31 março 2009

o outro.

Ele passava o dia olhando. Não importa o que se estivesse fazendo, lá estaria ele atento e com os olhos voltados para a ação. Não interrompia não, não gostava, ou não se sentia a vontade quando alguma coisa mudava por sua interferência. Simplesmente deixava que as coisas fluíssem por seu próprio caminho.
Quando estava num bar com alguém perguntava pouco, mas pensava muito antes de cada uma das perguntas, de modo a fazer a resposta ser a mais longa possível, e olhava, olhava, até se ter alguma coisa para olhar, depois ia embora. Quando falava dele, falava indo embora, ou falava só para deixar a pessoa mais a vontade de falar mais dela. O máximo que pudesse, como disse, quando não tinha mais o que olhar, ia embora.
Quando estava no cinema, olhava para a tela como se tivesse vendo o globo terrestre, via mais do que nunca. Quando via futebol, se mexia o mínimo, mas o rosto era expressivo, mais do que qualquer rosto que havia visto na vida, porque ele sabia olhar, sabia como olhar, e entendi como aquilo tudo podia mudar em segundos, dependendo do jeito que lá dentro os outros olhassem.
Quando às vezes, melancólico, queria fazer mais coisas na vida, percebia que não podia porque enquanto alguns aprenderam a sorrir, a interagir, a mentir, a comer, a beber e a viver, ele estivera todo o tempo fazendo a mais singela das coisas, talvez a mais generosa e a mais encantadora, ele perdera grande parte da sua vida aprendendo que para ele, viver não era estar por aí, viver era olhar.

os vencidos

Eu sempre gostei mais dos vencidos. Tirando a minha escolha sobre time de futebol, é claro, já que o glorioso flamengo é a instituição mais vencedora de todos os tempos. O fato é que gosto mais das empregadas que dos donos, gosto mais dos porteiros que da síndica, gosto mais do porteiro noturno que do porteiro chefe, gosto mais do gari que da recepcionista, gosto mais do garçom que do gerente. Gosto e se possível defendo eles. É como se minha humanidade transparecesse na vontade, um tanto quanto escrota, de pensar por eles, de agir por eles, de reagir por eles, como se eu pudesse sozinho fazer a vida deles um pouco melhor, ou menos pior. Mas não é só isso. Sempre que alguém reclama com um garçom de mal atendimento não consigo deixar de pensar que "eles precisam mais desse salário que eu dessa comida", ou quando alguém reclama com um trocador que o ônibus está cheio, demorou, ou vai aumentar de preço, não consigo não pensar: "daqui a pouco eu desço e chego em casa e esse cara que vai ficar o dia inteiro circulando nesse calor e nessa cheiura pra lá e pra cá?".
Tudo isso veio a tona porque fui assistir: "Corumbiara", documentário que faz parte do festival "É tudo verdade". Esse documentário fala sobre índios que foram dizimados, ou expulsos de terras em roraima. E eu que não gosto de índio, acho que no fundo eles não são mais índios do que os judeus judeus, que os negros negros e por isso podem e devem viver tal como o que são e pelo quanto que conhecem, eu que acredito em tudo isso acabei por sentir uma imensa simpatia por eles e tive vontade de defende-los e até me emocionei com eles, mas tudo isso porque eles lutam contra fazendeiros.
Daí pensei que vou fazendo hierarquia de ódios, os fazendeiros são mais odiados que os capangas que são mais odiados que membros da funai que são mais odiados que índios, e nessa cadeia, talvez sobre alguém digno de se gostar.

29 março 2009

who you are

Where do you go
What do you say to me
Is who you are
Cause I can´t be there to know
Cause I can´t be there to show
That what you do, more than you say
That what you do is who you are

27 março 2009

nossa senhora (é) aparecida

Estavam então Domingo e Pedroso à beira do rio conversando sobre a visita do Conde de Assumar. O estava bonito e embora os dois pescadores estivessem acostumados a diariamente fazer essa mesma atividade, naquele dia preferiram não desamarrar o barco e navegar, já que dessa vez não era para a venda, ou para o alimento de sua própria família que o fariam. Eram homens de alguma inteligência e pouco vocabulário, o que fazia com que sua conversa agora, apesar de parecer rude, fosse apenas um modo humano com menos bloqueios de demonstrar sentimentos. Não queriam estar ali, o dia não estava para pesca, mas como havia dito o conde, viera para mudar, para realizar ali um milagre. Por coincidência, depois de entrarem no rio e jogarem a rede duas vezes saía de lá uma santa, um verdadeiro milagre. Quinze anos ficaram com ela em casa, recebendo fiéis que iam até lá e deixavam trocados, depois transformou-se em capela, em igreja, em basílica. Até que um papa resolveu nomear a santa achada no rio como padroeira oficial do Brasil, claro, com um ou outro milagre aparecendo aqui e acolá, porque um milagre nunca vem só, faz-se um e tem que se fazer vários para consertar as imperfeições do primeiro. Há milagres piores que sofrimentos. Enfim, que o Brasil tinha uma santa padroeira com uma fé que chega por todo território, uma basílica numa cidade que vira camelô de produtos e cede para várias excursões e pedidos que poderiam ser realizados pela fé à distância ou pela ajuda de médicos. A única coisa nessa história que ficou faltando foi a refeição do conde de Assamar, que pelo visto, aquele dia do aparecimento da santa não aconteceu.



25 março 2009

a culpa

o corpo eu ainda reconheço, é o mesmo, é sim, é aquele que eu sei de cor, o problema é o jeito de olhar, ela já não sabe...não sabe fazer como fazia antes.

Era eu dizendo para um amigo que apesar de tudo estar mudado existia algo que permanecia, como se a minha capacidade de pensar fosse cada dia mais além e minha capacidade de entender diminuísse cada vez mais. Eu estava sentado e tomava um refrigerante que é o que faço quando quero pensar melhor; a cerveja fica para quando quero pensar maior; e ali parado, olhando as pessoas circularem eu não entendia muito bem como tudo poderia se dar, se era comigo fazendo alguma coisa, pegando um ônibus e vivendo, ou voltando para casa e dormindo, ou até ficando ali esperando algum sinal.
A verdade é que quando se resolver pensar em três, não em um, não em dois, mas em três que é o primeiro número coletivo, fica cada vez mais complicado entender pra onde as coisas estão indo, a gente se torna mais político, mais...engajado, e fica complexo esse limiar entre saber o que fazer porque é certo e saber o que fazer para ser mais feliz.
Era essa equação que eu deveria ter calculado melhor tempos atrás, porque talvez os olhos dela ainda sejam os mesmos, talvez seja eu que não saiba mais olhar. É que sempre fica aquela sensação de que a culpa é sempre minha.

23 março 2009

pra próxima

agora me veio uma super idéia para escrever um texto bonito e sentimental, pena que me deu vontade de cagar. Fica pra próxima.

beco sem saída

se eu chegar aqui e escrever demais sobre as coisas que eu sinto provavelmente vou ser um idiota, mas caso eu não escreva nada corro o risco de ser mais idiota ainda, porque o silêncio sempre diz muito mais do que a gente gostaria que dissesse.

21 março 2009

atualmente.

Muitas vezes me pego ouvindo aquelas músicas que representam estados de alma, tipo "emoções" do Roberto Carlos. "Eu sei já sofri, mas não deixo e amar; se chorei ou se sorri, importante é que emoções eu vivi." É tão complicado dizer qualquer coisa, mas embora ache que na hora de morrer, lá no último dia vou querer exatamente essa música, hoje é impossível. A sequência de decepções que a gente tem, começando naquela aos 14, 15 anos de idade e seguindo a sequência chegando àquela maior de todas alguns anos atrás, até aquela da semana passada e assim, a promessa de mais uma por esse final de semana, percebo que existe dois caminhos: ou se acostumar e levar a vida ihiiii da melhor maneira possível, ou ignorar qualquer tipo de sentimentalismo que queira transbordar da gente e mais uma vez tentar viver da melhor maneira possível. Os amigos devem ser mesmo aqueles poucos e os de sempre, aqueles que eu perceber q não fazem coisas boas, devo me afastar, mesmo que os ame tanto, e no final é contabilizar os pequenos momentos de alegria. E principalmente, aproveitar o máximo a companhia dos pais e dos animais de estimação, é disso que se faz minha vida atualmente. Ser visto sozinho é melhor do que ser visto figindo.

18 março 2009

gosto

"à primeira vista, pode parecer que tomar o gosto como algo indisctuível - que cada um fique com o seu - seja sintoma de grande tolerância em relação à diferença. Mas creio que é justamente o contrário o que interessa. Somente quando queremos discutir nossos argumentos é que pomos à prova nossa capacidade de lidar com a diferença. O importante é o fazer-se e o mostrar-se da discussão."
Luiz Camillo Osório


Há hoje em dia uma aceitação geral do que quer que seja como sendo algo necessário, ou explicável por necessidades e dificuldades que qualquer um vive. Não digo dos casos mais graves, dos criminais, digo assim, na vida prática, cotidiana. Muitas vezes já me deparei com pessoas que sabem que outras erraram feio, mas mesmo assim crêem que elas tinham seus motivos para fazer o que fizeram. Para mim, isso não passa de tolerância de quem tem teto de vidro, e digo sabendo que todos o temos, óbvio.
No entanto, essa frase do Camillo, meu professor, me fez perceber exatamente o que acontece: há uma concordância geral que não permite brechas ou discussões. Se um amigo seu é inteligente e universitário está certo, não adianta discutir gosto, não adianta, basta você pensar o seu gosto com você mesmo para aceitar aquilo e ele que faça o mesmo com as coisas que você gosta. "Se o integrante do los hermanos lançou uma banda nova é óbvio que a banda é boa, se você ouvir, vai adorar e vai virar fã, igual era de los hermanos.", e isso já é introjetado de certa maneira que se você não ouvir é um belo de um traidor.
E assim vai, tantos são os exemplos. Para mim, o importante é discussão do que nos interesse no que nos interessa e do que não nos interessa no que não nos interessa, para assim, poder discutir o que pode nos interessar no gosto dos outros e vice-versa, assim, podendo abrir a conversa para ampliação da capacidade de reflexão entre o que é bom e o que é só gosto.

15 março 2009

lutador.

Acabei de ver o lutador. Não tenho idéia de porque estou escrevendo sobre isso. Acho que fiquei pensando sobre essas pessoas que pensam por músculos, ou pensam por reações. Há algumas que são incapazes de tomar decisões em suas vidas, a não ser que sejam obrigadas, ou seja, a não ser que tenham que reagir, atacar, defender, avançar, vivem como se jogassem war. Eu acho isso interessante, porque elas são incapazes de ver o mundo de outra forma. Assim como eu só penso através de palavras, há quem pense por imagens e há quem pense por músculos, há também os que não pensam de maneira alguma. Essas pessoas sim são interessantes, porque sabem viver.

05 março 2009

então

vamos nos amar já que niguém nos ama mais.

descida

Por cima da cabeça das pessoas que seguiam caminho consegui ver melhor tudo que se passava. Era dia comum, evidente que se devia comemorar alguma coisa nele, pois sempre se faz, como o dia do padeiro, ou o dia da empregada doméstica, ou até do contabilista, mas não importa porque apesar de dia comum parecia ser dia de procissão. Chovia e todos desciam à praça. Parecia o melhor caminho já que era uma íngreme descida que levava até o círculo onde havia uma fonte que ligada lutava contra a ordem dos céus e jorrava água para o alto. Era por volta de 8 da manhã, creio eu, havia acabado de sair da casa dela e ao descer via as pessoas irem ao trabalho e seguirem seus caminhos, embora estivesse apenas indo para casa, para ter a noite de sono que havia perdido com ela. Marcella, com dois ll. Em algum momento da noite despido ao seu lado, gostaria de dizer pelado, mas estava despido, pois estar pelado é estar desprotegido e com ela estava mais em casa que o normal, resolvi dizer algumas das coisas que sentia, alguma coisa brega que acompanhava a música que tocava do computador ligado. Impressionei-me com minha capacidade de juntar letras aqui e ali, disse-lhe coisas tão bonitas que gostaria de ter decorado, achei-me inteligente, mas ela não, foi muito mais do que eu esperava, levantou-se, sentou no computador aumentou a música e voltou correndo, pulou ao meu lado na cama, deu-me um beijo e sorriu dizendo: “eu sei.”, e levantou de novo e foi correndo até a cozinha de onde trouxe uma bandeja com coca-cola, pães e requeijão. Ficamos ali a comer, a falar das coisas engraçadas da vida, percebi que não era para se falar de sentimentos, não precisava. Ali eu soube que poderia estar apaixonado.
Agora, enquanto descia até à praça percebi que havia vivido um dos melhores momentos de minha vida e agora já tinha que encarar a vida normal, pessoas a andar com o olhar triste, o cansaço habitual do cotidiano, o desviar de meninos de rua, ou moleques, ou até adultos de rua, cada vez mais raivosos, pois não conheciam Marcella, seriam incapazes de amar. Cheguei até o chafariz, molhado, e fiquei observando como a água que caía empurrava a que deveria subir mais para baixo, foi a última coisa que pensei naquele dia, o resto dele foi só saudade. Aquele dia já passou, mas até hoje é assim.

03 março 2009

blogs (ou globs)

Hoje na praia em ipanema ficamos discutindo sobre blogs. E me pareceu uma pergunta importante essa: "o que é tema para postar num blog?". Reparem que estou usando muitos pontos, é a dificuldade de dizer. Geralmente as pessoas elegem temas nobres para postarem, ou então decidem escolher alguma coisa num universo inteiro para limitar o blog, achando que assim terão mais temas, outros tentam fazer como diário-público, ou seja, contar o íntimo falando para que mais pessoas entendam a entrelinhas.
Daí cheguei a conclusão de porque eu escrevo: porque eu num tenho nada melhor pra fazer na minha vida. Sei lá, eu penso daí quero desenvolver um pensamento, ver até onde ele vai, daí venho aqui e escrevo, geralmente rende, às vezes não, posto mesmo assim. Por exemplo, meu carnaval daria um belo post e porque eu num fiz, porque foi importante demais e reflexivo de menos. É assim que é, ninguém precisa ler esperando nada de ninguém, cada um fala o que quer, ouça/leia quem tiver paciência. Escrever é estar embaixo do mar, fica-se sem ar e faz-se globs.