30 setembro 2010

festival de cinema ou Rio de areia



O festival de cinema da cidade do Rio está acontecendo e por toda a cidade fica aquele clima. Pessoas de calça xadrez e óculos grossos andando por aí, comprando entradas antecipadamente e citando a última moda em quadrinhos, o diretor que foi sucesso no festival do Irã e por aí vai. A cidade também se enfeita para o evento: quase em todo poste tem um banner assim como nos pontos de ônibus. É quando me deparo com o cartaz de divulgação.
Trata-se de uma imagem do Pão-de-Açúcar, da Lapa, do Maracanã e de outros monumentos feitos de areia. Mas por quê? O festival não é feito para gringos, não é feito para divulgar a cidade, pra ganhar votos. O festival é para organizar e divulgar uma mídia específica: o cinema. O cinema como forma de integração de várias nações de transações culturais para um público que, pelo menos pretensamente, se propõe a olhar as obras a partir de um ponto de vista menos simplificador. Junto com o cartaz uma inscrição: "Rio: inspiração natural". Inspiração pra quem, meu deus?! Generaliza-se e se perde o que se tem de bom.
Fico chocado com essa constante classificação do Brasil, e por consequência do Rio de Janeiro, como o lugar da natureza, da praia, do futebol e da noite. Fico preocupado de a gente ainda se ver assim, ainda comprar essa ideia que é mais que cristalizada, constantemente reafirmada e habita nosso imaginário em todos os aspectos. O Brasil não é isso, pelo contrário, o Brasil e o Rio vivem em constante tensão com essa imagem. Afirmam a cada momento que não é parecido com ela e que ela é apenas uma visão ingênua, pobre, velha, antiga e dominadora sobre o que somos.
O festival de cinema é o contrário do seu cartaz: um instrumento de derrubar esses castelos de areia, derrubar essa concepção nativista, de que somos um povo areia que vaga pelos ventos. O festival derrubar os castelos e apresenta um novo Brasil: um país que para e por algumas semanas olha o mundo.

29 setembro 2010

diomedes e o fragmento amoroso



Ele está lá, não se pode dizer que não. E é acompanhado no fundo por uma canção, mas será que pode ser ouvido? Diomedes está no meio de tudo, todas as coisas do mundo em volta dele: bichos, placas, recados, comidas, cheiros, gostos, toques, calores, luzes. Cada objeto, por mais minúsculo e incapacitado que seja está presente ao lado dele quando ele diz “eu te amo”. Daí enfraquece, né? Ele é um detetive e precisa ser um homem forte, mas não. Precisa enfrentar a vida com um peito aberto, mas tem uma certa preguiça. Sempre preferiu o ócio, a vida mansa, a água-de-coco e o mar, mas nunca diria isso. NUNCA! Sua esposa é a de sempre...com outro. E ele liga para dizer que está vivo, e ela escuta e talvez retribua, se puder ouvir. Ele disse “eu te amo”, mas ficou pequeno pra cena. Seria preciso muito mais do mundo das palavras que aquilo. O jogo de preto e branco é cansativo para suas vistas e as palavras saem para significar mais prisão que outra coisa. Vai lá Diomedes, toma posse do que é seu através das palavras e talvez um alter-silêncio consiga tomar tudo de você muito mais rápido. Diomedes faz parte de um fragmento amoroso que nunca se conclui. Está imerso em tantas coisas, em tanto barulho, tantos detalhes, tanta complexidade que perde a voz, fala através de uma mudez. Diomedes é o elo mais fraco, talvez tenha consciência disso, talvez não. Diomedes vai continuar falando “eu te amo” no orelhão em meio a tantos infinitos detalhes de desenhos em nanquim para sua mulher.

28 setembro 2010

não votar em...

Tipos de político para NÃO se votar:



1- parente de político.
Há uma tendência no Brasil a uma idéia da política como paternalista e que o governante é um cara que recebe os direitos de decidir por nós e que aquele direito é, de certa forma, totalmente legítimo, quase numa instância divina. Espécie de monarquia, uma hierarquia muito antiga e que não podemos mudar. Nesse estilo, uma idéia de que se o pai tal foi bom, o filho será e assim a gente mantém sempre as mesmas famílias no poder. Isso estabelece um tipo de política que cristaliza estruturas. Então, para o bem votar é preciso ignorar essa idéia de parentesco por mais afinidade possível que se tenha pela pessoa.

2 - Militares.
Os militares governam a partir de leis muito antigas e totalmente ultrapassadas. Acham que um controle ou intervenção ostensiva é capaz de melhorar a situação, como se cada um de nós tivesse que ser constantemente fiscalizado e investigado por tudo que fez/faz/fará. Depois de idéias como de biopolítica do Foucault qualquer tipo de governo desse fica insustentável. Além disso eles geralmente usam demais o termo "tradição, família e ordem".

3- Paternalistas.
Nunca vote em políticos que comparam o governo com uma família. Que tratam o estado como o pai de todos que deve por um lado dar o que ele precisa e por outro controlar e punir quando não forem atendidos.

4- religiosos.
O estado é laico e portanto não deve se prender a qualquer tipo de político com um dogma religioso estabelecido. Quem governar deve ser capaz de ser dialético, de permitir que se veja todas as questões de muitos aspectos e perceber que um estado é plural e que todos estão nele, até quem não pensa como ele.

5- populistas.
Governantes que falam demais a palavra "Povo, a gente, saúde-educação-segurança". Usam de necessidades básicas da população e geralmente se compara a eles dizendo que "os outros querem tirar o que é nosso, mas ele não vai deixar"

6 - oradores
Nunca vote em políticos que tem um discurso absolutamente perfeito. Que consegue te cativar, te emocionar, que consegue ter o dom de dizer o que você pensava e o que pretende que um político faça. O verdadeiro político nunca vai organizar tão perfeitamente um discurso, pois a verdade é que a sociedade é rachada e vive em constante tensão, embate, então se algum consegue organizar tão bem as idéias provavelmente vai ser só falatório.

7- desenvolvimentistas
Políticos que falam excessivamente em desenvolvimento, em crescimento, expansão do capital. É fato que eles vão leiloar nosso país, abrir muitas fábricas poluentes e até desnecessárias. Por um lado vão gerar emprego, por outro vão criar diversos problemas. O político bacana percebe que estamos numa nova fase em que é preciso pensar em crescer com sustentabilidade, pois essa é a tônica desse novo mundo, e qualquer outro crescimento será improfícuo.

8 - carecas gordos.
Temos uma tradição de carecas gordos com cara de ou coronéis do interior de estados nordestinos ou de ex-nerds que estudaram na usp, enriqueceram, casaram com uma loira e mudaram de lado. É o pior tipo de político.

16 setembro 2010

O castelo - Kafka - Noelte

Achei esse filme raríssimo baseado na obra "O castelo" do Kafka para baixar e resolvi postar aqui. A produção alemã de 1968 conseguiu traduzir o universo kafkiano com grande habilidade. Uma das melhores adaptações de Kafka que já vi!

"O castelo (1968) - "Das Schloß"
País: Alemanha
Direção: Rudolf Noelte
Roteiro:
Franz Kafka (romance)
Rudolf Noelte
Maximilian Schell
Elenco:
Maximilian Schell ... 'K'
Cordula Trantow ... Frieda
Trudik Daniel ... Innkeeper's Wife
Friedrich Maurer ... Mayor
Helmut Qualtinger ... Burgel



Link do rapidshare:

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Link com legendas em espanhol e inglês.

15 setembro 2010

mina de carvão

Tá tudo preto. Em cima, embaixo e dos lados. A coisa tá preta. Não dá pra medir a negritude de tudo, a profundidade da negrura que cobre meus olhos. Quando tem alguma luz, de lamparina ou de vela, parece um escárnio, parece que elas existem pra realçar a escuridão.
Sou um chileno e estou na mina de carvão, preso, e só vou sair em meses. Provavelmente no Natal pra ver Jesus nascer. Não saí, no entanto, hoje pra ver minha filha nascer. Cara, como é aqui? Me pergunto todo dia e não posso escrever. Na verdade não estou escrevendo agora: isso é só um pensamento e por isso sai tudo desorganizado. Estar preso pode dar uma sensação de claustrofobia, mas não, a fobia só existe quando a prisão é passageira, ou de espaço curto, quando é tão longa quanto a nossa, fica tudo bem. A gente sabe se planejar.
A verdade é que eu queria escrever um texto sobre essa sensação, mas não posso. Eu sou um mineiro de carvão e não tenho essa capacidade toda. Estou preso, magro e com fome, penso em processar a empresa. Não dá pra fazer uma grande análise ou qualquer poesia. Se eu fizesse exporia o meu narrador e isso não se faz, não quero que outro fale pela minha boca. Parece que estou no mito da caverna; droga o narrador escapou. Esse texto é complicado mesmo, eu aceito isso.
Ninguém toma banho dinheiro. E o humor é bom. Piada inevitável: pelo menos vou ficar três meses junto com uma mina...e no escurinho.

09 setembro 2010

metamorfoses

A releitura de “A metamorfose” que acabei de fazer me pediu que pensasse algumas coisas sobre o tema. Sofrer metamorfose é mudar fisicamente, ou de alguma maneira tornar-se outro. É possível que se pense em duas possibilidades: Ao sofrer metamorfose a gente se torna outro, ou melhor, mudando a forma muda alguma outra coisa? Não há, nesse caso, essa dialética entre forma e conteúdo, teoricamente nada muda internamente, somente algumas funções que se readaptam.
O primeiro que se torna o segundo, ao mesmo tempo que deixa de ser um tem a marca dele. Algo como um carimbo de alteridade, ele se relaciona e é analisado também a partir disso. É uma espécie de memória antiga, que quanto mais antiga se torna mais se distancia. Chega um ponto em que o primeiro se torna uma breve lembrança apenas e o segundo passa a ser e viver aquilo que é agora. No entanto, restos ficam, sequelas, marcas, rastros.
O próprio espaço se modifica. Uma vez acontecendo a metamorfose do corpo, todo o espaço também precisa se redefinir. Isso se dá gradativamente, a partir do ponto em que o outro começa a ser realmente o outro, quando a mudança física começa a se instalar em outras instâncias internas, até na constituição global, porque evito e não gostaria de dizer “na mente”, no psicológico desse segundo, mas é algo do tipo: assim que o outro se reconhece como tal, e assim que todo o resto também o reconhece, esse seu espaço também começa a se redefinir, a criar outras referências que outra vez deixam seus rastros e destroços.

Em “A metamorfose” há tudo isso. Gregor, no entanto, já era um distante da família, o único que trabalhava, que estava muito tempo fora, que sustentava todos e até acomodava uma rotina que dependia dele, mas que ele não compartilhava. A própria profissão de caixeiro-viajante exprime esse fato, ou seja, um homem que vai a lugarejos, cidades distantes levando produtos da cidade grande que lá não chegariam. Faz uma espécie de ligação de lugares díspares, coabitando os dois, vendo suas diferenças e, em algum nível, sem habitar nenhum daqueles mundos. Benjamin diz em “O narrador” (pg. 198) que narrador é alguém que vem de longe, alguém que transita pelos espaços e Gregor se torna esse homem em casa: ele traz o mundo externo, o dinheiro, as promessas de futuro, os trabalhos, para dentro da residência onde o pai já não trabalha, a irmã cultiva sonhos e a mãe mantém aquela falsa harmonia. Gregor já é um estranho nessa família e se tornar inseto é levar esse fato às últimas consequências. Ele conta o tempo, o avanço e a modernidade daquela casa. De certa forma, ele se torna aquela casa e o que ela é, fato que começa a mudar com a metamorfose, gerando uma espécie de caos íntimo e mais radicalmente após sua morte quando todos saem para um passeio, único momento externo do livro, única luz em uma obra soturna. Luz que repensa uma vida e depois de uma tragédia quase aponta uma esperança.
A metamorfose tem algo de material, externo, coletivo, social. Ela dramatiza, ou melhor, reencena de outro ponto as características quase estáticas de um mundo apocalíptico.

04 setembro 2010

minha cabeça

Minha monografia sobre o Lourenço Mutarelli tem mexido muito com minha cabeça. Ele fala da infância dele como "medonha" e descreve seus pais e seus irmãos de uma maneira quase cortante, nada afetiva. Diz ele que quando criança sempre viu o mundo de forma negra, nunca conseguiu ser uma criança feliz que se misturava. Comecei a pensar em mim. Eu me misturava, conseguia com algum esforço, mas conseguia. Só que vejo que só o esforço que tinha pra isso já me cansava, lembro que tinha que me controlar, saber o máximo de coisas erradas possíveis, aprender cada vez mais a jogar bola e ser um tanto quanto cruel quando jogasse. Humilhar alguém sempre foi bom, mas eu não conseguia: tinha pena de dar um drible mais bonito, fazia o gol logo.
Não esqueço uma vez que chamei um menino de "Junior Baiano" e ele veio pra me bater. Me empurrou no chão, veio pra cima de mim e ficou me sacudindo. Não tive reação, tinha feito só uma brincadeira. O professor separou, claro, mas me senti muito ofendido. Alguma coisa ali mudou em mim. Foi quando percebi que as pessoas podiam machucar as outras, se quisessem. Tive uma sensação real de morte, de fraqueza, de impossibilidade. E isso vai se arrastando comigo até hoje.
É...minha monografia sobre Lourenço Mutarelli tem mexido muito com minha cabeça.