30 junho 2011

as más idéias

Tem horas que me vem uma frase na cabeça e eu penso: "genial, vou escrever sobre isso." No caminho até o computador a frase se vai, o pensamento também, fica só aquela vontade, aquela sensação de que alguma coisa eu pensei em dizer. Ainda bem que eu não me importo com as boas idéias...já com as más...

28 junho 2011

às duas

Uma sensação intraduzível, e não uso a palavra sentimento porque os sentimentos são falhos, frouxos, se esticam para lá e para cá sem qualquer razão, é a sensação das duas da manhã. Se eu pudesse dar um conselho à qualquer pessoa não seria ver o nascer ou o pôr-do-sol, dado o fato de que a natureza nos engana o pensamento, mas sim, deixar-se em casa sem pronunciar qualquer palavra a ver a noite chegar e depois a madrugada, até às duas da manhã. Se ao ponto nada acontecer, duvide de sua humanidade.
Às duas chega uma sensação que diria eu ser de mundo. Deixar-se ao tempo, à noite, mas não muito como às 4 da manhã, quase ao amanhecer, nem tão cedo à meia noite quando a maioria ainda descansa do cansativo dia.
Duas da manhã está entre lá e cá e forma uma espécie de zona de fronteira da madrugada. Tudo faz sofrer e nada é sofrimento. Tornamo-nos distantes das coisas, da realidade e vem-nos uma pulsão de vida. Nada quente, uma pulsão de vida como tomar um copo d´água ou ouvir uma história dos avós.
Todo os dias, às duas da manhã, tenho vontade de olhar para o céu e perguntar: "amigo, há quanto tempo estás por aí?"

25 junho 2011

Ponto Fraco



Texto do programa de Ponto Fraco, prática de montagem da UNIRIO, com direção de Leandro Romano e dramaturgia de Luiz Antonio Ribeiro:


Há um ponto. Todo mundo sabe disso. Sem o ponto não há nada a fazer, não há onde ir e é até impossível se mexer. O ponto serve, no mínimo, pra que a gente se equilibre sobre ele. Sem o ponto a folha está em branco, completamente vazia. A cena, sem o ponto, fica muda. O ônibus sem o ponto vai errar como nômade pelos espaços da cidade. O ponto existe e a gente sabe como é ativado. Sabe como ele é frágil, tímido e se nega a aparecer. O ponto é esquivo, arisco, é quase que uma entidade espiritual que só aparece quando quer ou então quando se chafurda, se lança e se humilha perante ele.
No entanto nosso objetivo não é esse. É que as atrizes, o diretor, o dramaturgo, o cenógrafo, o iluminador e o figurinista sabem do esforço que é lidar com o ponto. Há uma tendência a, antes de tudo, encontrar o ponto. E, escolhido aleatoriamente, o ponto vira quase uma estrela, o ponto é como um guia para cegos e nós, cegos, nos atiramos ao ponto.
Nós, no entanto, somos cegos sem guia. Estamos largados e nada sabemos do ponto. É claro que ele é importante, ele dita os caminhos, mas se o ponto não está lá, estará o caminho?
A partir dessas narrativas pontuais, mas também, sem pontos é que lidamos com a cena. Estamos no caminho certo, à procura do ponto perfeito, porque sabemos que ele está bem na nossa cara, se esfregando, na ponta da língua. O ponto, em fila pequena, é reticência. Em fila grande é pontilhado. O ponto é tudo que se fala dele, é tudo que se escreve no pontilhado e tem reticências no fim.
É o ponto...que é fraco.

17 junho 2011

solidão

Faz muito tempo que aprendi a solidão. Acho que todos aprendemos mais ou menos na mesma época, ali por volta de seis, sete anos, quando nossa mãe nos esquece por um momento ou a professora da escola diz que você está errado. É uma sensação tão forte que marca e qualquer outra solidão, depois dessa, parece que repete-a.

Depois resolvi aprende sobre a solidão. Sabe quando dizem: “você tem que estar preparado para o que vem.”? Geralmente dizem isso pra coisas simples, tipo levar um guarda-chuva e casaco pra não pegar gripe, comer verduras pra estar com o organismo forte, arrumar as malas porque a carona pode chegar antes, no entanto, essa questão, pelo menos em mim, vai além. Estar preparado para o que vem é apontar do momento em que se está até o dia da nossa morte tudo aquilo que é passível de acontecer e, aos poucos, preparar-se para todas as ocasiões.

A primeira delas é simples, a morte de nossos avós. A ordem natural é que eles morram primeiro que a gente, então é preciso o mais cedo possível se preparar para esse acontecimento. Isso quer dizer, fazer todos os carinhos que estamos devendo, comprar um presente pra eles e perguntar toda a história de suas vidas e de nossa família, pra que no futuro possamos contar pros que vem aquilo que ouvimos. Isso também inclui comer muito feijão, bolinho de batata sem salsinha, sentir o cheiro da vó que faz crochê como ninguém apesar de não saber contar. Estar pronto é um pouco de sentir saudades antecipadamente e, justamente por isso e um pouco trágico, é preciso também um pouquinho de distância deles. Não é frieza, nunca. É distância, é preciso que não dependamos deles pra nada, que toda nossa relação seja simplesmente afetiva, sem qualquer dependência sua pra eles.

A segunda é, óbvio, se preparar pra morte de nossos pais. É a ordem natural e talvez a coisa mais difícil de se fazer. A lógica é complicada e até hoje tenho dificuldade de equilibrar, porque, em via de regra, é fazer o mesmo que fazemos com os avós, só que com muitas mais dificuldades, porque os pais são os seres do amor, da gênesis. Não somos igual deus que abandona Adão e Eva com facilidade, nós amamos. É até complicado tratar disso em um texto, acho que não tenho essa força ainda. Pulo.

Por fim, é estar pronto pra todas as vicitudes do mundo. Todas as porradas que você vai levar, todos os desagradados que vai ter de passar, todos as ofensas, falta de respeito, puxada de tapete, soco na cara, ressaca. É preciso estar preparado pra tudo isso.

Aliás, a ressaca é um belo exemplo. Preparar-se pra ressaca é preparar-se pra vida. Sabe-se que ela vem no dia seguinte, então o dia de beber é escolhido a dedo, todo o ritual pra amenizar é seguido e um certo controle mental antes e depois que permita o descontrole do momento. O fato é: o mundo é perigoso, vai ofender e é preciso estar pronto.

Depois vem a saúde. Ela é a primeira a cobrar. É engraçado ver como as nutricionistas falam em evitar gordura, hormônios, carboidratos, açúcar. O dia que uma não morrer e viver saudável pra sempre, eu juro que sigo as instruções, mas enquanto elas se forem com a mesma idade que minha vó da roça que comia fritura na banha de porco, nada feito. Preparar-se pra ter problemas de saúde é saber quais seus pontos fracos, onde que rebate os problemas no nosso organismo e, tudo que vier dali, não ser surpresa.

Acho que agora é o mais importante. A solidão pela solidão. Estar preparado para a solidão é aprender a estar sozinho. Dizia Baudelaire: Quem não aguenta a solidão do seu quarto, nunca vai aguentar uma grande cidade. A solidão é aprender a ler trechos de livros enquanto caminha pela casa, é não esperar que a TV complete o vazio dentro de você, é saber que por mais que você estude, trabalhe, é absolutamente inútil e serve apenas pra dar dinheiro pra você gastar com coisas que você não vai querer pra sempre. Aprender a ser solitário é se olhar nu, mas uma nudez suja, daquela que não toma banho ou que não arruma a casa. Uma nudez que você só permite a você mesmo e mesmo assim se envergonha. Quem fica sozinho em casa e toma banho, usa maquiagem e troca de roupa, nunca vai entender de solidão. Essa solidão nua é a mais difícil e muita gente tenta completar com amigos, amores, festas, mas eu prefiro não. Prefiro encarar a solidão de minha casa comigo mesmo e cada vez mais aperfeiçoar esse talento de não estar, de não ser presente. A saída é aprender a não-ser. A necessidade de ser o tempo todo, de estar limpo, inteligente, sagaz, engraçado, perspicaz e disponível acaba com qualquer individualidade e inteligência. O que é preciso é não-ser, deixar a ignorância passar, perceber as redes sociais como o lugar onde os outros caçam...peixes. Os amigos, em alguns momentos, completam esse buraco do não-ser, mas eles, e isso é um desejo meu, também vão conseguir não ser, justamente por isso, não posso depender deles, seria cruel demais.

A solidão nua, a solidão suja, a solidão da louça não lavada e da roupa jogada é o desafio. Essa solidão de que se abre mão de quase tudo que existe pra ficar ali, no cantinho da cama, pequeno, quase não existindo, controlando até a respiração e o movimento das pernas. É ouvir música em fone de ouvido mesmo estando sozinho. É pegar um papel pra escrever uma carta e deixar ali, na mesa, com o lápis do lado por horas e horas. É preparar um prato de comida sem esquenta-la, deixar esperando no micro-ondas, é abrir uma caixão de bombom e não comer. É olhar pra isso tudo com a maior complacência e sentir no fundo, não dizendo: “fica pra depois.”

A solidão não corta e não mata. Não existe nenhum sofrimento que vem da solidão. O maior sofrimento vem do outro lado, vem da porta pra fora. Aqui dentro, enquanto houver eu-não-sendo, vai ser o melhor lugar do mundo e o único que eu posso estar.

16 junho 2011

formigas 2



as formigas parecem que me leram
talvez o tenham feito.
andam, agora, pra lá e pra cá
desconexas, sem qualquer linha
reta ou torta.

e eu pensando:
"pra onde elas estão indo?
meus deus,
porque elas andam?"

é que eu não entendia, até então,
que elas andam pra comer
e eu como pra andar...

14 junho 2011

formigas


No azulejo do banheiro as formigas caminham em linha e formam uma fila que só para fora do olhar.

"Meu deus", penso eu,
"que linha torta!"

Depois pensei que se elas aprendessem a reta criariam trilhas, caminhos, estradas e, por fim, a fome do engarrafamento.

12 junho 2011

doze

Há de ser muito filósofo pra se falar do sublime. E o amor, o sentimento mais sublime de tudo que há, está no oposto da filosofia. O amor é a anti-filosofia, como verruga em morto, é anti-natural e por conta disso, aquilo que há de mais forte. Por isso que, digo hoje, meu amor é maior até que a natureza, que o cosmos, porque eu sou a redução de tudo que existe. Amor hoje, doze de junho, sou eu.

08 junho 2011

rebelde

Quando ouvia ainda criança a palavra "rebelde" me vinha uma estranha sensação. Tinha uma breve repulsa por aquele que era rebelde, porque era alguém que a família não gostava, que os amigos tinham medo, que não conseguia se misturar e era sempre mal visto. Ao mesmo tempo via o rebelde como alguém duro, que precisava mais que de ordem, de atenção. O rebelde era, na minha visão, um ser que ainda não foi domado e que por isso fazia o que fazia.
De qualquer maneira e isso é o que importa, o rebelde era alguém que impunha respeito. Rebelde era, pra mim, alguém que podia fazer alguma coisa inesperada, completamente fora da regra e isso era assustador.
Hoje em dia vejo a rebeldia como a única saída do mundo.

dicas:

1 - É preciso não fazer o que esperam de você.
2- É preciso que, ao romper os padrões, faça com sutileza mesmo que se arrombe a porta, porque o gesto já é claro por si só, não precisa de pomba nem de avisos.
3- É preciso inverter a lógica: o que é bom necessariamente precisa ser ruim e o que é ruim torna-se prioridade.
4- A tradição nada mais é que objeto de apropriação e escárnio. O que vem do passado serve apenas como ponto de partida de referências do que é velho. O rebelde precisa ser novo.
5- É preciso ser chato. É impossível ser rebelde e ao mesmo tempo agradar. Na vontade de ultrapassar as barreiras, o contentamento seu ou do outro é ponto cômodo que leva ao sucesso, e um rebelde nunca sucederá.
6- A família para o rebelde é cobaia. Não que ele não ame, mas antes de amar, ele precisa fazer que o amor seja livre, nunca parte do protocolo existencial genético social.
7 - O rebelde não pode ser dialético porque ele não faz síntese. Ele não trabalha em opostos nem com oposições. Ele ri das duas, ultrapassa-as com uma ironia ou um golpe de humor inteligente e as dissolve em instantes. Um rebelde, por exemplo, nunca pode ser um comunista.
8 - Não é possível ser culto na rebeldia. O excesso de cultura é tradicional em demasia e, por conta disso, é conservador. A inteligência dele está em reverenciar os mestres sem seguir seus exemplos, porque, na verdade, os mestres são homens que se deve admirar, nunca seguir.
9- É preciso não ter religião. Só.
10 - É preciso nunca saber/pensar/usar a palavra produto. Nada é produto porque nada é apropriável, nada tem duração, nada tem tempo de maturação. Tudo é instantâneo, urgente e grave.

O rebelde é esse e mais não falo.