29 dezembro 2009

.2 - apêndice

saca: http://ouziul.blogspot.com/2009/12/2.html
francisco... diz:
muito bom, cara. o texto tá ótimo, apesar deu não concordar com a ideia
ziul diz:
pq?
francisco... diz:
pq vc conclui que existe uma funcionalidade primeira pras coisas, como se fosse algo natural
e com isso eu não posso concordar
ziul diz:
nããão...funcionalidade da palavra.
não das coisas.
francisco... diz:
sim
mesma coisa
e vc fala sim das coisas
ziul diz:
não, não falo não.
falo q não tem pq ignorar o sentido óbvio, material da palavra.
pq ela existe pq antes disso a coisa existia.
e a coisa pode ser outra coisa, a palavra antes de ser, é ela mesma
francisco... diz:
é disso que eu discordo
ziul diz:
aaah tá.
francisco... diz:
Então fuçar, chafurdar e ciscar é tão forte, submisso e modesto quanto isopor, fronha e cabine-dupla são necessários, úteis e facilitadores.
ziul diz:
mas essa frase não tá dizendo isso, tá dizendo q os adjetivos vem depois e poderiam ser qualquer um
francisco... diz:
então
é com isso que eu não concordo
é que a palavra dá o significado, e vc fala como se a coisa existisse e tivesse um valor ou um significado em si, e a palavra viesse só pra facilitar ou explicar isso
ziul diz:
NÃÃÃO.
eu digo q a palavra é cristalizada e a ação não!
francisco... diz:
uhuahuhu então vc se explicou mt mal
escreve essa frase aí no texto

.2

O cachorro fuça, o porco chafurda, a galinha cisca. Todos verbos que parecem ter sido feitos exatamente para cumprir as funções que cumprem, suas sonoridades se coordenam perfeitamente com as ações e não permitem embustes ou adaptações, por exemplo, se o cão resolve chafurdar perde um pouco de sua canilidade e o mesmo aconteceria com a porquidade do suíno se resolvesse ciscar. A galinha não é bicho, é gênero, pois o galo não cisca, o galo vive uma esfera maior dos animais, como se nos galinheiros houvesse área vip e eles, como estátuas, fossem criados e servidos como formigas-rainhas, enquanto que galinhas e pintos “chafurdam” por entre a miséria do galinheiro, fuçando os restos para o outro e para si.

Aposto que nesse exato momento, quem quer que me leia está imaginando metáforas. A mente humana, estúpida na sua criação tem essa tendência, detesta o concreto e já tenta logo construir um outro sentido para aquilo que se vê ouve diz fala toca, bobagem. O concreto é ainda muito melhor que o metafórico e o abstrato nada mais é do que a forma do concreto. Então fuçar, chafurdar e ciscar é tão forte, submisso e modesto quanto isopor, fronha e cabine-dupla são necessários, úteis e facilitadores.

Tirar da matéria a matéria é tirar do chão o piso, do leite o copo e da mente o erro. É esquecer que se chafurdam é porque foi preciso chafurdar e não há nada que se possa fazer.

24 dezembro 2009

incondicional

Eu sempre achei que o amor, que o grande amor, fosse incondicional, que quando duas pessoas se encontram, quando esse encontro acontece, você pode trair, brochar, azar, todas as porradas. Se for o grande amor ele vai voltar triunfal, sempre, mas não, nenhum amor é incondicional, então acreditar na incondicionalidade é decididamente precipitar o fim do amor, porque você acha que esse amor agüenta tudo então de um jeito ou de outro você faz esse amor passar por tudo e um amor não agüenta tudo. Nada nessa vida é assim, daí você fala que esse amor não tem fim para que o fim então comece. Um grande amor não é possível e talvez por isso, por não ser possível, é que seja grande e que assim, importante ele pode fazer também o impossível, mas quem acredita? Quem acredita no impossível que não seja apaixonadamente, como à um deus, incondicionalmente.

michel melamed.

23 dezembro 2009

sentimento de fim de ano

Hojé é 23 de dezembro de 2009. Fisicamente estou exausto, fui a muitas festas, dancei muito, bebi muito, brinquei muito e só hoje percebi que o tempo passou. Foi tudo bom demais, melhor até do que eu esperava. Esse texto parece biográfico, mas não é, pode ser tudo mentira, pode ser tudo verdade, mas o que estou tentando falar nele é de um sentimento. Esse de passar muitos dias com as pessoas que se gosta e agora, pela primeira estando sozinho, lembrar de como foi muito bom. Então bate uma saudade até do que não fizemos, bate uma saudade de um ano inteiro que passou e dá vontade de agradecer por tudo que ele fez. Amanhã é véspera de natal, depois vem o ano novo e tudo volta ao normal. Só que agora, nesse instante, é isso que eu sinto e gostaria de agradecer por tudo que tenho recebido.

18 dezembro 2009

os mosquitos

Eu tenho um pouco de inveja dos mosquitos. Eles me parecem sempre tão independentes, fortes, inteligentes, perspicazes. A impressão que tenho é que eles ficam a espreita e esperam a melhor hora para entrar em nosso quarto, depois ficam circulando por ele, até que se mostram para gente, meio zombeteiros. Pouco depois, começam o ataque que consiste em rodear, rodear, e fugir de nossos golpes, até que numa distração, eles pousam na gente e sugam nosso sangue. Sem dó, rápido, perfeito. A gente não percebe e em poucos segundos começa a inchar. Eles, vencedores, dão mais algumas voltas e pousam na parede, felizes e satisfeitos. E zombeteiros de novo não ligam de morrer, ficam ali curtindo a vitória e por fim, quando a gente consegue mata-los eles sujam nossas paredes e chinelos com nosso próprio sangue. A missão deles, no fundo, talvez seja nos ensinar humildade, mostrar que como um ser pequeno nos vence e materialmente, expondo-nos o nosso sangue faz com que a gente se defronte com nossa morte.

17 dezembro 2009

a fila

tive com uma senhora na fila do ônibus. Era uma dessas velhinhas simpáticas e carentes que o filho mudou de cidade pra só visita-la uma vez por mês. Disse ela:
- o problema são as filas.
Achei que ela estava puxando assunto igual as velhinhas fazem e ignorei.
- São as filas, eles conseguiram.
Fiquei curioso e perguntei:
- Eles? Eles quem?
- Meu filho, é isso. São as filas a forma que eles usam pra controlar a gente.
- Como assim? Filas? Eles?
- É, exatamente. É uma maneira de nos fazer presos aos desejos, de fazer com que conquistemos nossas vontades, anseios, mas que percamos nossa força de lutar, de ver o que é justo. Por exemplo, como chego em casa se eu sair dessa fila?
- A senhora poderia ir a pé.
- E seria justo que eu fosse a pé com a minha idade? E mesmo que eu fosse nova, o certo não seria termos a liberdade de escolher como vamos?
- Mas temos, temos sim. Eu posso ir a pé.
- Que nada, você escolhe entre pegar fila ou não, não entre ir de ônibus ou a pé. O meio fica secundário.
- Mas é que é muito difícil, é muita gente nas cidades. Por mais que eles façam...
- Nada disso, meu filho. Isso é o discurso deles, claro que os problemas são grandes, mas todos nós pagamos pra que os problemas sejam resolvidos. Quem paga assinatura de jornal, recebe o jornal, quem paga as contas deveria ter os benefícios.
- Entendo, mas isso me parece distante.
- Distante nada, eles fazem isso pra que só possamos reclamar no máximo ali com o fiscal. E reclamar da fila, não do problema em si. Já o fiscal nada pode fazer e a gente fica com a sensação de que nós também não.
- E como mudar isso?
- Não tem mais jeito. Ou abandonamos a fila ou permanecemos nela.
- A gente pode criar um problema, sei lá, tipo uma rebelião.
- Claro, e quem sairia perdendo? Quem está aqui. Levariamos mais tempo em nossos destinos, nossas casas, nossas famílias.
- Então estamos presos a essas filas?
- Isso. Estamos presos a todas as filas. A vida, no fundo, é um intervalo entre filas.
- Vou a pé, só hoje! Adeus.
- Vá meu filho...

Saí pensando em como poderia ter andado menos, daí me senti injustiçado, meio sem forças, meio corajoso, mas nada fiz. Cheguei em casa e só.

11 dezembro 2009

07 dezembro 2009

flamengo




O primeiro som do meu dia foi do meu pai tomando café na cozinha. Sabia que aquele dia seria diferente e mais que sabia, tinha uma intuição de que seria o melhor dia da minha vida. Rolei pela cama fazendo planos entre o sono, a ansiedade e o medo do fracasso. Porque ter uma paixão é atirar-se ao acaso e não perceber que dele se fará a vida após aquele instante.
Depois me levantei e vesti o manto. Dei bons dias e olhei para a janela. Não tinha sol, anúncio de um dia nublado. Menos mal, penso eu, quando tudo parece ajudar é que o fracasso vem. Um belo sol poderia iluminar mais esse caminho que eu nem queria pensar. Tomei meu café e sentei na varanda a olhar o jardim. Eu me mexia muito de nervoso e cheguei a pedir calmante pra mim mãe, dizendo que assim como tava, eu não ia aguentar.
A hora num passava de jeito nenhum e eu queria morrer um pouquinho para viver muito mais daqui a pouco. O telefone começa a tocar e as pessoas dizendo pelas entrelinhas que era dia de abraçar, dia de mudar a vida, dia daqueles que nunca esqueceremos. E eu dizia que hoje o dia era nosso e de ninguém mais. Ninguém.


Até que dá uma hora antes e eu mudo a bermuda, visto um tênis e vou pra rua. Comprimento os desconhecidos que vestem o mesmo manto que eu, sorrio para todos, pego uma cerveja e vou. Chego no meu destino e a partir daí é só alegria. Choro porque ainda sou criança, choro porque o flamengo é muito maior que eu, muito maior do que eu posso ser. O flamengo é das minhas paixão a mais descompromissada, por isso a mais sincera. O flamengo é o que faz de mim e do mundo, uma pessoa e um lugar, melhor(es) de se viver. Sem ele, meu desgosto seria profundo.
Parabéns pra nossa nação, parabéns!

03 dezembro 2009

o cachorro late

no meu sonho o cachorro late - e eu não gosto de cachorro - e então a menina aparece - mas já não gosto da menina - depois eu almoço - que no sonho é um saco - e eu tento que alguém me veja - e não consigo porque sou pequeno, o que é frustrante - conquistar tudo aquilo que sempre quis - mas eu ainda não havia decidido nada - reclamo - como sempre - me embriago - como todos os fins-de-semana - dia seguinte, sinto a consciencia pesar - quase resolvo ir pra uma igreja - mas me recupero em uma tarde - acho que era só ressaca - e tudo fica próxima - igual - então tiro um cochilo - acordei suado porque fazia calor - e no meu sonho o cachorro late.

01 dezembro 2009

poesia de cortina

da janela não vejo nada
o que atrapalha a poesia
que fica dura feito concreto,
lâmpada e alumínio.

a cabeça já não lateja mais
sem idéias fixas ela flutua
entre o tédio do nada fazer
e o todo de se perder

as meninas se fixam
transitoriamente entre
o que eu quero
e o que vou fazer

uma, melhor que as outras
vira brincadeira de criança
que prefere o jogo
ao prêmio que aponta

e sem poesia de janela
sem poesia de luar
o que se escreve vira traço
momento roubado do nada

e o que era pra ser belo
agora é só disforme
como se o mundo assim
pudesse fazer sentido