fosse, pudesse sentir a Sua presença agindo na sua vida. Pedia que premiasse seus esforços e de seus colegas. Agradecia pela chance que teve na vida, pelos amigos, pela carreira que até agora tinha sido de sucesso, agradecia a família que tinha e agradecia por tudo que tinha, apesar de não saber nomear. Olhou para o túnel e viu uma luz ao longe, era para lá que iria, milhares de pessoas o esperariam, ali foram para ve-lo, sentir sua força, seus saltos, piruetas.
Terminada a oração, soltou-se do abraço, se abaixou e ajeitou as meias, a chuteira; de pé deu alguns saltos para se manter aquecido, vestiu as luvas, fez o sinal da cruz e num sinal do capitão correu na direção da luz. Viu um mar preto e vermelho gritando seu nome, fez cara de mau, depois sorriu, agradeceu, pensou que hoje era seu dia, que tudo correria bem. Colocou-se debaixo das traves, ajoelhou uma última vez e parou de pensar. O resto era com seu corpo, o resto era com todos, o resto era show, era espetáculo.
Tudo correu bem até o apito final. Foi a última vez que foi feliz, a partir dali nada mais aconteceria, a partir dali a vida era lá fora, e ali sua vida acabou. Seu último momento de vida foi quando olhou pela última vez aquela multidão rubro-negra. O fim da vida chegou, mas a vida ainda durará muitos anos. Porque não é pela oração, pelo que se diz, pelo que se faz: é por tudo que a gente sempre foi e nunca poderá deixar de ser que se paga.

05 julho 2010

segunda

Se é verdade, como eu disse antes, que só se escreve no sofrimento, então hoje nada que eu diga pode ser poesia, nada pode fazer sentido, nada poderá ser feito. Se é verdade que só se escreve no sofrimento, então hoje tudo que eu escrever será poesia de segunda. Segunda-feira...

03 julho 2010

Auschwitz

como fazer o poesia depois de Auschwitz?, disse Adorno
como fazer poesia sem ser corno?, digo eu!
como falar sem dor
como falar sem a ingratidão, a traição
o sofrimento, o corte, a ferida, a morte?

Como fazer poesia sem Adorno,
como fazer poesia sem a dor no coração?

como as crianças que não fazem poesia
e nuas, sem adornos, passeiam pelo mundo
a viver e quando desenham ou escrevem
é tal qual aquarela, exercício do imaginário

porque a poesia não é inocente
nem ingênua
nem pode ser
depois de Auschwitz.

30 junho 2010

herói

Quero escrever um conto sobre um rapaz chamado herói. Ele é um cara comum. Ele não é um herói, não quero que ele seja herói. Fica na dele e vive sua vida, querendo um emprego, uma mulher, filhos e, se der, viajar pra praia no fim do ano. Herói não é um herói. É que nosso nome nada tem a ver com a gente, embora muitas histórias tentem dizer o contrário. Principalmente as histórias de herói...

24 junho 2010

2:13

Leio um conto do Tchekov agora. Pela maneira que é escrito tenho a sensação de que nunca ninguém leu esse conto na vida: são muitas palavras, descrições e pensamentos. Parece literatura velha, cansada, mas não é. É só impressão.
Não tenho idéia do que quero escrever e não tenho idéia do que estou escrevendo. Às vezes algo me diz que preciso vir aqui e botar algumas palavras em sequência. Sigo a ordem sem refugar e vou deixando que tudo se faça. Como o mundo foi feito: primeiro a luz, o resto é mole. Porque era a luz que faltava, debaixo da luz somos capazes de ver e fazer tudo, enquanto que a escuridão nos oprime e nos mostra nossos erros.
Tenho vontade de ensinar as pessoas e me odeio por isso. Me sinto presunçoso, como se eu tal como sou, tivesse algo para ensinar a alguém. Eu que devia aprender, me digo, mas vejo que tanta gente precisa ouvir o que já aprendi. Por exemplo sobre Tchekov: seu realismo se rasgando, ele ultrapassando uma barreira que seria tão comum nno futuro, mas ver essa gênesis gera tanto prazer, alguma felicidade. Penso que sei o que estou lendo e sei porque estou lendo. É porque quem se enxega inteiro, não se enxerga. Quem sabe o que está fazendo é estúpido. O ideal é se deixar vagar pelo mundo, com o pensamento discordando de tudo que puder e depois criando outros castelos intransponíveis.
Queria tanto que alguém entendesse, mas a maioria das pessoas que lêem isso aqui esperam poesia, ninguém espera nada. Ninguém acha que um texto pode mudar sua vida, ou melhor, ninguém se deixa mudar por um texto, embora é óbvio que vão dizer que sim, que mudam. Talvez haja alguém sim, tenho essa esperança. Como se cada sessão de cinema servisse apenas pra uma pessoa. É meio solitário tudo isso, são 2:13 da manhã, escovei os dentes e interrompi Tchekov no meio.
O conto é sobre um seminarista que provavelmente se está enamorando, ainda não sei o resto. Tchekov talvez saiba. É tão difícil tentar dizer quando não se tem nada, porém acho que já disse alguma coisa, é que se fez a luz, por algum motivo creio que se fez. Acho que até pude ve-la. Será?

19 junho 2010

os velhos


- Esses velhos não são apenas pessoas.
-São o quê, então?

- São guardiões de um tempo. É todo esse mundo que está sendo morto.
- Desculpe, mas isso, para mim, é filosofia. Eu sou um simples polícia.
- O verdadeiro crime que está a ser cometido aqui é que estão a matar o antigamente...
- Continuo sem entender.

- Estão a matar as últimas raízes que poderão impedir que fiquemos como o senhor...
- Como eu?

- Sim, snehor inspector. Gente sem história, gente que existe por imitação.

A varanda do Frangipani - Mia couto

Era disso que eu falava ontem e não sabia como dizer. Quando lamentava a morte do Saramago, um antigo-novo, lamentava a morte de alguém que era um contador de história. Alguem que sabia olhar o passado e o presente e conta-lo, não apenas cita-lo, porque quem conta está presente, quem cita se faz ausência. Abandonando o tema de ontem e continuando a falar do assunto, acabo por lamentar que cada vez menos exista quem queira contar histórias. O que mais vejo são pessoas que vestem máscaras de escritores e começam a falar como se assim já o fossem, sem nenhuma centelha do que é ter uma vida.
As histórias para os velhos tem dois movimentos: o primeiro é de vida, contam porque muito já viram, viveram e pensaram da vida. Muito se cansam dela e alguns acham beleza, outros esperam a morte, mas todos sabem do quanto é interessante viver apesar de todo esforço que é conviver anos e anos a fio com o tempo. O segundo é de morte, contam suas histórias por medo de serem esquecidos, de que todo aquele esforço tenha sido em vão, contam e inventam, transformam sua vida em ilusões de vida, em pequenas noveletas para serem contadas. É por isso que há nos velhos uma fascinação quase mítica, os ouvimos como ouvimos um pajé, um padre, talvez nos aproximemos de deus, talvez, bem talvez.
Dizem que a distância aumenta a inverossimilhança dos fatos, então os velhos são os verdadeiros narradores de nós. Enquanto que os jovens vivem e os adultos se imitam a si mesmos e a imagem que têm de si, os velhos nos contam, nos guardam e com distância sabem nos ver.
É dessa sabedoria que sinto falta. E está de novo Saramago em minha vida.

ps: Mia Couto é um escritor moçambicano, todos deviam ler, principalmente "Terra Sonâmbula". Talvez em breve eu poste uma análise que fiz do livro, mas só talvez.

18 junho 2010

último dia de José

Despertou mais cedo que o normal e tentou com algum esforço levantar a cabeça para ver o tempo que fazia em Lanzarotte. Sorriu por dentro por ainda se preocupar com essas bobagens como o tempo ou o estado das coisas, enfim, das coisas mais fugidias. O tempo, o clima, pensou, serve mesmo para as plantas, as estações do ano, as marés e os animais, para os homens só lhes dão um empecilho aqui e outro ali. Nada de importante deixaria de ser feito porque chove. Estava debilitado e queria ir ao banheiro, no entanto Pilar não estava no quarto, por isso fechou os olhos por mais algum tempo para que quando ela chegasse não se chateasse, não gostaria que ela pensasse que o havia deixado esperar tempo demasiado.

Cochilou e num sono breve viu um elefante a atravessar o deserto. Havia lido em algum canto e reescrito aquela história e até agora não se dava conta da dificuldade que havia de ter sido esse trajeto. Escreve-la não fora e jamais chegaria perto do esforço que aquele gigante deve ter feito pelas trilhas turvas desse gigante maior, sem trilhas, que era um deserto. Viu o Sr. José na Conservatória Geral do Registro Civil, na última mesa a bater uma máquina, ou computador, sua memória de si e de seus outros já começavam a rarear. Acordou pouco depois com Pilar que lhe trazia o café. Sentou-se com algum esforço, o travesseiro colocado nas finas costas, já emagrecidas, e comeu. Disse a Pilar em bom espanhol, Essas bolachas estão deliciosas, Foi seu Marco da padaria que as trouxe, Agora é ele quem as traz, já não as busca mais, Ele achou que assim seria melhor, para que eu pudesse cuidar melhor de si, Estou bem aqui, estou fraco e adoecido, mas sei que estou sempre bem e há também as enfermeiras que não se cansam nunca de me cansar, José, entenda, disse ela tentando ser compreensiva, você merece e requer cuidados e não seria eu, e parou vacilante sem saber mais o que dizer. Então ele a interrompeu, Dediquei-te um livro uma vez com essas palavras “A Pilar, como se dissesse água” e as repito agora. Ficaram em silêncio por instantes e como se fossem água num rio se deixaram passar. Pilar levantou para levar o café e José se sentiu extremamente cansado, um cansaço feliz, era um sentimento que ele tentava descrever em sua cabeça, porém era incapaz, doía e era bom, enfraquecia a cabeça, mas enrijecia os braços e pernas, foi quando viu a si aos 62 anos sentado na cadeira da frente com uma camisa vermelha, calça jeans um pouco velha e um blazer do tipo que os jornalistas usam. Não se conteve, O que fazes aí, José, Estou aqui porque comecei a escrever agora, E eu, paro de escrever agora, Sempre vais escrever José, estás a escrever nesse instante, Eu sim, mas não minha mão, como vão me ler assim, Sempre preocupado em dizer coisas as pessoas, elas sabem se virar sozinhas, Não é o que parece, Talvez sim, mas bem ou mal elas vão aprender a viver sem ti, Espero que sim, não gostava de ser tão importante, Isso já o é, Isso já o sei. E lamentou com profunda tristeza. Quando num outro canto Ricardo Reis apareceu ao lado de Fernando Pessoa, ambos muito parecidos, com roupas parecidas, só Reis que parecia um tanto mais jovem. E tu Reis, vais fazer o que com tua Lídia, O de sempre José, lê-la, E tu Pessoa, também aqui estás, Não podia deixar de vir, ainda mais que Reis fez tanta questão principalmente depois do tanto que ele me disse de si. Obrigado, amigos, não sabia que tinha tantos assim.

Não pode dizer mais, se emocionava. Aos poucos apareceram mais pessoas: Camões, Eça, Garret, Quental. Todos olhavam José com tamanha singeleza que um profundo e segundo silêncio se fez, foi quando Pilar entrou no quarto e se espantou com o tamanho rebuliço de pessoas no quarto. O que se passa, José, perguntou, São meus amigos da vida, vieram atrás de mim, Estás a ir, Não, ficarei por aqui mesmo, mas de outra maneira. De repente, o José mais moço se sentou ao seu lado e perguntou, E agora José, como é, É tal qual sempre imaginei, dói e é bom, bate um cansaço e descansa, fere, arranha, mas acalma, a morte é bastante dialética. E sorriu. O mais moço segurou sua mão, José se levantou, vestiu uma roupa apropriada e junto com os outros saiu porta afora. Saíram rindo e conversando, e ainda da cama Pilar pode ouvir José dizer, cala-te Camões, és um chato.

Saramago - 18 de Junho

"Então vamos, disse, Para onde é que vai, Vou consigo, Devia ficar aqui, à espera da Lídia, Eu sei que devia, Para a consolar de ter ficado sem o irmão, Não lhe posso valer, E esse livro para que é, Apesar do tempo que tive, não cheguei a acabar de lê-lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo, Engana-se, a leitura é a primeira virtude que se perde, lembra-se." O ano da morte de Ricardo Reis - José Saramago


Não sou uma pessoa que lida bem com as coisas. Não tenho grandes lembranças dos meus avós, nada que me marcasse a ponto de ter aquilo como parte integrante de mim. Lembro no máximo de um cheiro, de uma comida, de umas palavras, mas nada que me faça ser o que sou hoje. Entretanto, esse velhinho, audaz e frágil, irônico e engraçado, forte e sútil, também sou eu. Foi ele que me ensinou a escrever, me ensinou a pensar e me levou às melhores viagens que tive na vida. Lembro que o Sr. José acompanhou minha vida por muitos meses, numa batalha ferrenha entre texto e eu, que no fim perdi e vi o Sr. José, um outro já, emergir na escuridão. Lembro também de Pedro Orce, com o cão sempre ao lado, morrendo ao mesmo tempo que aquela imensa jangada ibérica parava no meio do oceano e lembro também de ali ter nascido uma árvore. Lembro das viagens de Ricardo Reis por Lisboa e das imensas conversas dele com Fernando Pessoa, ou seus passeios por entre os eventos urbanos. Lembro também do pobre Caim, do cão das lágrimas, da mulher de óculos, de Joana Carda, de jesus e até do senhor deus e de todas as pessoas que passaram na obra dele, pois Saramago também era todos eles.
Enfim, Saramago é tão próximo de mim que é um parente, meu avô, minha maior referência, a única pessoa que quando dizia algo eu parava pra escutar, com a admiração de um aluno e o respeito de uma criança. Ele fazia um obra contemporânea parecer clássica e isso me fazia tira-lo do tempo, ve-lo quase como alguém que de outro mundo vem para escrever sobre esse, quase profético.
E agora que ele sumiu, pois um ateu nunca se rende e não seria agora que ele se renderia, vai existir comigo, pra onde eu for e sempre que eu escrever vou tentar fazer jus à ele. Agora que ele sumiu é obrigação minha lembrar também dele e dizer a todos que um homem escreveu, que seu avô era criador de porcos e analfabeto e que ele um dia com as palavras tentou mudar o mundo. E mudou o meu.

14 junho 2010

o tempossentimento

Não sei porque tanto se fala sobre o tempo. Pode ser porque no fundo intuímos que ele é o único assunto verdadeiro, relevante de nossa vida, apesar de quase sempre passar despercebido. Não me vejo envelhecer, por exemplo, a não ser quando minha barba grande e expessa me torna mais velho, carrega meu olhar e meu rosto de traços que não se identificam com aquele eu que sinto por dentro.
Digo tudo isso porque percebo o que um sentimento faz. Gostar de alguém é como abrir uma fenda no tempo, parece que ele não mais existe de uma maneira objetiva, mas apenas da maneira como o encaramos, seja na saudade - eterno -, seja na presença - veloz. E é essa subjetividade que confunde tudo, nunca sei quando é cedo ou tarde, nunca sei quando é muito ou pouco, vou agindo assim de improviso assim como meu sentimento manda, mas a impressão é de que o tempo é meio que sempre um vilão eterno. Acontece que vem um dia, como o dia dos namorados e põe tudo em ordem, faz o tempo ser amigo um dia e me faz feliz como não era faz tempo. Por isso eu quero agradecer a cronos, que tem sido um bom companheiro ultimamente.

07 junho 2010

gênesis

Primeiro havia a escuridão, ou melhor, havia uma certa luz que servia para mostrar essa escuridão cercada por uma fumaça densa e espessa que preenchia tudo, pertencendo-o não só por fora, mas também por dentro.
Depois veio a fuga, um desvio, onde a cabeça precisava descansar e o corpo conhecer coisas novas, se estragar um pouco, ccomo se ao se maltratar se chegasse a alguma liberdade.
Até que os olhos cruzam com os olhos e a fumaça num instante se dissipa. É a nova vida que aparece: a primavera; chega o messias e anuncia a nova aurora que nos abarca quase como num filme bom ou numa lembrança de infância.
No fim, chega o resto, toda a felicidade que a primeira luz fez aparecer. Não há mais fumaça ou desvios, não há mais. É como se a bíblia se tivesse esquecido do apocalipse e ninguém mais fosse culpado de nada, é como se tudo que houvesse de bom na vida se explicasse por uma palavra, que simples sai da boca da menina: sim.

04 junho 2010

da poesia

Não entendo as poesias, vazias.
Se dizem de sonhos, mas me parecem de mim
Estico e esgarço-as, nada sobra
Eu sobro.

A poesia que imagino e que não vivo
Seria poesia de outro, de fora
De quem não sabe que diz, e rima
Incessantemente palavra à palavra

Aí eu olho o computador e vejo as linhas
Que lembram poesia pela forma
Mas não parecem nada e não são.
Sinto vontade de falar palavrão...

Finalmente eu lembro o que me fez vir aqui
Queria escrever sobre esse outro
Esse sentimento imenso e feliz
Que faz que a poesia seja eu
Enquanto quero que ela seja de outro

E é nesse esforço que é sentir –
Quando toda poesia parece estúpida
E todas as palavras são ditas
E imensamente repetidas –
Que percebo que é dessa matéria que a vida é feita

Dessa mesmo
Disso tudo
Desse movimento
Que não sei o que é...

31 maio 2010

purgatório

Apontei o lápis, mas não escrevi nada. Aquele buraco me incomodou. Meus olhos querem se fechar, pedem que eu durma um pouco, tire um chocilo, coisa de meia hora digo pra mim, mas resisto. A cabeça começa a trabalhar novamente, primeiro me diz que não são os olhos que fecham, mas as pálpebras, depois me faz perceber que dá até pra sentir, ao se fechar bem, o toque dos cílios superiores com os inferiores. Essa é a cabeça que não para nunca, como se meu presente fosse asburdamente distentido, como se meu dia fosse sempre durar uns três, como se, ao estar doente, eu vivesse algumas vidas, com alguns amores e muitas decepções. É como se eu fosse católico e não importa o que quer que acontecesse, acabaríamos no juízo final, tendo que prestar contas, e quiçá um purgatório me apareceria, ou ainda, poderíamos chegar todos juntos no apocalipse. Seria um presente público, não só esse interno, meu.
Acontece é que, muito feliz, não consigo deixar de pensar que haverá uma lei da compensação. Acontece que quem muito quer nada tem, quem é vivo sempre aparece, quem avisa amigo é, quem tem boca vai a roma, ou seja, quem faz tudo, quem está em todo lugar, a vida é toda de quem, e quem com ferro fere com ferro será ferido. No entanto, no final sempre fica tudo pra depois, pego meu violão, sento na cama, deixo os olhos (ou as pálpebras?) se fecharem e canto bem devagar a canção: quem tem medo do lobo mau...lobo mau?”

24 maio 2010

a urca

Estive no lugar mais lindo essa semana. A Urca me renovou, fez renascer em mim uma coisa boa, guardada, tão pouco cuidada. É tão bom quando a natureza toma a gente e não a gente toma ela, é tão bom poder se entregar a essa força maior que eu. No fundo, odeio quando chamam de deus, porque sendo natureza é tão mais lindo, mais poético e tão mais divino do que se ele existir mesmo. Como diria o velho Quintana: "tão bom morrer de amor...e continuar vivendo". É disso que falo, de uma poesia que esse lugar me fez desfrutar. Tentei descrever a prainha, com as casas, com a mureta, as pedras e a vista, desisti. Agora falo só das sensações. No fundo a urca pra mim é uma imensa metáfora.

20 maio 2010

decifrar

Ela anda, ela dança, ela fala do presente, do passado, ela conta segredos, ela dissimula, diz coisas que me fazem pensar em um, mas devem querer dizer outro. Ela faz planos e eu penso que gostaria de decifra-la. Imaginem que ela está sentada num banco de praça com as mãos pousadas no joelho, o cabelo longo solto, o olhar expressivo inerte, e o sorriso fechado, trincado. Ela é de uma simplicidade que não consigo acompanhar, é factual, é quase jornalística, pragmática, prática, objetiva, parece quase mediana, mas pelo contrário, sou eu que de uma profundidade cambiante, de uma dialética opressora e fragmentada não consigo pensar em nada que faça sentido. Quando eu penso em decifra-la, penso numa batalha entre esparta e os nazistas, penso em mil metáforas uma depois da outra numa sequência infinita. É como se ela, ao ser quem é, revelasse a mim quem eu sou na maior profundade, ela revela a essência de mim, algo doído que só se dá nessa dialética. E ela continua sendo linda: anda dança, fala do presente, do passado, conta segredos, dissimula dizendo uma coisa que me faz pensar em um mas é outro. Ela planos e eu penso que gostaria de decifra-la. É uma fraqueza, mas é a maior delas...

12 maio 2010

um livro

uma vez esqueci um livro com uma amiga,
ela nunca devolveu e eu comprei outro igual.
a ausência daquele livro vive em mim
será que ela leu o livro?
será que ela leu o livro igual a mim?
ou será que ela leu um outro?
será que aquele era diferente do meu?

nunca vou saber.

é engraçado

É engraçado. Meu amigo Saulo que sempre diz que adora começar um texto com "é engraçado", mas é tão bom. Esse "é engraçado" é como se a gente tivesse uma profundidade de coisas ilimitadas a dizer, mas no fundo são apenas bobagens que a gente vai pedir perdão depois, ou então vai se arrepender, ou então algo que a gente quer escrever e logo depois esquecer.
Acontece é que está passando um futebol aqui na televisão, eu estou sozinho, vi dois filmes hoje, fiz um trabalho e estou bastante cansado de pensar e mesmo assim ainda não fiz nada. Eu gosto de tudo que eu fiz e estou feliz, mas esse "não fazer nada"- porque não há reconhecimento de ninguém - me incomoda, daí eu fico com raiva e digo que odeio todos numa espécie de misantropia. Às vezes as coisas são assim. E já estou profundamente arrependido de ter escrito isso, gostaria que fosse um texto leve, mas saiu isso e está muito chato. Parei, mas que é engraçado, é!

Mil e uma noites

Toda narrativa que tem a oralidade como marca de criação possui suas histórias baseadas num viés duplo: são ao mesmo tempo anônimas e coletivas, sem autor e autoria, representam um povo, um espaço ou um tempo. É interessante reparar, então, que essas narrativas são pautadas basicamente em uma base: a história do próprio passado de um determinado povo mais o imaginário que funciona como espécie de memória - marca de passado – e variação (marca de presente e futuro). É como se esse imaginário moldasse a narrativa a partir dele próprio e assim, elas vão se tornando histórias coletivas, que representam aquele povo através de seu próprio tempo.

Borges começa sua fala ressaltando o fascínio do Ocidente pelo Oriente que representa o estranho, o escuro, o outro, o inexplicável. Destaca que o Oriente não tem uma noção de história como temos, para eles a história é fluída, cíclica, não existe uma “sucessão de fatos”, por isso que os egípcios eram vistos pelos gregos como povos “de outro tempo”, o que novamente destaca uma espécie de temporalidade, um fato determinante para o interesse na história das “Mil e Uma Noites”, uma vez que esse “mil e uma” não representa exatamente esse número, mas sim, um infinito número, um incontável número de contos que cabem dentro daquela mesma narração de Sherazade. Aliás, essa forma precisa e exata de se manter sempre uma obra aberta e que permite não só a adaptação, mudança e criação de novos contos, como também essa participação plural de vozes que permeiam e adentram a obra, num profundo exercício de lapidação. É nessa obra “aberta” de “mil e uma noites” que torna possível imaginar que seja uma obra infinita, o que virtualmente ela é, pois cabem mais mil e uma noites dentro dessas, como diz Borges: “os arábes dizem que ninguém pode ler as mil e uma noites até o fim”, mas não porque não conseguem, porque ela dá a sensação de infinitude.

Borges (pg. 78/79) explica que esses contos perpassaram por vários povos, o que de certa forma torna mais complexo esse movimento de oralidade, trazendo mais elementos que são conflitantes e tornando essa “lapidação” ainda mais rica em pluralidades, temas e composições. Em determinado momento diz: “Esses contos devem ter sido fábulas. Suspeito, aliás, que o encanto das fábulas não esteja na moral”. É importante esse destaque para as fábulas pois elas são pequenas histórias, também em algum nível, abertas, que permitem emendas, cortes, que trazem em si também elementos mágicos ou fantásticos como a possibilidade de animais falarem entre si ou com humanos, de animais serem antropomorfizados, entre outras fatos. E o que se vê nas “mil e uma noites” é isso: uma história que permite entradas do mundo fantástico, seja com lâmpadas mágicas, anéis, ou com poderes de gênios ou de deuses. E o que seria essa magia? Um tipo de causalidade diferente, uma relação causal até então estranha, típica dessa concepção do mundo do oriente. A diferença entre a fábula e as “Mil e uma Noites”é que a fábula ganhou um tom moralizante, principalmente ao serem traduzidas pela idade média nos mosteiros (onde até acrescentaram uma frase contando a moral da história), enquanto que as “mil e uma noites”, reunidas no séc. XV e traduzidas pela europa na auge do neo-classicismo, mas que quase cita o romantismo, foram interessantes pela estranheza, pela diferença das obras da época, ela era livre e permitia ao imaginário viagens, ao contrário das fórmulas até então vigente de Boileau, baseadas na Arte Poética de Aristóteles da “grande arte”.
Nesse sentido, podemos destacar os povos como uma “escritora” dessa obra, ainda que não configure uma “escritura” da maneira que conhecemos hpje. Essa escrita de efeito curioso, em uma espécie de infinitude, onde cabem contos dentro de contos (o que acaba por se aproximar do gênero “novela”) nos traz uma espécie de vertigem, de sombra, de breu, onde as coisas não são reconhecíveis e portanto se permitem à metamorfoses. Assim, as histórias das “mil e uma noites” também são as histórias de Ulisses, no caso do Polifemo, ou seja, são traços de narrativas que permitem a entrada de outras. Quem sabe todas histórias sejam das mil e uma noites? Quem são nós não fazemos partes dessas noites intermináveis?

A oralidade permite, então, que o imaginável e o imaginário estejam presentes como marca de espaço, tempo, ação e temas. Tudo está dentro de sua estrutura, nada é permeado por regras, dogmas, estruturas fixas, pelo contrário, a oralidade permite que tudo que a mente conseguir conceber esteja envolvido em todos os processos dessa história. A mil e uma noites não são apenas histórias transmita oralmente e depois transcrita, ela faz parte da história do que somos enquanto pessoas, nossas crenças, nossos mitos e nossas profundezas inexploradas. É o registro do que foi nosso pensamento e da base de um pensamento atual que ainda nos permeia, por isso é tão contemporânea e tão presente, por isso que é fascinante, porque as “Mil e uma Noites” ainda não chegaram ao fim.

referência - Palestra de Jorge Luis Borges, "As mil e uma noites"