29 dezembro 2009

.2 - apêndice

saca: http://ouziul.blogspot.com/2009/12/2.html
francisco... diz:
muito bom, cara. o texto tá ótimo, apesar deu não concordar com a ideia
ziul diz:
pq?
francisco... diz:
pq vc conclui que existe uma funcionalidade primeira pras coisas, como se fosse algo natural
e com isso eu não posso concordar
ziul diz:
nããão...funcionalidade da palavra.
não das coisas.
francisco... diz:
sim
mesma coisa
e vc fala sim das coisas
ziul diz:
não, não falo não.
falo q não tem pq ignorar o sentido óbvio, material da palavra.
pq ela existe pq antes disso a coisa existia.
e a coisa pode ser outra coisa, a palavra antes de ser, é ela mesma
francisco... diz:
é disso que eu discordo
ziul diz:
aaah tá.
francisco... diz:
Então fuçar, chafurdar e ciscar é tão forte, submisso e modesto quanto isopor, fronha e cabine-dupla são necessários, úteis e facilitadores.
ziul diz:
mas essa frase não tá dizendo isso, tá dizendo q os adjetivos vem depois e poderiam ser qualquer um
francisco... diz:
então
é com isso que eu não concordo
é que a palavra dá o significado, e vc fala como se a coisa existisse e tivesse um valor ou um significado em si, e a palavra viesse só pra facilitar ou explicar isso
ziul diz:
NÃÃÃO.
eu digo q a palavra é cristalizada e a ação não!
francisco... diz:
uhuahuhu então vc se explicou mt mal
escreve essa frase aí no texto

.2

O cachorro fuça, o porco chafurda, a galinha cisca. Todos verbos que parecem ter sido feitos exatamente para cumprir as funções que cumprem, suas sonoridades se coordenam perfeitamente com as ações e não permitem embustes ou adaptações, por exemplo, se o cão resolve chafurdar perde um pouco de sua canilidade e o mesmo aconteceria com a porquidade do suíno se resolvesse ciscar. A galinha não é bicho, é gênero, pois o galo não cisca, o galo vive uma esfera maior dos animais, como se nos galinheiros houvesse área vip e eles, como estátuas, fossem criados e servidos como formigas-rainhas, enquanto que galinhas e pintos “chafurdam” por entre a miséria do galinheiro, fuçando os restos para o outro e para si.

Aposto que nesse exato momento, quem quer que me leia está imaginando metáforas. A mente humana, estúpida na sua criação tem essa tendência, detesta o concreto e já tenta logo construir um outro sentido para aquilo que se vê ouve diz fala toca, bobagem. O concreto é ainda muito melhor que o metafórico e o abstrato nada mais é do que a forma do concreto. Então fuçar, chafurdar e ciscar é tão forte, submisso e modesto quanto isopor, fronha e cabine-dupla são necessários, úteis e facilitadores.

Tirar da matéria a matéria é tirar do chão o piso, do leite o copo e da mente o erro. É esquecer que se chafurdam é porque foi preciso chafurdar e não há nada que se possa fazer.

24 dezembro 2009

incondicional

Eu sempre achei que o amor, que o grande amor, fosse incondicional, que quando duas pessoas se encontram, quando esse encontro acontece, você pode trair, brochar, azar, todas as porradas. Se for o grande amor ele vai voltar triunfal, sempre, mas não, nenhum amor é incondicional, então acreditar na incondicionalidade é decididamente precipitar o fim do amor, porque você acha que esse amor agüenta tudo então de um jeito ou de outro você faz esse amor passar por tudo e um amor não agüenta tudo. Nada nessa vida é assim, daí você fala que esse amor não tem fim para que o fim então comece. Um grande amor não é possível e talvez por isso, por não ser possível, é que seja grande e que assim, importante ele pode fazer também o impossível, mas quem acredita? Quem acredita no impossível que não seja apaixonadamente, como à um deus, incondicionalmente.

michel melamed.

23 dezembro 2009

sentimento de fim de ano

Hojé é 23 de dezembro de 2009. Fisicamente estou exausto, fui a muitas festas, dancei muito, bebi muito, brinquei muito e só hoje percebi que o tempo passou. Foi tudo bom demais, melhor até do que eu esperava. Esse texto parece biográfico, mas não é, pode ser tudo mentira, pode ser tudo verdade, mas o que estou tentando falar nele é de um sentimento. Esse de passar muitos dias com as pessoas que se gosta e agora, pela primeira estando sozinho, lembrar de como foi muito bom. Então bate uma saudade até do que não fizemos, bate uma saudade de um ano inteiro que passou e dá vontade de agradecer por tudo que ele fez. Amanhã é véspera de natal, depois vem o ano novo e tudo volta ao normal. Só que agora, nesse instante, é isso que eu sinto e gostaria de agradecer por tudo que tenho recebido.

18 dezembro 2009

os mosquitos

Eu tenho um pouco de inveja dos mosquitos. Eles me parecem sempre tão independentes, fortes, inteligentes, perspicazes. A impressão que tenho é que eles ficam a espreita e esperam a melhor hora para entrar em nosso quarto, depois ficam circulando por ele, até que se mostram para gente, meio zombeteiros. Pouco depois, começam o ataque que consiste em rodear, rodear, e fugir de nossos golpes, até que numa distração, eles pousam na gente e sugam nosso sangue. Sem dó, rápido, perfeito. A gente não percebe e em poucos segundos começa a inchar. Eles, vencedores, dão mais algumas voltas e pousam na parede, felizes e satisfeitos. E zombeteiros de novo não ligam de morrer, ficam ali curtindo a vitória e por fim, quando a gente consegue mata-los eles sujam nossas paredes e chinelos com nosso próprio sangue. A missão deles, no fundo, talvez seja nos ensinar humildade, mostrar que como um ser pequeno nos vence e materialmente, expondo-nos o nosso sangue faz com que a gente se defronte com nossa morte.

17 dezembro 2009

a fila

tive com uma senhora na fila do ônibus. Era uma dessas velhinhas simpáticas e carentes que o filho mudou de cidade pra só visita-la uma vez por mês. Disse ela:
- o problema são as filas.
Achei que ela estava puxando assunto igual as velhinhas fazem e ignorei.
- São as filas, eles conseguiram.
Fiquei curioso e perguntei:
- Eles? Eles quem?
- Meu filho, é isso. São as filas a forma que eles usam pra controlar a gente.
- Como assim? Filas? Eles?
- É, exatamente. É uma maneira de nos fazer presos aos desejos, de fazer com que conquistemos nossas vontades, anseios, mas que percamos nossa força de lutar, de ver o que é justo. Por exemplo, como chego em casa se eu sair dessa fila?
- A senhora poderia ir a pé.
- E seria justo que eu fosse a pé com a minha idade? E mesmo que eu fosse nova, o certo não seria termos a liberdade de escolher como vamos?
- Mas temos, temos sim. Eu posso ir a pé.
- Que nada, você escolhe entre pegar fila ou não, não entre ir de ônibus ou a pé. O meio fica secundário.
- Mas é que é muito difícil, é muita gente nas cidades. Por mais que eles façam...
- Nada disso, meu filho. Isso é o discurso deles, claro que os problemas são grandes, mas todos nós pagamos pra que os problemas sejam resolvidos. Quem paga assinatura de jornal, recebe o jornal, quem paga as contas deveria ter os benefícios.
- Entendo, mas isso me parece distante.
- Distante nada, eles fazem isso pra que só possamos reclamar no máximo ali com o fiscal. E reclamar da fila, não do problema em si. Já o fiscal nada pode fazer e a gente fica com a sensação de que nós também não.
- E como mudar isso?
- Não tem mais jeito. Ou abandonamos a fila ou permanecemos nela.
- A gente pode criar um problema, sei lá, tipo uma rebelião.
- Claro, e quem sairia perdendo? Quem está aqui. Levariamos mais tempo em nossos destinos, nossas casas, nossas famílias.
- Então estamos presos a essas filas?
- Isso. Estamos presos a todas as filas. A vida, no fundo, é um intervalo entre filas.
- Vou a pé, só hoje! Adeus.
- Vá meu filho...

Saí pensando em como poderia ter andado menos, daí me senti injustiçado, meio sem forças, meio corajoso, mas nada fiz. Cheguei em casa e só.

11 dezembro 2009

07 dezembro 2009

flamengo




O primeiro som do meu dia foi do meu pai tomando café na cozinha. Sabia que aquele dia seria diferente e mais que sabia, tinha uma intuição de que seria o melhor dia da minha vida. Rolei pela cama fazendo planos entre o sono, a ansiedade e o medo do fracasso. Porque ter uma paixão é atirar-se ao acaso e não perceber que dele se fará a vida após aquele instante.
Depois me levantei e vesti o manto. Dei bons dias e olhei para a janela. Não tinha sol, anúncio de um dia nublado. Menos mal, penso eu, quando tudo parece ajudar é que o fracasso vem. Um belo sol poderia iluminar mais esse caminho que eu nem queria pensar. Tomei meu café e sentei na varanda a olhar o jardim. Eu me mexia muito de nervoso e cheguei a pedir calmante pra mim mãe, dizendo que assim como tava, eu não ia aguentar.
A hora num passava de jeito nenhum e eu queria morrer um pouquinho para viver muito mais daqui a pouco. O telefone começa a tocar e as pessoas dizendo pelas entrelinhas que era dia de abraçar, dia de mudar a vida, dia daqueles que nunca esqueceremos. E eu dizia que hoje o dia era nosso e de ninguém mais. Ninguém.


Até que dá uma hora antes e eu mudo a bermuda, visto um tênis e vou pra rua. Comprimento os desconhecidos que vestem o mesmo manto que eu, sorrio para todos, pego uma cerveja e vou. Chego no meu destino e a partir daí é só alegria. Choro porque ainda sou criança, choro porque o flamengo é muito maior que eu, muito maior do que eu posso ser. O flamengo é das minhas paixão a mais descompromissada, por isso a mais sincera. O flamengo é o que faz de mim e do mundo, uma pessoa e um lugar, melhor(es) de se viver. Sem ele, meu desgosto seria profundo.
Parabéns pra nossa nação, parabéns!

03 dezembro 2009

o cachorro late

no meu sonho o cachorro late - e eu não gosto de cachorro - e então a menina aparece - mas já não gosto da menina - depois eu almoço - que no sonho é um saco - e eu tento que alguém me veja - e não consigo porque sou pequeno, o que é frustrante - conquistar tudo aquilo que sempre quis - mas eu ainda não havia decidido nada - reclamo - como sempre - me embriago - como todos os fins-de-semana - dia seguinte, sinto a consciencia pesar - quase resolvo ir pra uma igreja - mas me recupero em uma tarde - acho que era só ressaca - e tudo fica próxima - igual - então tiro um cochilo - acordei suado porque fazia calor - e no meu sonho o cachorro late.

01 dezembro 2009

poesia de cortina

da janela não vejo nada
o que atrapalha a poesia
que fica dura feito concreto,
lâmpada e alumínio.

a cabeça já não lateja mais
sem idéias fixas ela flutua
entre o tédio do nada fazer
e o todo de se perder

as meninas se fixam
transitoriamente entre
o que eu quero
e o que vou fazer

uma, melhor que as outras
vira brincadeira de criança
que prefere o jogo
ao prêmio que aponta

e sem poesia de janela
sem poesia de luar
o que se escreve vira traço
momento roubado do nada

e o que era pra ser belo
agora é só disforme
como se o mundo assim
pudesse fazer sentido

25 novembro 2009

a paixão

uma coisa que sempre me intrigou é qual o exato momento em que nasce uma paixão. Sabe aquele segundo em que a gente percebe que o mundo voltou a estar em ordem, voltou a fazer sentido e que tudo a partir de agora será mais feliz, porque aquela pessoa entrou em nossa vida? Costumo dizer que percebo minhas paixões quando acordo e penso na pessoa, mas não é tão verdade assim.
Acho que é mais subjetivo ainda. A paixão é latente quando a gente percebe que não vai conseguir largar a pessoa, por mais que se tente; é quando a gente começa a imaginar o que a pessoa pensa enquanto a gente pensa nela; é quando noves fora, a gente percebe que a nossa vida é por algum momento da pessoa e que tanto nossa felicidade quanto nosso fracasso depende dela.
Por isso a paixão é tão arriscada, mas tão singela, porque tem o tamanho de um elefante com a leveza de um pássaro. É cor, mas também é forma. A paixão é um eterno sonho dentro do acordar. Então a paixão não é aquilo que é percebido quando se acorda e pensa na pessoa, a paixão é aquela que dorme junto e vela pela gente até o amanhecer.

21 novembro 2009

sábado



Era sábado e eu jantava antes de sair. Na mesa estavam meus pais comentando da vida, o que se limitava a discorrer sobre uma série de tragédias sobre a morte, que eu não ouvia primeiro porque era sábado e segundo porque não consigo fazer das desgraças um assunto.
Me tornei inerte e aos poucos me vi como uma figura de Goya, sombria e disforme, um tanto quanto assustada, remissa, como se a todo momento pedisse absolvição. Isso porque sabia que devia comer para evitar um pileque e isso porque já me perdoava intimamente do que eu talvez viesse a fazer quando de mim se apossasse o descontrole que eu tanto busco.
Meus pais preocupados em falar da vida e da morte achavam que assim me assustariam, me dariam uma espécie de má consciência que me fizesse aproveitar menos e me cuidar mais. Acham que histórias dos outros são exemplos diretos para mim e não apenas histórias dos outros. No fundo, eles me abraçavam, enquanto em diminuíam.
Então eu saí um pouco menor do que eu sou. Não procurava conforto, mas justamente o contrário, por esse motivo cheguei antes e curti uns vinte minutos sozinho no bar, sem beber, ainda numa tentativa desesperada de me preparar. Até que aos poucos as mesas começam a encher de pessoas e garrafas, os cigarros proibidos fazem uma certa falta, porque a ausência de fumaça releva mais do que gostaria que revelasse.
Chega a pequena. Parece desestabilizar e mais que isso, busca desestabilizar, mas o que ela tem de mim não é bom e o que eu tenho para ela também não, então essa impossibilidade cria uma distância entre o que já existe entre a gente, mesmo que num outro lugar, e o que jamais vai existir. Esse desconforto chega a doer, porque já não sou, nem poderia ser aquele outro e ela ainda é e nem por um momento será aquela outra. A dificuldade é perceber que entre eu, a cerveja, ela e o bar há muitas coisas, mas a maioria delas são só histórias. Assim como as tragédias que contam meus pais.

17 novembro 2009

o matadouro

“Se a maldade deles é infinita,
infinita também é sua pobreza.
Não foi a maldade dos pobres que você me mostrou,
foi a pobreza dos pobres.”
Bertold Brecht

De braços abertos e grito abafado pelo som das máquinas, Adão despencou lá de cima. Foram alguns segundos apenas, olhar para um lado, tropeçar e puft, ou qualquer som desses, se bem que o primeiro barulho foi seco, da queda e depois o da trituração, mas nada diferente do som que já se fazia. Caso se tivesse olhado momentos antes, se veria que não foi erro dele, que fazia tudo corretamente e que era mesmo perigoso o tal serviço que em algum momento qualquer, oxalá fique para amanhã, traria essa má sorte para alguns deles funcionários. Com Adão veio a acontecer justamente hoje ao fim do expediente, já na última meia hora, quando talvez o corpo já não correspondesse propriamente às vontades e a cabeça já estivesse voltada para outro lado do mundo, quem sabe o de fora, mas que agora já não era nada de importante.

A má ou boa sorte de se trabalhar em matadouros é essa. Já se vive e é carne, mesmo que não sei queira, mesmo que se evite, mesmo que se mude de mundo e de corpo, mesmo que se abandone o trabalho, mesmo assim sempre saberá que é carne, e sentirá ela muito mais intensamente, no cheiro, nos poros, até no apelo dramática que é um arranhão, uma cicatriz, mesmo quando tapados por um curativo, um simples band-aid qualquer. Assim, para Adão, do grito que não se ouviu à queda para dentro da máquina de toucinho tudo fora uma viagem esperada, a realização de algo que já se sabia mais do que aguardado por alguma intuição, ou quem sabe, talvez até já houvesse desejado essa queda, de tanto que se olhava os bois ali caírem, já em pedaços. E depois da queda foi exatamente isso que aconteceu, como todo animal ali foi triturado, amassado, misturado às outras carnes, virava um coletivo, um coro, uma nova sociedade.

Acontece que Agildo, chefe da sessão não pode e não tem vontade de deixar vir a tona a morte de Adão, que segundo ele, era morte normal, já que sempre lhe achara uma rapaz desequilibrado e obviamente aguardava o dia em que viria a se matar, infelizmente escolhera aquela tarde, no fim do expediente, justamente no dia que Agildo ficava sozinho, como sempre se sentia. Agildo, então, achou melhor que ninguém morresse, porque morrer era ruim e trazia péssimas recordações aos outros, então foi até a máquina de trituração e resgatou o macacão azul do funcionário morto colocando-o no cabide, onde os funcionários se vestiam. O macacão, bordado à mão pela sua própria esposa que fazia a confecção das roupas da fábrica, agora já um pouco rasgado, ficou apenas poucas horas ali no cabideiro da empresa juntos a uns armários, que mais pareciam gavetas, se bem que aqueles funcionários carregavam pouca coisa, inclusive nas cabeças e nas marmitas. Assim de macacão velho posto como novo, Agildo dissimulou e assim que pode foi perguntar aos demais funcionários onde estaria Adão, aquele excelente funcionário, tão prestativo e cumpridor de seu serviço. Como ninguém sabia a resposta ficou claro para todos, inclusive para nós que sabemos como as coisas são, que Adão fora embora, desistira, deveria ter passado mal ou tido problemas de família. Assim, pois as coisas são rápidas nesse mundo de empresas, Agildo tinha um álibi para ligar para casa da família de Adão, para a esposa quarentona que engordava, para a mãe que morava junto e meio empregada retribuindo o favor de ali poder morar, e perguntar por Adão, novamente o excelente e motivado funcionário que nunca havia deixado a empresa na mão, coisa que causava espanto pois não era de seu feitio desvanecer assim pelo vento de uma hora para outra.

Uma família desesperada foi o que se viu. Era ligar para IML, hospital, procurar em botequim, valas, farmácias, puteiros, ruas e avenidas, bancos, praças públicas, oficinas, padarias, saía-se perguntando por todos os cantos onde estaria aquele homem, pai de família, 'o seu Adão, é aquele flamenguista que vem sempre aqui ver os jogos, que gosta de sinuca', dizia a esposa para o dono do bar, que lembrava, claro, mas preferia fingir não saber de coisa alguma, pois não tinha nada a ver com isso e não ia se comprometer. 'É seu Torres, meu filho teve aqui?', dizia a senhora para o dono da banca de jornal, mas logo depois mudava de assunto, falando de coisas do dia, da novela, por fim, lembrando do filho e dizendo que lhe daria boas surras, porque 'sabe como é seu Torres, num é porque é criado que pode fazer dessas coisas'.

Agildo no mesmo dia procurou por uma ficha no departamento pessoal: buscava um novo funcionáro. Era negro, assim como Adão, do mesmo tamanho e porte físico, para a empresa e para o chefe, ainda era Adão, para os funcionários não, ainda sentiriam por um tempo a falta do amigo, mas alguns, em contato com esse novo empregado que começara no dia seguinte da morte de Adão, já se tornara tudo confuso, alguns em poucos tempo já esqueciam de Adão, faziam-no sumir de suas memórias, um deles até ao chamar o novato, que se chamava Pedro, trocou os nomes e falou Adão, que misturado, se pode ouvir algo como Pedradão, outros chegavam atá a dizer que Pedro era muito melhor que Adão, mais simpático e que entendia muito mais das coisas. E Pedro, que usava a roupa de Adão, e para falar a verdade, Agildo dera um jeito de que Pedro fosse Adão, tal qual outro, que recebesse o salário pela conta de Adão, que passasse o cartão de Adão, que cumprisse metas assim como Adão, e assim, fosse carne e máquina, e ali estivesse como estava Adão. Os superiores jamais saberiam a diferença, e Pedro sabia, que tinha um emprego que era de outro e não entendia como poderia ser outro, mas percebia cada vez mais que não tinha tanta diferença e que não valia tanto a pena querer ser ele mesmo, pois sendo outro, seria cobrado como outro e poderia um dia ir embora, é que não queria viver ali para sempre, queria viajar com a família, poderia também ir embora como outro, sem morrer. Aliás, Pedro demorara para descobrir que assumira a vida de um morto, mas quando descobriu achou a melhor coisa que podia lhe acontecer, servia no mínimo para dar risadas. Não é porque as pessoas são outras que quer dizer que elas mudaram.

A família que no início estava desesperada decidiu ir até à fábrica reclamar, lá chegaram com advogados da defensoria pública e sentaram na mesa do chefe. Era a esposa e a mãe, as duas lado a lado, tal qual Maria e Madalena, cada qual com sua função e com a mesma dor, a mesma busca, porque sempre há alguém para morrer na cruz e não estar mais nem aí para nada, e sempre há alguém que chorará pelo que foi. O chefe, um homem grande atrás de uma mesa lhes disse: 'Adão está trabalhando', e estas frases ditas assim de trás da mesa parece que ganham outra forma, outro peso, como se houvesse uma blindagem ali entre o lado de cá e o lado de lá, tanto que as duas não foram capazes de responder, apenas capazes de não compreender e saírem dali para ir até o setor onde Adão trabalhava. Assim foram até a máquina onde agora estava Pedro, viram um e não viram outro, mas não viram um com o macacão do outro, então, voltaram até o chefe que ao saber da ausência de Adão, chamara Pedro para uma conversa, que como sendo Adão tornou a situação demasiada complexa, e nestes casos fica tudo para depois, pois aquele que foi chamado lá estava, nada foi feito tendo sido liberada a família, outro modo de falar que fora enxotada dali. A verdade é que assim que a família saiu, o chefe foi até Agildo, descobriu o acontecido e se consultou com os advogados que lhe disseram: 'está tudo como está, não há porque mudar', cuja rima fez rir ao chefe.

Na saída do expediente, saíam Pedro e Agildo, quando a família de Adão estava toda à espera do lado de fora, para interpelar o novo funcionário, ou o velho-novo, ou o que quer que seja. Adão fez olhares repreensivos para Pedro que entendeu o recado, mas não pode negar o pedido da esposa para que converssassem, chamando-o para um café, ao qual a mãe não foi convidada. Então os dois foram até um botequim da esquina, onde havia duas mesas, uma com um velho senhor com cara de intelectual a beber cerveja e cachaça, pois ao lado do copo de uma estava a outra, e a mesa que agoram sentavam Pedro e a mulher. O chão era molhado e grudento, o que se misturava com o suor do funcionário negro e novo que ali pingava e se misturava à poeira que o ventilador velho lhe dispensava.

E foi então que tudo começou. Pedro não poderia dizer quem era ele na empresa, nem ela poderia imaginar, entretanto ele poderia, em nome do emprego, da estabilidade e da possibilidade de ascensão profissional arrumar outra maneira de se iniciar essa conversa, foi aí que decidiu que ele e a esposa deveriam ficar juntos, tornarem-se marido e mulher. Assim foi, houve alguma demora entre os flertes, as cervejas, os primeiros beijos, os sexos e enfim o compromisso, mas tudo voltou a ordem inicial. Ela já não se lembrava mais de, como era o nome dele mesmo? A mãe não saiu de casa, mas passou a receber pelos serviços que ali fazia, então ninguém da história foi prejudicado. A vida só piora para que tem privilégios, e a fome e as necessidades as fazem quase mudas para os problemas da vida. Adão se tornou o ingrato que fugiu de casa. A esposa tinha um marido, Pedro um emprego, a mãe um salário, Agildo um aumento e o chefe paz. Pelo menos até o próximo caso. Aliás, houve um prejudicado: o nome dele é Fernando Mendes e ele fez uma macarronada para os amigos e o molho à bolonhesa dele tinha algo mais além de tomate e carne de vaca. “Fernando”, dizia a loira à mesa, “essa macarronada está uma delícia”.

apagão

O som do ar, o som do céu, o som do carro, o som de um barco à 20 km daqui. Alguém já havia dito que ninguém escuta o barulho do mundo porque é incapaz de fazer silêncio, então as pessoas começaram a ir pra janela querendo saber o que havia acontecido. Sem a visão elas ficavam mais soltas e falavam com os vizinhos que não falavam, e até tentavam reconhece-los pela voz. O fim do som do ventilador trazia agora o tato molhado de suor que se misturava ao silêncio, quase que punitivo. Um silêncio de purgatório. Depois as conversam começaram a rarear, apesar de um grupo de jovens rindo e cantando em algum canto do prédio funcionarem de trilha sonora de tudo. Até que foram todos se deitando na cama e se acostumando com aquela paz. Os fogos queimavam nos apartamentos, lanternas, geradores, celulares, velas... Todos quase vendo o que o silêncio já dizia pelas sombras. Até que... Tudo bem.

12 novembro 2009

rosencrantz e guildenstern estão mortos (1990)

Um dos mais deliciosos filmes que vi nos últimos tempos e com certeza a minha última recomendação fica a cargo do genial dramaturgo Tom Stoppard e seu filme: "rosencrantz e guildenstern estão mortos (1990)".
Ele conta a saga dos personagens secundários da tragédia Hamlet de Shakespeare na forma de uma comédia maravilhosa, cheia das citações, de referências e de diálogos pseudo-vazios. As personagens que não se individualizam, ou seja, ambos são Rozencrantz e Guildenstern fazem uma dupla um tanto quanto disforme, enquanto que um toma a liderança e as idéias, o outro que durante a obra descobre o avião, os sons numa madeira, não consegue se sobressair.
Juntos eles fazem a viagem até a Dinamarca e observam toda a história de Hamlet ser contada de forma entrecortada e de maneiras diversas.
O humor refinado e profundo de Gary Oldman e Tim Roth me faz lembrar as personagens de Beckett em Esperando Godot, pois são construídos em seus diálogos pela superfície, pela sua materialidade, entretanto vivem numa situação e num mundo absolutamente trágico.
Enfim, esse post foi só pra recomendar, vejam!
Link para mais informações aqui.

09 novembro 2009

sobre do que se faz uma canção

Não me perdia nos passos dela, porque não queria fazer de mim um clichê. Era só uma simples entrega num corpo que fluísse por sobre as curvas de outro. Uma questão incontestável de física. Vetores pra lá e pra cá no salão. Eu queria mais do que dançar: queria fazer um projeto filosófico sobre aqueles passos, sobre frágeis presenças de massa que ao som de uma melodia de violão fechavam seus olhos e se entregavam ao risco de se perder, mas não se perdiam, nem ganhavam, porque ali não havia competição.
Era um tipo de contato, mas um contato abençoado pela divindade da canção, como se uma força dissesse que o corpo também serve pra bençãos, também serve para paz, também serve pra nós. As palavras eram poucas, um pouco ofegantes pelo calor do bailado e pelo suor do espírito. O cansaço era questão de relógio, nada tinha a ver com corpo. Assim como as horas, assim como o tempo e assim como o coração. Porque tudo que existe é questão de tempo, de momento e assim como na poesia, no amor e na vida, é sempre um girar de corpos que faz uma canção.

31 outubro 2009

voltando

Como um cachorro que cheira o rabo dos outros me encontrei a tentar seguir os passos dela, mas ela por ser sempre maior e melhor que eu ia em passos largos, muito maiores do que minhas pernas poderiam acompanhar e a cada segundo se distanciava mais de mim. Até que uma hora, cansado, vendo somente a silhueta dela ao longe, resolvi sentar. Era como se tudo tivesse mudado. Pela primeira vez descansei, deitei ali mesmo e dormi a tarde inteira, quando acordei ela já estava perto. Estava voltando.

26 outubro 2009

.

daí fica tudo na bad e vc faz ficar tudo bem, daí fica tudo bem e vc faz ficar tudo na bad, daí vc faz ficar tudo bem, pra poder ficar na bad de novo e assim por diante.
Até estragar o fígado.

22 outubro 2009

tempo

Um ponteiro apontava pra mim. Sei que é do tempo que vou falar, apesar de que não aguento mais esse papo sobre o tempo. Ele é intangível e foda-se, temos de viver apesar disso, em detrimento disso e não adianta passar a vida falando sobre ele. A questão é que o tempo tem tantos tempos e isso que me incomoda. Muitas vezes tento encontrar uma ordem nele, ou uma justiça, ou uma paz e tudo que ele sabe fazer é o que ele sempre faz: passar. Há quem diga que o tempo se aprende e com o tempo tudo passa. Tudo passa não, nada passa, exceto ele. É o infindável tempo e um ponteiro que aponta pra mim.
Hoje só apontei na rua por 5 minutos no máximo, fiquei trancado aqui. Nesse instante, a primeira coisa que vi foi um rapaz, cabelo tipo meu, morador de rua com uma garrafa de cola na mão falando sozinho, viajando, em outro mundo, outro tempo. Essas coisas doem, esse tipo de tempo também.

21 outubro 2009

se ferir

O estômago doía e ele ficava mal humorado. A cabeça não parava de repetir uma música qualquer e o fígado parecia se esforçar para expurgar o que é que fazia mal. Não havia ele ali naquele momento, apenas a consciência de que assim que a dor passasse ele voltaria. Lembra de um tempo que sempre tinha alguém pra segurar sua mão sempre que doía, alguém que ouvia os berros, os gritos, os xingos (todos em graduações diferentes) sem reclamar, sem se machucar, sem sentir dor, porque ali quem doía era ele. Agora todo mundo quer doer também, digo que dói e a pessoa diz: "eu também, no pâncreas, nas costas...", sendo que só quero e ele só quer que doa agora mas passe, porque doer não tem tanta beleza assim. Por isso não ficam doentes e não gostam de remédios. Nem doer, nem curar. Nem morrer, nem matar. Apenas se ferir.

o dinheiro

O capitalismo tem muitos problemas, mas também tem muitas coisas boas. Ele é um sistema injusto, mas que mantém esperanças, sonhos e incorpora em si o acaso que é o próprio mundo. Não que exista alguma coisa que "represente" o mundo, é tudo construído, mas o capitalismo, numa via de mão dupla cria essa forma de interpretação, a sustenta e faz com que achemos que o mundo não existe sem ela.
No entanto, escrevo para falar de um dos grande problemas do capitalismo: achar que tudo gira em torno do dinheiro. Quando alguém tem um problema de saúde - dinheiro; quando a religião está em baixa - dineiro; a violência está grande demais - dinheiro. Qualquer situação que haja no mundo é solucionada pelo capitalismo através de um investimento de enorme quantidade de milhões de imensidades incontáveis de dinheiro. E esse número não corresponde a um plano, a um projeto que combata o problema, pelo contrário, divulga-se o dinheiro como se ele fosse solucionar por si só.
Falo isso por conta dos problemas de violência no Rio de Janeiro, a polícia invade, sai matando, cerca tudo, daí se diz: "mas isso é paleativo, não resolve o problema" e o governo federal vai e libera cento e tantos milhões de reais para investimento. Em que? Pra que? Qual o objetivo? Se essa grana não se perder no caminho provavelmente vai servir pra matar. Não entendo.

18 outubro 2009

dias

Há um domingo que vai passando e os dias que vão se juntando, se contando, pois quando se conta dói o passar e quando não se conta se perde. Não há como ganhar essa batalha, escrever é uma tentativa, mas ao fim, é só mais um fracasso.

12 outubro 2009

carinhoso

Tem um verso de "carinhoso" que diz: 'meu coração/ não sei porque/ bate feliz/ quando te vê.' Eu fico pensando na singeleza dessa frase, de que forma que ela representa a simplicidade de um sentimento que se tornou materialmente uma maneira de se expressar do brasileiro. Eu sempre penso no meu coração e até hoje não consigo saber porque ele bate feliz sempre que eu a vejo, mesmo sabendo que ela é uma sem nome. Ela, no caso, é qualquer tipo de feminilidade que me encanta, que me faz lembrar meus primeiros momentos de olhar para uma moça e sentir que o mundo precisa se reorganizar. Ela sempre aparece e por mais que eu endureça e não seja mais aquele cara capaz de se apaixonar, ainda tomo esses sustos do mundo e ainda me surpreendo como criança. Tomara que seja sempre assim, 'que só assim então /serei feliz, bem feliz.'

08 outubro 2009

cinema: Cristophe Horoné


Não foi com surpresa que me encantei com o excelente "A bela Junie" (La belle personne - 2008) de Cristophe Horoné: o diretor frânces de 39 anos que tem se mostrado uns dos mais hábeis e encantadores cineastas da atualidade. Ele tem como maior caraterística a capacidade incrível de tratar sentimentos com uma percepção estética precisa, ou seja, nem cair para dramalhões ou lamentações exageradas, muito menos praquela contenção chorosa super comum nos cinemas. Muito pelo contrário, ele foge dos constante sussuros do cinema frânces e coloca em cena, quase sempre napeloe do ator Louis Garrel, uma forma contemporânea de se lidar com o sofrimento, ou seja, com um isolamento franco, seco, mas não menos dolorido, numa espécie de hibernação do sentimento, como se tudo que aparecesse fosse apenas um rastro do real.
Meu filme preferido é "Em Paris" (Dans paris- 2006) com Romain Duris, onde o protagonista, após terminar um relacionamento se isola dentro da casa de seu pai que vive com seu irmão e passa por um longo processo de enclausuramento, tanto físico quanto mental, enquanto seu irmão num mesmo dia se envolve com três mulheres. Essa discrepância deflagra não só uma desvalorização de ambas as atitudes, mas como também as reafirma como verdadeiras. A grande cena do filme é quando Romain liga para sua ex-esposa interpretada por Joana Preiss e ambos, através de uma canção, falam de sua situação num verdadeiro tratado sobre o amor.



Em "A bela Junie" é a beleza enclausurada dela que faz todos os sentidos se deflagravam entre as personagens de uma escola, enquanto que a própria moça, refém da própria beleza, se torna esquiva, amedrontada, acorrentada.
Destaque também para outros filmes do mesmo diretor como o chocante "Minha mãe" (Ma mere - 2004), no qual o protagonista se inicia sexualmente através dos ensinamentos da própria mãe e o cantado "canções de amor" (Les chansons d'amour - 2007) que revela uma liberdade sexual representada por um relacionamento triplo.
É preciso assitir Horoné, para o aperfeiçoamento de uma sensibilidade contemporânea. Uma visão nem idealizada, nem em ruínas, uma visão que ao mesmo tempo é simples, mas que revela, como numa profecia, um caminho que seguimos.

05 outubro 2009

pathos

A cabeça sempre pesa muito e já não há uma certa pureza. Eu fico puto pra caralho porque me preocupo, enquanto não deveria, com coisas cotidianas e principalmente com a profundidade na minha capacidade de pensar e refletir sobre mim, sobre o mundo e sobre o que alguns chamam de alma. Sempre fico meio que na merda, mas penso mesmo assim e pior ainda, eu escrevo sobre essas coisas, me arrependo e percebo que sou um idiota. Porque o que ealmente esses últimos dias me ensinou foi quando aqui na rua um menino sem camisa me disse: "por favor, não quero dinheiro...você tem uma camisa pra me dar. É que eu to sem..." Fiquei me sentindo mal e assim estou até agora, tipo quando o seu madruga engole a seco quando o chaves fala de comer, estou assim e não sei o que posso fazer, não sei como posso mudar, daí eu acordo meio dia, almoço, troco de roupa e vou pra academia. Patético.

30 setembro 2009

dia de semana

Os dias em Petrópolis são sempre frios, mesmo quando quentes. Aqui tem tantas lembranças que às vezes mer perco entre o que sou e o meu passado, confundo o que faço com o que fiz e o que quero com o que quis. As ruas parecem saber minhas histórias, por isso, muitas vezes, por aqui ando acuado. A sorte é que aqui tem meus pais, que quando me veem num canto, na minha, sempre forçam um abraço que finjo que não quero. Dois dias sufocado aqui, feliz ao lado deles, e já me volta a vontade de me aventurar de novo pelo mundo. Vontade de fazer história.

24 setembro 2009

A decadência

Fosco. O espelho do banheiro embaçado do banho escondia a cara dele. Isso porque ainda tinha espelhos em casa. A mobília, outrora, confortável, agora era só digna. Não há meios, por mais que se tente, de se falar da decadência. O espelho embaçado do banheiro mostra um rosto desfigurado e cansado e mesmo a ausência dos espelhos deflagra a ausência de olhar para si e a mobília é, e sempre sá, a representação de um estado de alma, não uma alma metafísica, mas uma alma social, uma alma prática e objetiva.
Se cada um de nós é o que aparece e, como diria Wilde “só um tolo não julga pela aparência”, diria que a decadência é tudo aquilo que se vê como um eco do passado. É como se tudo que não se é mais, fosse...

21 setembro 2009

sem mim

Estava deitado na cama e apesar da luz apagada, da madrugada e do quase silêncio só interrompido pelos grilos e sapos que passeavam janela a fora, não conseguia dormir. Olhava com insistência pra pequena luz vermelha da televisão, o que significava que com um toque no controle, ela de novo acenderia e me traria de volta pro ritual que é dormir: sentir sono, deitar e ver um pouco de televisão, até desliga-la e virar para o canto. Resisti.
Não sabia muito bem por quanto tempo havia ficado ali parado olhando pra luz, mas sabia que era tempo o suficiente pra que um mundo inteiro se construísse e se desabasse. Foi quando de súbito me veio a frase: “estou escrevendo um conto.” Foi assustador, percebi que no meu silêncio havia criado, elaborado, formulado e editado uma história inteira com detalhes, tramas, ápices, clímax, clima, personagens e vidas completas, ou fragmentos de vidas, ou então o suficiente para que um conto fosse criado. A partir de então, comecei a relembrar e reescrever o conto, como se aperfeiçoasse o rascunho que havia criado sem perceber.
O meu conto era o melhor conto do mundo naquele momento, porque ele não tinha tempo. Trechos chatos eram interrompidos com reticências e lá se dava um salto temporal de um ano, dois, até mais, para mais um trechinho da história aparecer e quando ela se completava, aparecia como mágica o fim daquele trecho chato, e aparecia um flashblack a cores e corrigia a chatisse anterior. Uma personagem que havia morrido deixou o conto muito pra baixo e me revoltei contra o autor, mudei tudo de novo e fiz renascer aquela moça linda e loura que passara na vida do nosso herói, e ela voltou numa cena linda: chorava numa praça, sentada ao chão com os braços junto ao corpo e o herói que ia para o enterro de seu pai, vira ela ali daquele jeito e gritara o seu nome alto, ela interrompia o choro e sorria também, e levantando-se,
davam-se as mãos, olhavam para o lado e se abraçavam. A próxima cena era deles num restaurante. O pai dele não precisava mais morrer.
Foi assim, que entre a insônia e a memória, criei uma história. Ela era grande demais pra mim, tinha tantos detalhes que minha própria mente não podia comportar, não assim, do jeito que eu estava, na cama, preso, porque deitar e não dormir é uma prisão, ao menos que se consiga abdicar da noite, o que é improvável. Por isso que essa minha história ficou sem fim, porque ela entrou nos sonhos e me acompanhou ao dormir. Minha história ficou sem mim.

15 setembro 2009

menino

Muitas vezes tenho vontade de escrever como menino. Escrever a lápis e reclamar do meu pai que não quis me levar à praça ou da minha mãe que atrasou o almoço. Falar até daquela queda correndo pelo pátio do werneck que machucou meu joelho. Escrever como menino não pra relembrar coisas do passado, nem pra falar de memórias ou de saudades, mas pra falar do tempo. Aprofundar-me nele e expandi-lo em pequenos pedaços estilhaçados entre o que eu sou capaz de lembrar, o que eu vivi ou o que acabei por inventar no caminho. Falta meninisse, falta pipoca, falta recreio, mas escrevo pensando nisso que talvez seja amor. Não consigo escrever e penso que talvez não consiga porque seja meia noite e meia e que amanhã, num dia de sol, após ver uma amigo, eu chegue aqui e escreva como menino e sorria como menino e viva como ele e que seja tudo sempre um dia bonito, uma praça, um sorvete e um amor.

14 setembro 2009

qualquer coisa

qualquer coisa, qualquer coisa
que se apanhe, se arranhe, se agache
se encaixe, se dilate e desamarre
e se espalhe de fora, de dentro
de dentro fora, embora, na hora
no canto cheirando cola,
pedindo esmola, embaixo na sola
da sola, na cola e na poltrona
mandona, matrona, furona
que não saiba do segredo e do medo
e do recalque, do desfalque
do embarque, encaixe, desarme
alarme, empada, enxada, trabalha
sabado é domingo, sem dengo
sem feira, na beira do mundo
um tanto imundo, mas quarta-feira
já volta pra casa, embassa
mas volta embora poeira caseira
se assemelha vou dizendo
tá frouxa, tá frouxa, na moita

qualquer coisa, qualquer coisa
qualquer coisa que se diga...

13 setembro 2009

foda-se

As pessoas usam demais a palavra foder. Foda-se isso, foda-se aquilo. Fodi a noite inteira, to muito fodido, me foderam, tá a maior fodeção, não fode, e vão usando indiscriminadamente como se foder fosse palavra que subsituísse todo o resto numa atitude radical de não se importar, de cagar e até de rebeldia, talvez porque leiam kerouac demais ou talvez porque nunca tenham lido porra nenhuma. A questão é que sempre que se fala foder ou foda-se, pega-se um atalho, acha-se que está economizando tempo ou cabeça ou cansaço ou pelo menos alguma coisa que ainda não se sabe o que é, já eu acho isso bobagem, qualquer que seja o fato da vida é sempre bom perder um tempinho olhando, pensando e contemplando. A vida é mais contemplação do que a gente imagina, a coadjuvância é constante, a protagonisse não, por isso em matéria de foder e foda-se, prefiro ser casto.

06 setembro 2009

sutilezas e circunstâncias

É sútil, mas é sempre diferente escrever quando acorda ou quando dorme, depois de um jogo do flamengo com vitória ou derrota, com a mãe passando mal ou fazendo sua comida preferida, com sol e com chuva, sábado ou domingo, triste ou feliz, namorando ou solteiro, mais magro ou mais gordo, com dor de estômago ou saudável. É sútil, mas relevante, deve ser sempre levado em conta que enquanto eu escrevo numa circunstância, quem lê vive sob outra, assim sendo posso lhe manipular e você lendo pode me subverter. Vamos então dizer que estão o que eu escrevo e o que você lê em um abismo, sendo direcionado por milhões de flechas, vértices que empurram pra lá e pra cá.
Como já disse, tudo é metáfora pra tudo e não há por onde fugir, só fica mesmo esse exercício de tentar dizer o que sente em palavras e na certeza de não conseguir, chegar a duvidar até do que se sente. É isso.

05 setembro 2009

cerveja

chego em casa bêbado
e tá tudo maneiro
se eu tivesse trêbado
tava vomitando no banheiro

se eu tivesse quadrêbado
nem lembrava que tinha blog...

02 setembro 2009

polêmica, o fim

Voltando ao assunto anterior, aliás, falando do que eu queria ter falado mas me desviei. O cara foi perguntado na entrevista se, por ser ateu, ele tinha medo da morte. A resposta dele foi: “não tenho medo da morte, tenho medo de morrer” e começou uma longa explicação sobre o porquê. Ouvi e concordei. Disse ele que tem medo de morrer porque o homem é o único animal que é intimado a morrer sofrendo. Quando um cachorro tá muito doente, terminal, sofrendo, dá-se uma injeção e ele morre anestesiado, sem dor, sem sofrimento, sem pesares e melhor, sem a consciência do que é morrer. Já o ser humano não, além de tudo que ele vá sentir fisicamente e apesar de ser o único que sabe que vai morrer, ele é intimado a tentar sobreviver e aguentar até o último segundo de vida, porque seria errado. Ele é feito vegetal e observa-se o apodrecimento dele, o enfraquecimento, numa despedida fúnebre, grotesca, cruel e desumana, lenta e mordaz. Pensei que eu adoraria tomar uma injeção e morrer, como numa anestesia geral.
Depois pensei então em quantos sentimentos somos obrigados a sentir e que na verdade não nos são tão importantes assim: sentimentos de culpa, de pecado, de ter errado, de ter falado, de ter amado, de ter fudido. E vamos sendo obrigados a isso, sendo que estar com um amigo e rir de qualquer coisa é tão fácil, então porque desperdiçar tempo com esse tipo de coisa? A verdade é que vivemos numa sequência eterna daquilo que gostaríamos de fazer e não fazemos e a culpa por termos feito o pouco do que queríamos ter feito.
O que eu queria dizer, reduzi e não disse, mas foi que resolvi não sofrer agora...

01 setembro 2009

polêmicas

Assisti uma entrevista algum tempo, antropofagizei o assunto e agora resolvi falar sobre. Falava aquele cientísta-ateu que veio na FLIP, cujo nome não lembro, mas estou com preguiça de procurar o nome dele no google, além do mais, o que importa, vamos aos fatos.
Gosto de ateus, eles me parecem sempre engajados nas suas idéias, mas gosto principalmente pelo bom humor e ironia deles. Na verdade, eles têm certo prazer em fazer os que crêem parecerem ridículos e não sei porque isso me agrada. Talvez porque ache sacal essa pasmaceira geral, onde cada um “acredita no seu próprio deus”, ou melhor, “numa energia superior q não tem nome”. A religião conforta, mas estraga mais do que conserta, ela pega um problema novo e pelas proibições, conselhos ou regras transforma em estrutural mantendo-o e alimentando-o.
Há também os agnósticos que no fundo professam o “estou cagando”. Cagar é bom, também elogio os que cagam, por isso uma ou duas vezes no dia faço minha contribuição à essa gangue que caga. É até um certo problema, os tropicalistas por exemplo, estavam acima da esquerda e longe da direita na época da ditadura, eram tipo agnósticos, estavam fora do problema com outras soluções, acho que os admiro, porque não sei ser assim.
Quanto a ciência tenho pouco a dizer. Não tenho fé nela, na verdade não tenho fé nenhuma. A ciência não é para se ter fé, é pra ser usada pra coisas práticas, pra melhorar nossas situações de vida, nossa saúde, mas cada vez mais percebo que tudo isso é tão relativo. Relativizar também é ruim, só não creio ser muito inteligente crer em algo que é a prova concreta e máxima de que daqui a pouco haverá uma outra prova concreta e máxima que contrarie a primeira, embora venham me dizer que há regras absolutas, o que eu posso responder com “até agora”, daí vão dar o exemplo da lei da gravidade e eu vou dizer: “nada me diz que amanhã acordarei e ela aqui estará.”, vou parecer estúpido, burro, mas pra mim faz todo sentido. A questão pra mim é que vendem-se produtos e tiram-se direitos em nome da saúde, em nome do bem-estar, em nome da longevidade, em suma, a ciência nos serve mas também nos presta um deserviço, logo não dá pra confiar muito nela, apenas para utiliza-la, como uma pá ou um martelo. Creio que no fundo os cientistas são os pedreiros da intelectualidade.
O post ficou grande, continuará outro dia.

30 agosto 2009

reflexões

Tenho a sensação de que apodreço. Que cada dia que passa sou uma versão mais gasta de mim. Falo fisicamente, caminho pra degeneração inevitável, homeopática e fulminante. Escrever se torna então em última instância a vã tentativa de capturar uns instante em que algo de outra ordem, que não a material, se instala nesse corpo que apodrece e, assim, ler depois o que escrevi é perceber o momento anterior ao de agora em dois níveis: a lembrança da sensação física e a profundidade do pensamento. O fervilhar de idéias é tão grande que em dois minutos posso escrever triste e feliz, falar da dor de um sofrimento e de um entusiasmo. A questão é saber o que eu vou querer ler depois de mim e essa pergunta nem sempre pode ser respondida, porque o que quero ler de mim, geralmente é o que deveria ter escapado, mas se eternizou. Assim a matéria viva de mim revela um ponto que ainda é obscuro, que ainda não decifrei, entretanto, no geral, o que sinto é sempre um enorme prazer de perceber que a vida é boa demais, é engraçada, é estranha e sofrida, mas inevitavelmente contagiante. Apodrecer é bom.

23 agosto 2009

sonho

Tive um sonho sensacional, tenho que me esforçar pra conta-lo. De alguma maneira, eu estava sendo acusado de engravidar uma menina. Estava em casa, na varanda, andava pelo quintal esperando alguma reunião que teria e, na verdade, eu já havia me contentado com o fato de que eu ia ser pai e o mais interessante,e u não sabia qual menina era e pra mim a grande descoberta seria essa. Depois lembro que estava havendo uma reunião na casa da minha tia, com minha mãe, a mãe da menina, o bebê meu filho e eu ficava lá fora esperando uma hora pra me chamarem. Era parecido com algum desses programas tipo Ratinho, eu via o q acontecia lá dentro como se fosse numa televisão. Quando me chamam eu olho para a menina e não a reconheço, então digo: "nunca tive nenhum tipo de relação com essa menina." A mãe dela começa a chorar, a menina diz: "é verdade, é verdade, eu acusei ele injustamente" e também começa a chorar. Ela é linda, ruiva com sardas, do jeito que eu gosto. Está com o bebê no colo. A reunião acaba e ela sai sozinha, triste e eu vou atrás conversar com ela. Sentamos num canto aqui do quintal e eu fico perguntando sobre as coisas da vida dela e ela vai me contando devagar, frágil, triste. Deixa eu olhar para o bebê e ele é lindo, me arrependo de não ter aceitado ficar com ele e com ela. Passamos o resto da tarde conversando, ela diz que queria ficar comigo. Eu não queria ficar com ela, mas estava feliz por ter uma companhia. Alguma música está tocando no fundo, mas não reconheço qual. O sonho acaba quando por algum motivo ela precisa ir, se levanta e desce com o neném. Eu fico parado no mesmo lugar, sem me mexer, agora triste. Não lembro de mais nada.

20 agosto 2009

meu vizinho

Tinha como visão da janela do apartamento, uma outra janela de apartamento, como seu aquele fosse um prolongamento desse e as janelas, a minha e a dele, se tornassem molduras distantes, separadas pelo vão que se deflagrava do quinto andar até o térreo. A verdade é que não sei direito como se chamam as coisas em apartamentos, porque sempre morei em casa. Esse vão me lembra imagens de cortiço, ou melhor, imagens que criei de cortiços ao ler livros de literatura brasileira, enquanto que térreo sempre me parece nome de lugar que fica embaixo quando tem algum lugar em cima. Assim sendo, a rua até poderia ser o térreo do céu, penso eu.
A impressão que tenho é que o apartamento dele é uma espécie de espelho do meu, o armário, de modelo e cor diferentes, fica exatamente no mesmo lugar, assim como o banheiro, a estante, a televisão. Tenho a impressão que a vida dele segue análoga à minha. Análoga mas não idêntica, porque ele apaga as luzes pra dormir cedo e quanto acordo, ele já saiu, porque quando ele chega pra almoçar, estou quase me arrumando pra aula. Ele trabalha e eu estudo, nos encontramos em frente às nossas televisões sempre na hora do flamengo e quando acontece um gol sorrimos um para o outro da janela.
Conforme vão passando nossos dias, morando tão perto, vivendo tão próximos, nas mesmas condições e ao mesmo tempo tão distantes, percebo como somos os mesmos, e percebo mais: todos somos sempre os mesmos o tempo inteiro, fazendo as mesmas coisas. Repetindo os passos e as frases, as siglas, as reclamações, os ciúmes e as saudades. Os casados repetem os tédios, os solteiros os porres, as rezas ou as punhetas. As solteiras ficam mais fáceis e sensíveis. No fim, todo mundo é fácil, sensível, enche a cara, vê o flamengo, reza...no fim, meu vizinho serve pra que eu veja o mundo...no fim, o mundo é o lugar onde tudo acontece da mesma maneira e dar um passo atrás é perder o bonde mas prever o mundo...no fim, perder o bonde é quase ser diferente, mas é encontrar tanta gente que perdeu junto com você...no fim, há sempre um fim e um recomeço...no fim, eu recomeço...

17 agosto 2009

no aterro

Fui correr no aterro hoje. Já chegui lá com dor na perna e aguentei correr no máximo 3 minutos. Então aproveitei pra olhar ao meu redor e senti um misto de alegria e tristeza, prazer e decepção. Alegria porque vi como as pessoas são felizes nessa cidade, as bundas se sacodem em harmonia com a areia e a água do chuveiro, os passeios de bicicleta com filhos pequenos são libertadores e quase ouço a trilha sonora dos Ipods de quem caminha. Tristeza porque me parece que esse mundo não me pertence, tiro a camisa e sou branco demais, a barriga exuberante é de quem vive mais a noite que de dia. As bundas me fascinam, mas me parecem tão longe de mim e os passeios de bicicleta com filhos mais longe ainda. E pior, tenho medo de levar qualquer tipo de elemento sonoro pra lá com medo de ser assaltado.
Acontece que assim sendo estar ali não me dá tanto prazer, fico pensando que poderia estar num bar, com uma pessoa que eu amo, em qualquer lugar que fosse me sentir a vontade e confortável, mas nem sempre podemos ter o que queremos...Geralmente nem quero tanto, só gostaria de pertencer a mais lugares.

16 agosto 2009

pílulas

Tomou uma pílula e sentou no sofá. Era vitamina pra suprir o fato de não comer vegetais. Sentou pra suprir o fato de que as costas doíam e porque já ficara deitado o dia inteiro. A impressão que passava pra quem (não) lhe via, era de que assim estivera por muito tempo em sua vida, parecia um gesto já ensaiado e repetido por diversas vezes. Aliás, a impressão que se tem é que as coisas estão sendo sempre repetidas, recontadas, requentadas. “Vou ali e já volto” é um clichê pra ir embora e não querer demorar. Ninguém leva uma hora pra ir em nenhum lugar, leva sempre meia horinha, quize minutinhos. É uma sucessão de eufemismos que não amenizam nada, só tornam óbvio o que poderia ser normal. Por isso que stomar uma pílula e sentar no sofá é só a reprodução da mesma atividade de sempre e por isso que ele fazia tal atividade com tanto cansaço e com um olhar tão perdido: por mais que se esforçasse na vida, nunca faria nada de diferente, até acreditar nisso era óbvio. E não era triste, era só normal fazer o que se está fazendo sempre. Assim como alguém já fez.

13 agosto 2009

um sentimento

Às vezes eu fico procurando objetos para descrever um sentimento, como se, na sua forma, a metáfora conseguisse esconder aquilo que sinto amorficamente. Por isso escrevo um conto cujo personagem principal é um anão, onde mostro uma sensação de fragilidade que me cerca; um outro sobre um homem q despenca na máquina de um matadouro, onde penso que, no fundo, quanto mais tempo sobreviver mais vou me aniquilando, ou seja, quanto mais me protejo, mais me afasto de mim; um outro num espaço quase todo em branco, onde eu valorizo cada pequeno gesto que recebo das pessoas, e os analiso e repasso na cabeça, tentando achar um valor ou uma verdade que nunca existe; e por fim, um onde as luzes da cidade se apagam todos os dias na mesma hora, onde peço ao mundo que participe da minha solidão.
É com essa conclusão que tento escrever agora e o problema disso é que perco um pouco da ingenuidade. Mas o sentimento que tenho para falar é tão bonito que vou ignorar o que eu acho do mundo, dos outros e da política, vou ignorar tudo o que existe, porque tudo que existe, existe para não existir, existe para que não existam.
O sentimento é sutil. É como um lençol: fino, aconchegante, acalentador, essencial. É como um sorriso: foge, escapa, vem e traz com ele uma coisa que nos faz esquecer que resto existe. É um sentimento cúmplice, como se ele tivesse assistido comigo um assassinado e fique de vigília, a noite inteira, deitado a beira da cama, esperando que algo aconteça. Ele me proteje. É como uma vela, um fósforo, um gol, a lembrança de um beijo, um curativo no joelho, uma flecha atirada, uma paixão por uma música, um pedaço de pizza, um telefonema de madrugada, um desencontro. Ele é como um amor, mas sem forma, um amor amorfo. Um amor-fo. É um sentimento tão caro e tão raro que ainda não encontrou matéria, mas resiste à tudo e vive tão escondido (e tão à mostra) que é bonito e patético, sem sentido mas cheio de histórias. É a história de um sentimento que resistiu á todas as metáforas, um sentimento que ainda não virou conto, não virou memória, não virou nada. Um sentimento que a gente preserva para sempre poder sentir.

29 julho 2009

ok

E aí, cara!
e aí...
tudo ok?
tudo ok e contigo, ok?
não. tá tudo desok,
nok,
inok,
unok,
aok,
antiok,
exok...

28 julho 2009

minha menina

sonhei com a minha mulher
nele era só uma menina
e eu não era eu
era um menino eu
e de cá fui pedófilo dela
fui pedófilo de mim mesmo
lá era só sonhador
que amava minha menina
como ela me amava
esperando que ela crescesse...

daqui era só minha mulher
querendo que eu a amasse
como amava a menina
e eu que não era mais menino
e não era mais sonho
não podia amar a menina
nem podia amar a mulher
podia, com minha mulher,
sonhar que amava a menina
e, no sonho, com a menina
sonhar que ela virasse mulher

mas eu - homem e menino -
sofria problemas de identidade
e a minha menina - mulher
cada dia mais linda
e mais feliz

26 julho 2009

pergunta

sempre que me dizem:
pensei em você o dia todo,
eu fico pensando:
pensou em mim até cagando?

24 julho 2009

o aperto

Uma vez quando estava com ela eu soube que iria me despedir. Era sempre igual: eu a deixava no portão do prédio, dava um beijo e ficava olhando ela subir, sumir, entrar. E ali eu começava a cronometrar os segundos até o dia em que a veria novamente, mas não sofria, sentia um misto de liberdade e paixão, desejo e medo, felicidade e paz, porque da paz também se fazem problemas. Mas uma vez, só uma, ao ve-la andar percebi que um dia aquela ida dela seria para sempre, percebi isso e consegui me sentir fora de mim e perceber que cada dia que eu a deixava no portão estava mais perto do dia que eu nunca mais a deixaria no portão, do dia que ela teria que entrar pelo portão sozinha e entrar sozinha e deitar sozinha e dormir sozinha, ou que ela teria que encontrar outro pra leva-la até lá e repetir o que eu tinha ensaiado e encenado por um tempo. Nesse dia senti um aperto e percebi que o amor era esse aperto mais que tudo, mais que ela indo e eu ficando, mais que o portão separando, mais do que ela sentia. Percebi que o amor era eu e o meu aperto, porque o andar dela seria igual, o sono também, eu que não estaria mais lá e quem sabe um dia, talvez também não meu aperto.

dar valor

Sempre ouço dizer que é preciso "dar valor" às coisas. Dar valor à mãe, dar valor à comida, ao dinheiro, ao amor, às pequenas coisas da vida, à saúde, a poder viajar todo final do ano, ao acordar, mijar e não doer, ao sair e voltar de casa, ao emprego, ao carro, às férias, aos domingos, à namorada. Enfim, seria preciso dar valor a quase tudo que se tem, porque não dar valor seria ser ingrato e precipitar um futuro onde não se terá. Pra mim isso sempre soou meio como bobagem porque só se diz para se dar valor áquilo que não se valoriza. Quanto mais se diz para valorizar, menos valorizado é. Porque dar valor é dizer que algo merece algo que não tem, mas deveria ter, no entanto quem será que deve dizer aquilo que devemos ser gratos? Não seria a gente? E dizer que valorizo não é muito diferente de valorizar? Muito vão dizer: "só se dá valor quando perde", o que para mim é exatamente o contrário: quando se perde se percebe o valor que havia e que não há mais, há um vazio zero, logo o vazio não está na falta de valor, mas na necessidade de preencher o vazio com outro valor que nunca poderá ser aquele. Cada valor é único e nada pode mudar. O que me volta àquela eterna resposta: só uma coisa explica a própria coisa. Só se valoriza a mãe, quando se está com a mãe, quando se escolhe estar, só se valoriza a saúde quando se corre pela rua e chega feliz e não cansado, só se valoriza às férias curtindo todo dia, dormindo muito e se possível viajando. Dar valor é então fazer aquilo que se faz, falar aquilo que se fala, comer aquilo que se come e dormir aquilo que se dorme, ao invés de falar quando se está com fome, dormir quando se quer falar, fazer quando se quiser comer, etc. Viver é viver, encher o saco é encher o saco, escrever é escrever. Por isso sempre valorize ao dar valor, mas nunca diga que se valoriza o outro, porque o valor está nele mesmo, assim como cada coisa...

12 julho 2009

a vida como louça de cozinha

A vida nada-tudo mais é que louça de cozinha. A gente gasta mais tempo lavando, limpando e desengordurando do que aproveitando o paladar, o gosto da comida. Muito mais do que pensando no sabor do jantar. Ali na pia tem tanta sujeira e tanto resto que a gente pensa que é impossível se ter sujado tanto, e vem aquela sensação de que se vai limpar mais do que sujou, que vai consertar mais do que errou, que vai chorar mais do que sorriu, que vai matar mais do que morreu. Além do que a gente vai pra mesa sabendo que vai ter que lavar depois. Mesmo que se decida que cada um lava o seu prato, alguém vai lavar a panela, alguém vai limpar o fogão, alguém vai limpar mais e isso é tão injusto, que chega a sufocar. Depois é a sensação que mesmo passando um tempo lavando e de tanta água que passou pelas mãos, elas estão mais secas do que nunca, ásperas, envelhecidas e que não demora pra se sujar tudo de novo.

07 julho 2009

music and me

Eu não quero cair nesse sentimentalismo ao redor da morte de Michael Jackson, só gostaria de deixar claro o que nós fizemos com ele, o que o mundo fez com ele, com aquele cara que parecia um menino ao cantar, ao falar, muitas vezes transformamos ele numa personagem de circo, num animal de zoológico, ficamos orbitando cada passo para saber qual era a próxima ação dele. Lamento por tudo que ele passou e que fizemos ele passar, mas não vou cair no sentimentalismo. Quero só deixar uma música aqui, que pra mim é a mais bonita dele, porque representa o que fazia ele cantar, ele se mostrar pro mundo. Quem sabe, essa ligação dele com ela - e só isso - tenha valido a pena tudo que ele passou na vida.

problema a mais

sempre que eu escrevo no computador, depois quando vou ler percebo que cometi vários erros, muitas vezes depois que já postei, muitas vezes depois de dias. Isso ao invés de me envergonhar, me deixa contente, é interessante incorporar alguns erros à escrita, algum escape, alguma dislexia, deixar algum problema entre o que eu pensei, o que eu escrevi e o que pode ser lido. É um problema a mais...E sim, eu uso muitas vírgulas, acho que em cada uma delas paro pra pensar e ver se devo mudar o que digo, deveria chama-las de vírgulas da preguiça!

e o sol caiu

Senta um pouco
E olha pra mim
Espera que passa
O tempo ruim

A gente conversa
Se você quiser
Até de manhã
Eu posso ficar

Já to atrasado
Mas posso ficar?
Junto contigo
Fica tudo melhor

Eu tava sozinho
Eu tava também
Eu tava tranqüilo
Eu não muito bem

E o tempo que passa
Quanto tempo passou?
Se ficar mais tarde
Eu não volto mais

Não quero voltar
Mas tenho de ir
Um sino que toca
Não quero dormir

Então boa noite
Se puder durma bem
E acorda mais cedo
E venha me ver

Ce vem amanhã?
Eu venho também
A gente se fala
Até mais, meu bem

03 julho 2009

I dream of murder

Liguei na HBO hoje a tarde e fiquei assistindo o primeiro filme que passou. Era um desses filmes com pretenso suspense com um caso de assassinato que será revelado no fim, entretanto esse me chamou atenção porque seguia a cartilha, fazia exatamente o que um manual de filmes de suspense e assassinato deveria ter: uma terapeuta com traumas do passado, uma mulher com um marido violento que sonha ter sido assassinada, um amante para a mulher que também veio do passado, um delegado de mal humor doido pra prender alguém, um paciente da terapeuta com cara de maluco e...como? um paciente? Tudo ia muito bem, até apresentar esse paciente, depois dele tudo ficou óbvio, porque era ele que ia ser o assassino, pois era o único que não fazia sentido ser. Daí o delegado começa a dizer que tem um psicopata aí que havia matado pessoas igual matou a mulher...

Acabou que vi o filme até o fim, mas tinha perdido a graça. O problema de filmes assim é que eles ou escondem ou mostram a chave para nosso entendimento. Interessante seria jogar com essas informações, num plano de revelar/desvelar que acabaria fazendo de um filme comum como algumas excelentes horas para se passar embaixo do cobertor sozinho sem pensar na vida que insiste em não ser boa.
By the way, o filme era "I Dream of Murder"

30 junho 2009

things to say

we have to talk, we have do play
there's nothing to deal
just some things to say

I know we may fight a parcial day
we don't need a kiss
maybe not today

28 junho 2009

livro de jó

A história bíblica de Jó, sem meias palavras, é a história de um homem cuja humanidade lhe é tirada para que se teste sua fé, assim deus lhe tira a riqueza, os filhos, a esposa e por fim lhe causa uma doença, uma praga que toma todo seu corpo com feridas. No fim, Jó passa pela provação divina e tudo que tinha lhe é devolvido em dobro para demonstrar a bondade divina.
Se fosse possível exprimir o que essa parábola me passa teria de dizer que é horror, pavor, terror. Não se trata de um teste para fé, se trata de um freak show de destruição de tudo que um ser tem de homem para que ele sinta como deus é poderoso e pode agir na vida dele. Se um deus precisa criar tantas feridas, tantas dores e tantos sofrimentos para demonstrar seu poder e para testar a fé, ele é no mínimo um deus assassino, um deus cruel, que dá maus exemplos, que controla os corpos e não se importa com a sua alma, mas sim com o q você faz em vida. Os amigos de Jó de tanto temerem deus não são capazes de enfrenta-lo, de pensa-lo, de transforma-lo em vida, tudo ao redor desse deus é morte, é sofrimento, só a mulher é capaz de desconfiar disso tudo, de ver que há um plano de dor, não um plano de libertação. Essa é uma parábola que incita o masoquismo, o suícidio, o sofrimento e a eterna necessidade de ser subjugado e o pior de tudo, faz com que aceitemos isso com sorriso no rosto, com esperança, como se um raio de luz nos cruzasse no fim e fizesse que toda dor virasse apenas lembrança, pois um dia, que provavelmente nunca chega, viveremos eternamente ao lado dessa luz que nos guiará e será para sempre nosso lar.

27 junho 2009

sábado

as paredes estão frias: na cama, recostei nelas e senti. A cortina fechada para tudo lá fora e a cueca verde provam a falta de vaidade, ou cuidado, falta de alguma coisa que não tem nome. A unha do dedo anelar roída incomoda ao escrever e a frase se torna mais lenta, mais precisa, mais cerebral do que devia. A barriga estufada de cerveja e o estômago de comida, as costas ainda lembram uma natação feita há muito tempo. É sabado, tem gosto de sábado e clima de sábado, só não tem a companhia típica de sábado, mas cerveja é fato que lá estará e eu também...

25 junho 2009

crença

eu acredito no amor como acredito num shopping, numa couve, num elefante, num monge, num filme do godard, numa pizza requentada, numa filosofia barata, num porre de cerveja, num cinema solitário, num choro num filme idiota, num passeio solitário, numa saudade, numa facada nas costas, na eterna raiva que sempre vai ser feliz, numa peça de teatro que queria contar, num matança generalizada num morro qualquer ou num filme do Stalone, mas pelo menos eu ainda acredito no amor...

24 junho 2009

atualiza

Atualiza
Atualiza que ainda não tá bom
Mas atualiza rápido que tem mais gente atualizando
Até Jesus tem que se atualizar
Ele devia voltar pra atualizar as metáforas
Transformar um 486 num palmtop
Com foto, canetinha e tudo
Ia ser complicado, ele teria que ter orkut
Mas não podia mandar muito scrap
Porque ia parecer tia chata e velha
Mandando boa semana com uma frase do Mário Quintana
Que provavelmente vai ser da Marta Medeiros
Jesus se tivesse twitter ia ter que aprender a falar pouco
Nada de subir em pedra e falar -
Pedras caem e com elas rolam quem ainda acredita
As pedras suspensas são esfinges
E eu já nem entendo –
Mas andar de avião e tratar bem aeromoça

Enquanto eu falo de Jesus morreu um
Rezava por ele e morreu mesmo assim
Enquanto eu falo e um reza morreram dez
E Jesus só morreu uma vez

Um problema é a solidão política
Porque tem sempre uma maioria para falar mal de tudo
A pasmaceira geral se instaurou como eles queriam
Elogiar político é matar mãe
Comer cabrito na moita
Chutar o mendigo que não tentou te roubar pra dar exemplo
Porque dar exemplo é importante
Por exemplo:
Se alguém cair num buraco na rua o que fazemos?
Rimos da cara dela, ajudamos ela a levantar, seguimos em frente ou reclamamos com a prefeitura?
Enquanto pensamos morreram mais dez,
Enquanto ela, que caiu, podia ter sido atroelada
E foi, agora ela sangra, mas ta tudo bem, vai estancar

E Jesus só morreu uma vez....

23 junho 2009

controle

apesar de tudo
é quando não é nada
que é calmo
sempre que é alguma coisa
é mais do que devia
foge do controle
com t-role
com tro lê
foge
e não volta nunca mais

tratado

Atravessou a rua, o passo torto
o asfalto estufado, o estômago embrulhado
tanta gente que corria num bater de ossos frouxos
e o trocador sorria pra gostosa que passava
tinha um chuveiro na praia poluída
e a água que descia secava antes que caisse
e naquele mesmo sol um menino dormia
um papelão protegia a cara dele
mas como sempre em pouco tempo choveu
o peito protegido pela santa
e o celular com câncer que a menininha fala
e a roupa engomada que amassa na mala
feito qualquer outra malha,
também rasga se levar um tiro, um bico
um soco enviesado
e a cara é sempre mesma, o hematoma passa
o sangue estanca, o plano de saúde paga
a cirurgia, o médico, e volta a ficar gostosa
mas a roupa que rasga é indigna, faz dela uma puta
quando cachorro quente é barato
a gente deixa fazer mal
ninguém se importa se dá úlcera ou coceira
se está suja a orelha que ninguém vê
ninguém se importa com nada,
ao menos que alguém mexa com seu cu
porque sagrado só o cu
e mais sagrado que o cu só o cu da mãe
então se você atravessa a rua
com o asfalto estufado
o estomago embrulhado
batendo ossos no chuveiro da praia
na chuva, com câncer, no celular
rezando pela santa
ninguém se importa,
ninguém tá nem aí
pára de chorar, idiota
num tem ninguém vendo
ninguém aí, ninguém aqui
se quiser aparecer
ou ganhar dinheiro
não chora
vai dar o cu

21 junho 2009

chorume


Dois rapazes em cena sentados num banco.

Você entende alguma coisa?
De que?
Das histórias, do que se conta...disso...
não.
Nem eu.
É que tudo me parece tão sujo.
É que tudo me parece tão banal.
Tudo xurumela.
Você sabe de onde veio essa palavra?
Que palavra?
Xurumela.
Sei.
De onde é?
É de chorume, aquele caldinho do lixo.
Claro que não.
É sim, chorume, churume, xurumela.
Claro que não.
Então de onde veio?
De churros. Um rapaz estava comendo churros, o recheio caiu e ele ficou todo melado, daí ele disse “Churros Mela”.
Churros Mela?
é...daí ficou churros mela, churromela, xurumela.
Ahn...
Você entende alguma coisa?
Do que?
Das histórias, do que se conta...disso...
não.
Nem eu.

15 junho 2009

flect

o que calado digo
complico, firo corto
jogo, embargo, dilato
é que hoje, ontem, amanhã
é sempre o que é sempre
o que é sempre o que é sempre
e se repete, tapete, carpete,
joanete, marioenete,
salada ou gilete
pega o estilete
e flect

14 junho 2009

ronaldo

Sentiu na superfície da pele a dúvida: não escrevia porque intensamente vivia em linguagem o que poderia escrever ou porque havia um silêncio entre o que não se pensava e o que se poderia escrever? De verdade mesmo, sentia frio e dor na ponta dos dedos sempre que digitava por mais de cinco minutos, também era verdade que estava fazendo muitas coisas e separando tempo demais para a preguiça, mas agora na frente do piscar da tela que se insinuava já apareciam novamente milhões e milhões de personagens, alguns bem completos, com corpos frases e tudo e outros ainda superficiais, como animais, com apenas algumas poucas sensações. Percebeu, entretanto, que para que eles se fizesse havia também de haver um outro ele, pois esse que jazia agora era ainda muito primeiro, muito esgotado, muito cansado, muito comum e muito óbvio, era muito acumulado, assim como falava muito muito. Por fim, depois de pensar e pensar não conseguiu decidir o que gostaria de dizer, escreveu algo ruim e torceu para que ninguém lesse. Dizia porque era dia...

04 junho 2009

a chuva

tudo que eu disse sempre foi em silêncio
e tudo que eu não disse foram bobagens que eu falei

17 maio 2009

a sala com meu nome colado na porta

Olhei meu nome colado na porta e entrei. Aquela sala deve ter sido separada para mim, tinha uma cadeira e uma mesa, então resolvi sentar e esperar. Meu celular estava sem sinal, meus bolsos não estavam muito cheios e minha blusa de malha me protegia do vento frio que vinha da janela. Levantei-me, fui até ela e não vi grande coisa, fechei um pouco a abertura e encostei a cortina para que viesse menos luz na minha cara. Acho que fiquei lá por algumas horas, como ninguém nem nada apareceu, me levantei e saí. Devo ter entrar na sala errada, mas não, na porta ainda estava colado meu nome. Talvez aquela sala fosse exatamente a sala feita especialmente pra mim.

13 maio 2009

sobre a música

Uma das maiores falácias de hoje em dia é essa idéia de que música é universal. No cu que é. Junto a isso também vem aqueles que dizem que música é questão de gosto, porque não é. Música é coisa de ouvido acostumado, de ouvido social, ouvido cultural, ouvido familiar, questão de múltiplos ouvidos, e não adianta tentar se fingir de dumbo, de que tem um ouvido para tudo, porque na hora que entrar em casa, sozinho, vai botar aquele som que o ouvido está acostumado.
Essa coisa de dizer que a música é universal é uma forma dos grandes nomes transformarem numa coisa natural que a britney spears seja melhor que a gretchen, ou que a o rock inglês pode ser tão bom quanto o rock feito do lado de casa. O próximo passo é gastar mais dinheiro produzindo a imagem, o produto, a atitude e talvez um pouco também o som da banda e transforma-la num espetáculo. É a glamourização do exótico, só que de uma maneira muito rentável absorvida por todos e usada no cotidiano. É o espetáculo do videoclip. E essa regra só funciona para lá, porque quando é feita no terceiro mundo é vendida como especiaria, estranha e serve para debates e putaria, não para muito mais.
É muito simples, nenhum de nós consegue ouvir um indiano tocando música indiana por mais de dez minutos na televisão. Só o fazemos, se muito, se formos a um concerto de um deles que tenha vindo para cá, e geralmente eles vêm porque de alguma forma já misturam elementos de nossa cultura na música dele.
O problema não é ouvirem música americana ou inglesa, não estou nem aí, o problema é esse discurso pseudo-liberal que serve para, na verdade, continuar fazendo uma coisa só e não democratizando os meios de comunicação como deveria. A própria internet que deveria ser pra democratizar mantém essa forma de separação, de cisão, de corte à faca, pois só a utilizamos para fazer mais do mesmo, mas isso é um outro tema.

12 maio 2009

ode ao passado


Se pensarmos na vida como um eterno presente, como muitos fazem questão de pensar, estaremos sendo estúpidos, porque a verdade é que o que temos de melhor são nossas lembranças. Melhores até que as promessas de futuro, são as lembranças do passado. O presente é sempre ruim porque está controlando e sendo controlado, está interagindo com várias forças ao mesmo tempo e estamos sempre tentando coisas e construindo coisas. O futuro é uma mentira, uma falsidade que inventaram pra manter a gente comprando, gastando e achando que é capaz de ir para algum lugar. Já o passado não, é o lugar onde não existe a mentira do futuro, nem a pressão do presente, ele é perfeito do jeito que foi, até momentos embaraçosos vistos da frente são melhores, são engraçados e nos compõe e tudo aquilo que fez o que a gente é agora deve ser visto com toda a gratidão. É no passado que está nossa história e o que a gente quis dela, é no passado que estão nossas besteiras superadas e nossas desculpas pedidas, nossas ressacas curadas. No passado está o que a gente tem de melhor e o que superamos do pior. Viva ele...

pirandello

Acabei de ler "seis personagens a procura de um autor" do Pirandello e ainda estou tentando compreeender. A forma como as coisas na obra se sucedem, me parece que representadas tenderiam ao exagero, a um excesso de expressividade por parte dos atores. Eu fiquei com a sensação de que todas as personagens deveriam ser melancólicas, assim como os discursos de um pierrot no jardim ao reclamar por sua namorada colombina.
A maneira como as camadas de ficção se compõe também ainda não me foram digeridas. Ao contrário de Beckett, onde tudo se volta para si mesmo, a impressão que tenho é que em Pirandello tudo se desdobra para fora, mas não é um desdobramento simplesmente, há um desdobramento que altera o anterior, ou melhor, reformula o anterior, repensa ele, insere dados a ele, então a narrativa avança pelas camadas, pelos discursos indiretos, pelas citações, pela composição da narrativa e não por ela própria. Amanhã pretendo escrever mais, são 2:54 da manhã e o sono bateu...

10 maio 2009

3

- Você tá bem?
- Tô. Eu tô bem.

Após um longo silêncio.

- É que...
- O que?
- Nada.

Outro silêncio. Respiram fundo.

- É que tá demorando tanto pra passar.

Quase sorriem.

08 maio 2009

pedra

tudo resiste a mim
a mim e a meu violão cansado
sou eu que não mais resisto a nada
tudo que vem de fora me atinge

30 abril 2009

razão da esquerda

Não é mister que se defenda porque não é preciso defender aquilo que se quer que diga. O mundo prova que temos razão, o mundo prova que tudo não funciona da maneira que está e que tudo pode funcionar do jeito que projetamos. O que me incomoda, o que não aceito é que continuemos a andar assim, pelos cantos, com o discurso agarrado na boca, com vergonha de acreditar no que acreditamos como se estivéssemos acuados, sem coragem para provar nossa certeza, como se passáros fôssemos e não saíssemos do ninho apesar da promessa da primavera. Meu pai nunca me disse que devia brigar quando estivesse certo, mas minha mãe sim, ela foi apaixonada. Ele é a direita, ele quer a ordem e a manutenção, ele de certa forma é deus, mas não Jesus pois este veio pela espada. Minha mãe e toda mãe é a esquerda, nossa lembrança mais antiga, a primeira a depositar-nos o melhor sonho. E hoje, por medo da morte ou por medo da mudança ou por medo do risco, muitos de nós desiste no caminho. É por isso que me sinto na obrigação de discordar de tudo que dizem e afirmar nosso sonho, porque como disse saramago, andamos cabisbaixos como se não tivéssemos razão. A verdade é que nunca tivemos tanta!

29 abril 2009

ela

Loira, linda, olhos azuis
tão bonita que parece de mentira
por isso eu não acredito nela
tão inteligente, perspicaz
capaz de me fazer esquecer das coisas
por isso que eu sempre chego atrasado
magra, esbelta, cheia de curvas
que parece nem existir nesse mundo
por isso eu acho que ela é um et

por isso que tão especial
tão estranha e sem definição
que acho que ela é minha
só minha e o que minha imaginação dela
- loira, linda e de olhos azuis -
fez

II

Dois meninos conversando.

1 – Eu me caguei.
2 – Eu me caguei ontem.
1 – Tem dias que acontece. Mããããe!
2 – Eu prefiro mijar.
1 – Também. Suja menos.

Joana entra.

1 – Mãe, eu me caguei.
Joana – De novo? De novo? Você é um cagão. (sai com o menino)
2 – Droga, me caguei também. Mããããããe! Mãããããe!

Entra a jovem.

2 – Mãe,eu me caguei.
Jovem - De novo? De novo? Você é um cagalhão.

28 abril 2009

aniversário

Uma vez por ano era seu aniversário. Era batata, estava tudo normal, daí um dia as pessoas começavam a abraço-lo, deseja-lo tudo de bom, felicidades, que ganhasse muito dinheiro, tivesse juízo, mulheres e mais, porque as pessoas sempre achavam tudo pouco e acabavam a frase com “enfim, tudo de bom no mundo” e ele sempre queria que esse dia acabasse mais rápido, porque só o fazia lembrar que nunca teria felicidade, dinheiro, juízo, mulheres, muito menos tudo de bom no mundo.
Era um dia que lhe enganava, lhe fazia sentir-se especial, querido, desejado e centro das atenções sem motivo, o que para ele era tão bom, já que passava a vida se esforçando para que lhe dessem atenção e sempre era tão cansativo. Muitas vezes ouvia o renato russo cantar que o mundo era tão complicado numa música absolutamente feliz e pensava: “que merda, ele é feliz e o mundo dele complicado. Eu não.”
Depois percebeu que nada disso que pensava era verdade. Ele é que gostava tanto de sua vida e tanto do que fazia que não queria que nada daquilo passasse e sempre que começava a passar fazia um esforço imenso para que não fosse, mas ia. E ele ficava sozinho. Daí ele construía tudo de novo, pedra por pedra, sentimento por sentimento, porque os sentimentos sim são de pedra, pois nunca se quebram até que..zuum, se foi tudo de novo. No fundo, era tudo feito de reflexos, de espelho, de reprodução, de tentar fazer com que tudo voltasse pra um mundo cheio de janelas, um mundo que já era. Nunca voltou. Nem ela.

27 abril 2009

o picolé

No meio da rua dois cachorros brincavam. Pequenos, frágeis, ficavam a se cheirar, morder cada vez mais forte até doer e rodar ao redor do próprio eixo. Estavam bem alimentados. Atrás deles, em pé, conversavam uma mulher e um homem, donos dos respectivos animais. Falavam deles, de como comiam, viviam, brincavam, mijavam, sabiam com detalhes cada atividade diária deles, e agora já não podiam precisar se foram eles que impuseram aos cães essas atividades ou se foram eles próprios que as escolheram para si. De qualquer forma, é provável que nenhum deles estivesse disposto a alterar essa ordem.
Primeiro, passou ali uma mãe puxando pelo braço um menino melequento, barrigudo e de grossos óculos.
-Que péssima mãe! - disse a mulher
-Péssima e ninguém fala nada. - responde o homem
-Como pode meu deus, como pode...

Depois um carro vermelho cruza a rua e buzina para enxotar os cachorros.
-Olha como dirigem – diz ela.
-Como monstros assassinos – ele.
-Podiam matar alguém.
-E ninguém faz nada.

Permaneciam ali defronte dos cães a falar do que cruzasse a rua, como se houvesse tempo, não esse que percorre nossas vidas tecendo relações, mas um outro relativo às coisas dentro delas mesmas, em relação a si próprias, como se fossem o apocalipse do mundo: um mundo sem fim. Quando vira na esquina um homem forte, alto, gigantesco. Vem com passos pesados que podem ser sentidos ali onde estavam homens e cães. Esses correm para dentro, acuados, enquanto que aqueles permanecem estáticos, pois pareciam hipnotizados pelo olhar, um olhar que agora parecia estranho. Mais de perto podem ver que o homem se veste com uma calça jeans e uma camiseta grande demais para seu gigantismo, o tênis vermelho tamanho 48 parecia cruzar o horizonte. Podia-se ver também que na mão dele estava um picolé de uva, pela cor roxa, que parecia minúsculo entre seus dedos. Na primeira mordida ficou a impressão de que todo picolé se fora, mas não, ele crescia na medida que o homem se aproximava.

gran torino



Meu interesse por cinema começou tarde, uns quatro atrás só quando eu já tinha meus vinte anos. Gosto disso porque não vi bergman com 17, via sim o chaplin que desde pequeno era uma grande paixão. O bom de não ter visto esses caras muito novo é que já pude ver com uma maturidade maior, apesar de que sempre fica em mim aquela sensação de que perdi muito tempo.
Disse tudo isso pra dizer que só conheci o Clint Eastwood depois de 2004 e fui assistir só os últimos quatro filmes dele e achei todos uma bosta. Menina de ouro eu desisti no meio. Só que como sou bonzinho, deu uma chance e fui assistir os dois últimos. "A troca" é um saco e a angelina jolie é um porre. No entanto, o que me chamou atenção foi "Gran Torino" É o primeiro filme dele que eu gosto e achei sensacional, espetacular, tô até agora espantado com a forma que ele representou sua personagem. Pra mim, soou como mais um filme sobre fazer o que é certo e não o q é bom ou mau e isso me faz perceber como devemos discutir isso mais, devemos pensar nisso e entender o que isso quer dizer. É meio que tirar uma ordem divina, mística ou científica das coisas e colocar uma ordem ética, ou melhor moral livre, porque nem sempre fazer o bem é bom e fazer o mau é mal. É preciso se achar um certo e não um certo relativo, mas um certo universal, um certo de todos e por mais que isso pareça utópico não é. O certo universal é algo que muitos até poderiam não fazer, mas mesmo negativamente todos de alguma forma vão admirar.

18 abril 2009

telefone

Estava na cabine telefônica com o fone na mão ouvindo o som da máquina junto com barulhos de carros na rua, chovia de leve, chuva fina de dia de nuvens altas. O cartão estava no bolso, decidia ainda se ligaria, mas como já sabemos, já havia ligado porque o passo já fora dado, no entanto, é sempre necessário retomar os momentos anteriores ao agora, não que eles nos expliquem, mas eles são a própria fabulação, não há nada que já não seja cinco minutos antes de ser.

17 abril 2009

maria eliza

maria eliza
ó maria eliza
que desliza na prancha
que se afoga na pança
que amarra a margot
e come scargot
mas gosta de arroz
pois,
não gosta de strogonofe
porque fede,
assim como ela
que não vai se auto-comer

15 abril 2009

gigante

No meio da rua dois cachorros brincavam. Pequenos, frágeis, ficavam a se cheirar, morder cada vez mais forte até doer e rodar ao redor do próprio eixo. Estavam bem alimentados. Atrás deles, em pé, conversavam uma mulher e um homem, seus donos. Falavam deles, de como comiam, viviam, brincavam, onde mijavam e cagavam, sabiam com detalhes cada atividade diária deles, e agora já não podiam precisar se foram eles que impuseram aos cães essas atividades, ou se foram os cães que as escolheram para si. De qualquer forma, não estavam dispostos a alterar essa ordem.
Primeiro passou ali uma mãe puxando pelo braço um menino melequente, barrigudo, babado e com grossos óculos.
Que péssima mãe! - disse a mulher para o homem.
Péssima e ninguém fala nada. - respondeu.
Como pode, meu deus, como pode...
Depois um carro vermelho cruzou a rua e buzinou para enxotar os cachorros da pista.
Olha como dirigem. - disse ela.
Como monstros, assassinos. - Respondeu ele.
Podiam matar alguém.
E ninguém faz nada.
Permaneciam ali defronte dos cães a falar do que quer que fosse que cruzasse a rua, e se houvesse tempo, não seria esse que percorre nossa vida, mas um outro, mais relativo ao tempo que as coisas tem em si, como se fossem o apocalipse do mundo: um mundo sem fim.
Quando vira na esquina um homem forte, alto, gigantesco. Vinha com passos pesados que podiam ser sentidos ao longe, onde estava o homem e a mulher. Os cães correram para dentro, acuados, e os dois humanos permaneceram ali, pois mais do que nunca pareciam hipnotizados pelo que olhavam. Mais de perto, puderam ver que o homem está vestido com uma calça jeans surrada e uma camiseta grande demais até para seu gigantismo. Seu tênis vermelho talvez 48 ou mais parecia poder cruzar todo o horizonte em poucos passos. Via-se também que na mão dele estava um picolé de uva, pela cor roxa, que em sua mão parecia minúsculo. Na primeira mordida ficou a impressão de que todo picolé se fora, mas não, ele crescia na medida em que o homem se aproximava.

14 abril 2009

hamlet, nosso.


Sempre e sempre nos debatemos com as formas. Tudo o que se vai dizer está selecionado, maturado, pronto para a descoberta que há de ser feita nas primeiras linhas, mas não consigo encontrar a forma de dizer. Às vezes apelo para trocadilhos vazios, como quando digo: “a maneira de escrever deve ser maneira”. Enfim, a história que tenho é a história de Hamlet, imaginei ela inteira tal qual ela é sem minha interferência, mas imaginei, pensando na idéia de “o teatro do mundo” do Shakespeare que hoje em dia temos as personagens da trama misturadas em todas as situações da vida. Não é raro ver um ‘irmão’ ‘matar’ o’ rei’, pelo amor da ‘rainha’ para ‘desposa-la’. Os afetos hoje são tão raros que o ‘incesto’ aparece em quase todas as ‘relações de intimidade’. E as aspas são tão necessárias que aparecem em quase todas as palavras. Quem é em sã consciência que não vê ‘espectros do passado’ vindo interferir no presente e quem não ‘enlouquece’ ao refletir que ao mesmo tempo deve se ‘vingar’ pelos males que lhe foram feitos e assim restituir alguma coisa e por outro lado se deve manter ‘virtuoso’ perante os outros e o mundo? Quem nunca chegou ao ‘ser ou não ser’? E essa pergunta pode se aprofundar mais ainda: Quem é que ao enlouquecer não fez outra pessoa enlouquecer também? Quem não mandou um ‘amor’ se trancar a todos, não confiar em ninguém, e ao se auto-intitular canalha mandar uma ‘inocente’ para um ‘convento’ e lá se proteger de tudo e de todos? Mais aspas foram usadas. Acontece que não há ordem no mundo mesmo, não há nada que deva ser restituído, há somente uma seqüência aleatória de fatos que não devem ser levados em conta como cadeias de acontecimentos, nem como passagem temporal. Então ser ou não ser passa a ser uma decisão de segundos para segundos, com conseqüências que podem punir, mas jamais consertar o passado ou preservar o futuro. E para Hamlet só resta seguir um destino desconhecido que parece amarrar sua história, mas que não o faz, gera dor, sofrimento e morte mas nunca nem por um instante serve para redimir uma vida ou uma injustiça, e o resto...o resto todos já sabem.

13 abril 2009

talvez até eu tivesse votado na ivete


Hoje assistindo "os melhores do ano" no domingão do faustão algumas coisas me pularam na cabeça. Cada vez que três candidatos apareciam, eu chegava a duas conclusões: primeiro, um merecia ganhar e segundo, um outro que não era o que merecia, ia ganhar. Depois disso resolvi observar a opinião das pessoas e numa sala de cinco pessoas, geralmente quatro concordavam que um merecia e o outro achava que não, daí se conclui que ou um país inteiro deveria refletir isso e mostrar esse resultado micro no macrocosmos, ou que na verdade, aquela sala representava uma minoria absoluta em relação ao nosso povo. Como nenhuma das duas respostas me pareceram sensatas, continuei pensando sobre o modo de avaliação e meio que concluí por alto, como forma dialética de pensar, que esse resultado aparece como uma transposição de mídia. Ao votar na internet a nossa recepção sempre desatenta e difusa tende a clicar no nome que mais nos chama atenção, no mais conhecido, no mais tarimbado e no mais ouvido. É como se existisse um déficit de reflexão e atenção, e na hora de clicar em cantora vai e...foi, clicou na ivete sangalo. Daí na televisão ela recebe o prêmio e todos ficam com aquela cara de: "po...de novo a ivete na tv falando as coisas da bahia, que saco." É inevitável pensar que, assim sendo, talvez até eu tivesse votado na ivete.

Pra vocês verem a lista, os vencedores foram:

Murilo Benício – ator

NXZero – banda

Patrícia Pillar – atriz

Seu Jorge – cantor

Cauã Reymond – ator coadjuvante

Ísis Valverde – atriz coadjuvante

Victor e Leo – melhor música

Mariana Rios - revelação

Ivete Sangalo – cantora

Bruna Marquezine – atriz mirim

Felipe Massa – esportista

D’Black – revelação musical

Patrícia Poeta – jornalista

Miguel Rômulo – ator revelação

Katiuscia Canoro – humorista


fonte: http://tvglobo.domingaodofaustao.globo.com/programa/2009/04/12/confira-os-vencedores-dos-melhores-do-ano/